sábado, 26 de novembro de 2022

Como sempre


A perfeita explicitação, por JAIME NOGUEIRA PINTO, de um movimento libertador que me lembro de ter vivido com alegre empenhamento, próprio de quem então sentia, com menos ciência, naturalmente, mas com a intuição desse mesmo significado que lhe atribui, com sábia precisão, o Historiador, o qual alia, como sempre, competência e dignidade, de tanta carência entre nós – para mais, alargando a sua visão crítica a outros espaços e épocas que bem justificam o nosso estar no mundo, de sacudidelas e brusquidões, onde, por vezes, ressaltam os salvadores ilustres e amantes da breve “praia portuguesa ocidental”.

25 de Novembro: a acalmação

A natureza estrutural da realidade portuguesa dos últimos 200 anos é essencial para perceber como é que dos meses que vão de 25 de Abril a 25 de Novembro resultou o Thermidor que originou este Centrão

Jaime Nogueira Pinto Colunista do Observador

OBSERVADOR; 26 nov 2022, 00:2012

Entre a revolução de 1820, que iniciou o ciclo liberal em Portugal, e o golpe militar de Abril de 1974, que pôs fim ao Estado Novo e ao império ultramarino, há uma história marcada por revoluções, contra-revoluções, golpes de rua, golpes palacianos, eleições, crises, tempos de liberalismo, tempos de autoritarismo e tempos de democracia.

Quando a Terceira República se aproxima do meio século, tendo este ano ultrapassado em longevidade a Segunda – que para os antifascistas mais acirrados não passará nunca de um tempo de trevas e terror indigno do nome de República –, vale a pena uma breve reflexão sobre o 25 de Novembro, o seu significado, as suas razões e os seus limites.

A natureza estrutural da realidade portuguesa dos últimos 200 anos é essencial para perceber como é que dos dezoito meses que vão do 25 de Abril ao 25 de Novembro, resultou um Thermidor político-militar, institucionalizado na Constituição de 1976 e na eleição do General de Eanes, que deu origem a um sistema político-partidário assente num rotativismo entre dois partidos: o PS e o PSD. Um rotativismo com ocasionais muletas à direita e à esquerda, mas dominado (e, nos últimos anos, praticamente monopolizado) pelo Partido Socialista.

Esta solução de estabilidade partidária institucional tem sido feita à custa da perda de condições objectivas de independência do país, com a desnacionalização suave e indolor da economia portuguesa, o empobrecimento relativo dos cidadãos, a emigração dos mais aptos e a resignação da maioria, entre a disseminação discreta mas constante e progressiva de preconceitos ideológicos e instrumentos de cancelamento das resistências.

Mas a solução “centrista” do 25 de Novembro, dentro das forças em presença depois do 25 de Abril e após a neutralização da Direita, no 28 de Setembro de 74 e no 11 de Março de 75, foi também facilitada por factores históricos que, por ignorância ou estratégia, os inúmeros comentadores e analistas de serviço não costumam mencionar.

Um deles é a obediência mais ou menos acrítica ao poder herdada dos “brandos costumes” do salazarismo, que ocupou o Estado e submeteu a sociedade. Outro, que também contribui para a aceitação tendencialmente resignada dos mandatos do poder central – mesmo quando prejudiciais para a comunidade –, é facto de sermos uma nação muito antiga, sem separatismos, sem regionalismos e sem movimentos de secessão étnicos ou religiosos. Depois, há a natureza periférica do Portugal de hoje em relação à realidade geopolítica e económica europeia e ocidental.

Tudo isto faz com que tentativas de saída do conformismo do Centrão dominante, sobretudo pela direita, sejam dissuadidas à partida. Em crises históricas, como na guerra civil de 1828-1834, foi a mudança política em França e em Inglaterra que determinou a solução interna a favor dos liberais. Foi também assim em 1975.

Em 1975, foram a Europa, os Estados Unidos, a ordem de Ialta em vigor e a dependência económica, financeira, política e cultural do país que determinaram a solução adoptada, contribuindo decisivamente para que o contra-golpe do 25 de Novembro, protagonizado essencialmente pelas companhias de convocados do Regimento de Comandos, não tivesse a natural exploração do sucesso que teria levado a outras soluções.

A terceira via

O processo do 25 de Novembro obedece à tipologia gramsciana de saída por terceira via de duas forças radicais em conflito. No Verão de 1975, e na sequência da radicalização dos golpes ou contra-golpes da Esquerda de 28 de Setembro de 74 e de 11 de Março de 75, o poder dominante era do Partido Comunista, com bom apoio militar e da comunicação social. Após o golpe corporativo e politicamente indefinido de 25 de Abril, o PCP lançara-se na colonização intelectual do MFA e encontrara boa receptividade. Jogava também na aceleração da descolonização, com a entrega dos então territórios ultramarinos às forças políticas que, na época, estavam mais ligadas à União Soviética.

A estratégia era neutralizar os movimentos ou partidos contrários à descolonização ou que não favorecessem uma descolonização incondicional. O movimento militar, que começara por razões corporativas e sem grandes preocupações ideológicas, estava, quanto aos territórios africanos, obrigado a seguir esta orientação; tanto que, ainda com o processo de Angola por concluir, a ideia de continuar a guerra era tabu para a oficialidade.

Os meios para conseguir esta neutralização foram as prisões sem culpa formada do 28 de Setembro, as nacionalizações depois do 11 de Março e a condenação ao exílio e ao silêncio dos recalcitrantes, através de violência verbal e ideológica. Tudo isto, orquestrado pelo PCP, podia ter apoios em círculos radicais, militares ou jornalísticos, mas não correspondia ao sentimento da maioria.

A partir do momento em que os partidos moderados do Regime – o PPD e o PSdeixaram de ser cúmplices dos radicais antifascistas, (até por se verem directamente ameaçados), estavam criadas as condições para que um movimento popular, enquadrado por sacerdotes católicos e por populares e militantes da Direita, pusesse em marcha uma estratégia de ataques violentos ao PCP e às suas sedes, submetendo os comunistas ao mesmo tratamento que geralmente davam aos inimigos nas áreas que dominavam.

Ao mesmo tempo, no terreno militar, formou-se uma coligação anti-comunista, que ia dos oficiais conservadores e patriotas ao chamado Grupo dos Nove. E antigos oficiais milicianos dos Comandos começaram a percorrer o país, mobilizando e formando a respectiva Associação. No exterior, alguns movimentos entraram também em acção, recorrendo a formas superiores de luta.

A política segue regras dialécticas de parada e resposta. A resistência nacional radicalizou-se e o PCP e os seus partidários militares recuaram. A União Soviética era um poder já em decadência e que respeitava as regras geopolíticas de Ialta, e o Partido Comunista Português obedecia às suas directivas. Por maior que fosse o ímpeto revolucionário dos militantes comunistas e de alguns intelectuais e literatos orgânicos, o Secretário-Geral Álvaro Cunhal era um homem realista e sabia que, se houvesse uma guerra civil, a esquerda perderia e o Partido podia ter de voltar à clandestinidade.

É este o quadro do 25 de Novembro e o quadro da acalmação que se lhe seguiu, garantida pelo Grupo dos Nove e pelo PS, poupando o Partido Comunista, que manteria intocado, neutralizando a chamada Extrema-Esquerda e saindo pelo centro das forças em presença. Este centro puxado à esquerda, esta “terceira via”, daria origem ao Centrão, com o Partido Socialista como partido dominante e um Partido Social Democrata que, depois do interlúdio cavaquista e do breve intervalo passista, se resignou a ser a direita do Regime, isto é, a direita da Esquerda: um partido com um programa de esquerda, dirigentes e quadros de centro-esquerda e militantes e eleitores de direita.

É à sombra desta acomodação que tem vivido a Terceira República, cada vez mais enfeudada à esquerda, perante uma opinião pública aparentemente dócil, trabalhada e adormecida por uma comunicação social sempre alinhada com as “boas causas”.

Nada disto é, entretanto, novidade: desde a Revolução de 24 de Julho de 1820, que a História de Portugal é marcada por características e síndromas de dependência periférica e feita de acalmações centristas.

Só com uma mudança no Centro poderá chegar um outro paradigma. Já se esteve mais longe.

A SEXTA COLUNA   CRÓNICA   OBSERVADOR   25 DE NOVEMBRO   PAÍS   DEMOCRACIA   SOCIEDADE

COMENTÁRIOS (4 de 17):

TIM DO Ó: Excelente artigo, como sempre, JNP.                 Carlos Chaves: Caríssimo Jaime Nogueira Pinto, obrigado por esta sucinta explicação enquadrada nos nossos últimos 200 anos, explicando como chegámos até aqui. Obrigado também por encontrar eco na sua opinião de que o PSD não é (nem quer ser digo eu) um partido de direita. Um país como o nosso integrado na Europa, sem uma verdadeira direita democrática e humanista é uma extravagância que contribui decisivamente para o nosso atraso e para o domínio da esquerda que nos governa, trafica a nossa soberania e nos empobrece paulatinamente. Acredite que gostaria de estar de acordo consigo quando conclui que “Já se esteve mais longe” de uma mudança deste estado das coisas. Infelizmente não vislumbro na nossa actual vida política nada que possa fundamentar esta sua conclusão. A esmagadora maioria dos Portugueses continuam acríticos, obedientes e resignados, tal qual no tempo do Estado Novo.     Paulo Cardoso: Mais um excelente artigo. Desconhecendo o que se passa nos bastidores, relanço aqui uma ideia que já cá deixei no passado, colocando-a directamente ao visado. Tenho para comigo, que, na actualidade, o partido português que mais se aproxima dos valores da direita e que mais tem contribuído para o avanço da mesma, é o Chega. No entanto, penso que, por culpa da juventude do partido e por o mesmo agregar descontentes e revoltados oriundos de todos os sectores, o Chega enferma de alguma (talvez demasiada) incoerência ideológica. O Chega necessita de pensadores providos de ideias estruturadas e conselheiros dotados da experiência que só o tempo proporciona. O Jaime Nogueira Pinto, podia - mesmo que na sombra fosse, se não quiser (ainda) ser conotado com o partido - aproximar-se do Ventura. Jantar umas quantas vezes com ele e, em conjunto, estruturarem estratégias, para cimentar a estrutura ideológica do Chega. O Chega necessita de personalidades destas no partido, provenientes das várias disciplinas. Do pensamento político-filosófico ao económico. Muito em particular deste último, onde o Chega e o pensamento de Ventura são, no meu modesto entender, uma catástrofe. Um pensador político-filosófico, da craveira de Jaime Nogueira Pinto, no Chega, derrubaria as barreiras e destruiria os complexos, que ainda existem em apoiar o chega. Barreiras e complexos esses, ardilosamente construídos e mantidos, pelos habilidosos gramscianos do costume. Deixo aqui o meu repto ao, por mim admirado, Jaime Nogueira Pinto.                    Antonio Marques Mendes: O 25 de Abril apanhou todos de surpresa. Um movimento corporativo fez um golpe militar instrumentalizado por Moscovo para lhe entregar as colónias. Mas o povo adormecido acordou estonteado a reclamar liberdade e viveu momentos de euforia, enquanto as poucas elites que havia iam tentando domar o movimento. Claro que a esquerda mais organizada tomou a liderança apesar de menos aceite pelo povo conservador. O processo poderia ter acabado em guerra civil se não fosse a intervenção do embaixador dos Estados Unidos e dos militares mais moderados como Eanes em 25 de Novembro, que impuseram um regime democrático e alinhado com a Europa Ocidental. Depois seguiram-se 10 anos de luta pela consolidação dos partidos que se concluiu com o fim PRD. Este partido era uma amálgama de independentes e dissidentes de todos os partidos desde o PCP ao PSD cujo fim acabou com a esperança de uma terceira via. Porque é que depois o PS e PSD voltaram ao socialismo marxista e ao centro esquerda é algo que precisa de ser estudado, mas a que não é estranha a subsidiação do regime por Bruxelas. Um adormecer semelhante ao do Estado Novo, do qual só sairemos com nova revolta popular contra o empobrecimento relativo do país.

 

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