Inútil mais esta achega, mas fica-nos
sempre o prazer de sentir que, no meio do desconforto de uma progressiva “moralidade”
que no fundo tem a ver com a perda de valores e de respeito para com o que nos
ficou de construção pátria passada, disfarçada no presente em apego, apenas na
altura dos jogos inter pares, que jogadores das mais diversas origens fingem
estimar por alturas do hino nacional – fica-nos o prazer de ler textos que
denotam a boa formação, não necessariamente religiosa, mas decididamente apoiada
numa formação moral que nos encanta, antes que chegue a nossa vez de decidir
sobre a nossa escolha de partida. Bem-haja, pois, às corajosas “Raquel Abecasis” destes tempos de tanta parcialidade
clamorosa na “virtude”, e de arrogância e inapetência no estudo sério, que
escondem uma real imoralidade imponente e pomposa, neste país sem direito a
isso, por ausência de maturidade intelectual que se preze.
EUTANÁSIA: sabemos como começa, nunca como acaba
Queiramos ou não, abrir a porta à
Eutanásia conduz-nos inevitavelmente à tentação de valorizar alguns, descartando
outros.
RAQUEL ABECASIS Jornalista
e ex-candidata independente pelo CDS nas eleições autárquicas e legislativas
OBSERVADOR, 29 nov
2022, 00:17
Há
coisas na vida que a vida desconhece. E a primeira delas é a origem da vida, o
seu curso e o seu fim. É por isso que entendo que decidir sobre a nossa vida ou
a vida dos outros é algo que nos deve estar vedado. Decidir sobre o que nos foi
dado de mais precioso e que em grande parte desconhecemos é, no mínimo, brincar
com o fogo.
Numa
época em que discutimos a sustentabilidade e o destino do planeta. Em que nos
preocupamos com direitos humanos e inclusão, defendendo que todos devemos ser
respeitados tal como somos, porque todas as vidas podem e devem ser respeitadas,
é anacrónico avançarmos para legislar sobre um suposto direito que não nos
pertence: o direito de dar ou tirar a vida, o direito de decidir sobre a
utilidade do tempo de vida que, insisto, não depende da nossa decisão, mas de
factores que não controlamos.
Portugal
é um país pobre e desigual. Cada vez mais pobre e cada vez mais desigual. Todos
os dias nos chegam indicadores de como estamos mais dependentes de ajudas
externas e mais incapazes de dar resposta aos nossos problemas. Dos mais
básicos (como o acesso à saúde), aos mais complexos (como criar condições para
que este país se desenvolva economicamente). É num país assim, com quarenta por
cento da população em situação de pobreza, que nos preparamos para abrir uma
porta enganadora. Em que a antecipação do final da vida pode facilmente surgir
como a solução mais fácil para os próprios ou para terceiros.
Bem
sei que a lei da Eutanásia que se prepara para ser aprovada no Parlamento é uma lei supostamente cautelosa e restritiva. Mas também sei, e é fácil comprovar (basta estudar
os exemplos onde esta lei está em vigor, como a Bélgica ou a Holanda), que o que começa com pequenos passos,
rapidamente evolui para outros caminhos. Até porque haverá sempre outros
grupos, que não serão abrangidos por esta primeira versão da lei, que exigirão
os seus direitos mais tarde ou mais cedo.
A
Eutanásia está para uma sociedade, como a utilização de armas atómicas está
para o mundo: sabemos como começa, desconhecemos por completo como termina.
Sabemos apenas que termina mal, muito mal, sem que haja uma previsão de quem se
salva e como se salva.
Tenho fé e a certeza de que a vida é
sagrada, seja em que estádio for do seu desenvolvimento. Mas acho que não é
preciso ter fé para reconhecer que a vida não é um bem que esteja ao nosso
dispor, por isso mesmo o direito à vida é um direito protegido
constitucionalmente nos quatro cantos do mundo.
Esta semana, os defensores das grandes causas modernas da actualidade,
em nome dos direitos humanos, vão aprovar uma lei que põe em causa o principal
direito humano consagrado internacionalmente: o direito à vida. Entendo que na fúria de garantirem todos os
direitos e todas as liberdades, os promotores desta lei estejam convencidos que
estão a dar mais um passo em direção a uma sociedade de progresso. Tenho
pena que a sua sede progressista os impeça de estudar a sério o que se está
a passar nos países, raros, em que esta lei está em vigor. Se o fizessem
perceberiam rapidamente que esta lei é inibidora da liberdade de
muitos e contribui para uma sociedade em que a vida é cada vez mais avaliada
pela sua utilidade aparente, deixando de fora todos os que não encaixam nesse
cliché. Queiramos ou não, abrir a porta à Eutanásia conduz-nos inevitavelmente
à tentação de valorizar alguns, descartando outros.
PS:
A revolta dos papéis brancos que por estes dias se desenvolve na China prova
como, por mais elaborados que sejam os sistemas políticos, não é possível
controlar o homem e a sua liberdade. Na mesma altura em que Xi Jinping se
autoconsagra líder eterno dos chineses, contra todas as expetativas e
arriscando a própria vida, milhares de chineses fazem ouvir a sua revolta
contra um sistema que os quer controlados e fechados em casa.
Não
sei o que será o desfecho desta revolta. Talvez acabe com acontecimentos
trágicos como os da praça Tiananmen em 1989. Mas o que os protestos do povo
chinês nos dizem é que a liberdade humana é um valor pelo qual o homem está
disponível a dar a vida. Do outro lado estão os que preferem tirar a vida para
manter o poder.
EUTANÁSIA SAÚDE DIREITOS
HUMANOS SOCIEDADE
COMENTÁRIOS:
Fernando Cascais: Direitos: direito à vida, direito à morte. Por que raio é que se deve
proibir o direito à morte? Porque, durante centenas de anos, a nossa sociedade
foi gerida de acordo com o livro sagrado da Bíblia, de onde saiu, que o
suicídio era condenável pelas leis de Deus. Daí, que Marcelo, católico
convicto, se opõe à Lei da Eutanásia, e tudo fará para que esta não seja
aprovada, incluindo mandar abaixo o governo. A Lei da Eutanásia a ser aprovada
durante o mandato de Marcelo, seria a mesma coisa que Marcelo descer aos
infernos para discutir bola com o Diabo ou ser corrido do Vaticano à biqueirada
quando lá fosse visitar Francisco, o Papa. Agora a sério 1: a Lei da
Eutanásia não vai passar, nem o PS a vai levar a plenário para não provocar
Marcelo. Agora a sério 2: as manifestações na China também não vão passar, mas,
o regime tem um difícil dilema. Se acabarem com as restrições o regime perdeu
para os manifestantes. Se agrava as restrições para mostrar a força do poder, o
povo pode escolher a eutanásia e as manifestações entrarem numa nova dimensão
com o exército a descer às ruas para matar o povo.
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