A perfeita explicitação, por JAIME NOGUEIRA PINTO, de um
movimento libertador que me lembro de ter vivido com alegre empenhamento,
próprio de quem então sentia, com menos ciência, naturalmente, mas com a
intuição desse mesmo significado que lhe atribui, com sábia precisão, o
Historiador, o qual alia, como sempre, competência e dignidade, de tanta
carência entre nós – para mais, alargando a sua visão crítica a outros espaços
e épocas que bem justificam o nosso estar no mundo, de sacudidelas e
brusquidões, onde, por vezes, ressaltam os salvadores ilustres e amantes da
breve “praia portuguesa ocidental”.
25 de Novembro: a acalmação
A natureza estrutural da realidade
portuguesa dos últimos 200 anos é essencial para perceber como é que dos meses
que vão de 25 de Abril a 25 de Novembro resultou o Thermidor que originou este
Centrão
Jaime Nogueira Pinto Colunista do Observador
OBSERVADOR; 26 nov 2022, 00:2012
Entre a revolução de 1820, que
iniciou o ciclo liberal em Portugal, e o golpe militar de Abril de 1974, que
pôs fim ao Estado Novo e ao império ultramarino, há uma história marcada por
revoluções, contra-revoluções, golpes de rua, golpes palacianos, eleições,
crises, tempos de liberalismo, tempos de autoritarismo e tempos de democracia.
Quando a Terceira República se
aproxima do meio século, tendo este ano ultrapassado em longevidade a Segunda –
que para os antifascistas mais acirrados não passará nunca de um tempo de
trevas e terror indigno do nome de República –, vale a pena uma breve reflexão
sobre o 25 de Novembro, o seu significado, as suas razões e os seus limites.
A
natureza estrutural da realidade portuguesa dos últimos 200
anos é essencial para perceber como é que
dos dezoito meses que vão do 25
de Abril ao 25 de Novembro, resultou um
Thermidor político-militar, institucionalizado na Constituição de
1976 e na eleição do General de Eanes, que deu origem a um sistema
político-partidário assente num rotativismo entre dois partidos: o PS e o PSD. Um rotativismo com ocasionais muletas
à direita e à esquerda, mas dominado (e, nos últimos anos, praticamente
monopolizado) pelo Partido Socialista.
Esta
solução de estabilidade partidária institucional tem sido feita à custa da
perda de condições objectivas de independência do país, com a desnacionalização
suave e indolor da economia portuguesa, o empobrecimento relativo dos cidadãos,
a emigração dos mais aptos e a resignação da maioria, entre a disseminação
discreta mas constante e progressiva de preconceitos ideológicos e instrumentos
de cancelamento das resistências.
Mas a solução “centrista” do 25 de
Novembro, dentro das
forças em presença depois do 25 de Abril e após a neutralização da Direita, no 28
de Setembro de 74 e no 11 de Março de 75, foi também facilitada por factores
históricos que, por ignorância ou estratégia, os inúmeros comentadores e
analistas de serviço não costumam mencionar.
Um deles é a obediência mais ou menos acrítica ao poder herdada dos
“brandos costumes” do salazarismo, que ocupou o Estado e submeteu a sociedade. Outro, que
também contribui para a aceitação tendencialmente resignada dos mandatos do
poder central – mesmo quando prejudiciais para a comunidade –, é facto de
sermos uma nação muito antiga, sem separatismos, sem regionalismos e sem
movimentos de secessão étnicos ou religiosos. Depois, há a natureza periférica do Portugal de
hoje em relação à realidade geopolítica e económica europeia e ocidental.
Tudo
isto faz com que tentativas de saída do conformismo do Centrão dominante,
sobretudo pela direita, sejam dissuadidas à partida. Em
crises históricas, como na guerra civil de 1828-1834, foi a mudança política em
França e em Inglaterra que determinou a solução interna a favor dos liberais.
Foi também assim em 1975.
Em 1975, foram a Europa, os Estados Unidos, a ordem de Ialta em
vigor e a dependência económica, financeira, política e cultural do país que
determinaram a solução adoptada, contribuindo decisivamente para que o
contra-golpe do 25 de Novembro, protagonizado essencialmente pelas companhias
de convocados do Regimento de Comandos, não tivesse a natural exploração do
sucesso que teria levado a outras soluções.
A terceira via
O processo do 25 de Novembro obedece à tipologia gramsciana de saída
por terceira via de duas forças radicais em conflito. No Verão de 1975, e na sequência da
radicalização dos golpes ou contra-golpes da Esquerda de 28 de Setembro de 74 e
de 11 de Março de 75, o poder
dominante era do Partido Comunista, com bom apoio militar e da comunicação
social. Após
o golpe corporativo e politicamente indefinido de 25 de Abril, o PCP lançara-se
na colonização intelectual do MFA e encontrara boa receptividade. Jogava também
na aceleração da descolonização, com a entrega dos então territórios
ultramarinos às forças políticas que, na época, estavam mais ligadas à União
Soviética.
A estratégia era neutralizar os movimentos ou partidos contrários à
descolonização ou que não favorecessem uma descolonização incondicional. O
movimento militar, que começara por razões corporativas e sem grandes
preocupações ideológicas, estava, quanto aos territórios africanos, obrigado a
seguir esta orientação; tanto que, ainda com o processo de Angola por concluir,
a ideia de continuar a guerra era tabu para a oficialidade.
Os
meios para conseguir esta neutralização foram as prisões sem culpa formada do
28 de Setembro, as nacionalizações depois do 11 de Março e a condenação ao
exílio e ao silêncio dos recalcitrantes, através de violência verbal e
ideológica. Tudo isto, orquestrado pelo PCP, podia ter apoios em círculos
radicais, militares ou jornalísticos, mas não correspondia ao sentimento da
maioria.
A
partir do momento em que os partidos
moderados do Regime – o PPD e o PS –
deixaram de ser cúmplices dos radicais antifascistas, (até por se
verem directamente ameaçados), estavam
criadas as condições para que um movimento popular, enquadrado por sacerdotes
católicos e por populares e militantes da Direita, pusesse em marcha uma
estratégia de ataques violentos ao PCP e às suas sedes, submetendo os
comunistas ao mesmo tratamento que geralmente davam aos inimigos nas áreas que
dominavam.
Ao mesmo tempo, no terreno
militar, formou-se uma coligação anti-comunista, que ia dos oficiais
conservadores e patriotas ao chamado Grupo
dos Nove. E
antigos oficiais milicianos dos Comandos começaram a percorrer o país,
mobilizando e formando a respectiva Associação. No exterior, alguns movimentos
entraram também em acção, recorrendo a formas superiores de luta.
A política segue regras dialécticas
de parada e resposta. A
resistência nacional radicalizou-se e o PCP e os seus partidários militares
recuaram. A
União Soviética era um poder já em decadência e que respeitava as regras
geopolíticas de Ialta, e o Partido Comunista Português obedecia às suas
directivas. Por maior
que fosse o ímpeto revolucionário dos militantes comunistas e de alguns
intelectuais e literatos
orgânicos, o Secretário-Geral
Álvaro Cunhal era um
homem realista e sabia que, se houvesse uma guerra civil, a esquerda perderia e
o Partido podia ter de voltar à clandestinidade.
É este o quadro do 25 de Novembro e o
quadro da acalmação que se lhe seguiu, garantida pelo Grupo dos Nove e pelo PS,
poupando o Partido Comunista, que manteria intocado, neutralizando a chamada
Extrema-Esquerda e saindo pelo centro das forças em presença. Este centro puxado à esquerda, esta
“terceira via”, daria origem ao Centrão, com o Partido Socialista como partido
dominante e um Partido Social Democrata que, depois do interlúdio cavaquista e
do breve intervalo passista, se resignou a ser a direita do Regime, isto é, a
direita da Esquerda: um
partido com um programa de esquerda, dirigentes e quadros de centro-esquerda e
militantes e eleitores de direita.
É à sombra desta acomodação que tem
vivido a Terceira República, cada vez mais enfeudada à esquerda, perante uma
opinião pública aparentemente dócil, trabalhada e adormecida por uma
comunicação social sempre alinhada com as “boas causas”.
Nada disto é, entretanto, novidade:
desde a Revolução de 24 de Julho de 1820, que a História de Portugal é marcada
por características e síndromas de dependência periférica e feita de acalmações
centristas.
Só com uma mudança no Centro poderá
chegar um outro paradigma. Já se esteve mais longe.
A SEXTA
COLUNA CRÓNICA OBSERVADOR 25 DE
NOVEMBRO PAÍS DEMOCRACIA
SOCIEDADE
COMENTÁRIOS (4 de 17):
TIM
DO Ó: Excelente
artigo, como sempre, JNP.
Carlos
Chaves: Caríssimo
Jaime Nogueira Pinto, obrigado por esta sucinta explicação enquadrada nos
nossos últimos 200 anos, explicando como chegámos até aqui. Obrigado também por
encontrar eco na sua opinião de que o PSD não é (nem quer ser digo eu) um
partido de direita. Um país como o nosso integrado na Europa, sem uma
verdadeira direita democrática e humanista é uma extravagância que contribui
decisivamente para o nosso atraso e para o domínio da esquerda que nos governa,
trafica a nossa soberania e nos empobrece paulatinamente. Acredite que gostaria
de estar de acordo consigo quando conclui que “Já se esteve mais longe” de uma
mudança deste estado das coisas. Infelizmente não vislumbro na nossa actual
vida política nada que possa fundamentar esta sua conclusão. A esmagadora
maioria dos Portugueses continuam acríticos, obedientes e resignados, tal qual
no tempo do Estado Novo. Paulo Cardoso: Mais um excelente artigo. Desconhecendo o que se
passa nos bastidores, relanço aqui uma ideia que já cá deixei no passado,
colocando-a directamente ao visado. Tenho para comigo, que, na actualidade, o
partido português que mais se aproxima dos valores da direita e que mais tem
contribuído para o avanço da mesma, é o Chega. No entanto, penso que, por culpa
da juventude do partido e por o mesmo agregar descontentes e revoltados
oriundos de todos os sectores, o Chega enferma de alguma (talvez demasiada)
incoerência ideológica. O Chega necessita de pensadores providos de ideias
estruturadas e conselheiros dotados da experiência que só o tempo proporciona.
O Jaime Nogueira Pinto, podia - mesmo que na sombra fosse, se não quiser
(ainda) ser conotado com o partido - aproximar-se do Ventura. Jantar umas
quantas vezes com ele e, em conjunto, estruturarem estratégias, para cimentar a
estrutura ideológica do Chega. O Chega necessita de personalidades destas no
partido, provenientes das várias disciplinas. Do pensamento político-filosófico
ao económico. Muito em particular deste último, onde o Chega e o pensamento de
Ventura são, no meu modesto entender, uma catástrofe. Um pensador
político-filosófico, da craveira de Jaime Nogueira Pinto, no Chega, derrubaria
as barreiras e destruiria os complexos, que ainda existem em apoiar o chega.
Barreiras e complexos esses, ardilosamente construídos e mantidos, pelos
habilidosos gramscianos do costume. Deixo aqui o meu repto ao, por mim
admirado, Jaime Nogueira Pinto. Antonio
Marques Mendes: O 25 de Abril apanhou todos de surpresa.
Um movimento corporativo fez um golpe militar instrumentalizado por Moscovo para
lhe entregar as colónias. Mas o povo adormecido acordou estonteado a reclamar
liberdade e viveu momentos de euforia, enquanto as poucas elites que havia iam
tentando domar o movimento. Claro que a esquerda mais organizada tomou a
liderança apesar de menos aceite pelo povo conservador. O processo poderia ter
acabado em guerra civil se não fosse a intervenção do embaixador dos Estados
Unidos e dos militares mais moderados como Eanes em 25 de Novembro, que
impuseram um regime democrático e alinhado com a Europa Ocidental. Depois
seguiram-se 10 anos de luta pela consolidação dos partidos que se concluiu com
o fim PRD. Este partido era uma amálgama de independentes e dissidentes de
todos os partidos desde o PCP ao PSD cujo fim acabou com a esperança de uma
terceira via. Porque é que depois o PS e PSD voltaram ao socialismo marxista
e ao centro esquerda é algo que precisa de ser estudado, mas a que não é
estranha a subsidiação do regime por Bruxelas. Um adormecer semelhante ao
do Estado Novo, do qual só sairemos com nova revolta popular contra o
empobrecimento relativo do país.
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