Mário Soares posou um dia para a sua
posteridade, montado numa tartaruga. Porque não hão de os nossos governantes
construir a sua própria tartaruga, digo pose, para se tornarem conhecidos lá
fora, acompanhando os eventos, indiferentes aos tormentos, que os há sempre, em
todo o lado, tudo se faz com sacrifício e vítimas, o nosso convento de Mafra
também sacrificou gentes míseras, mas em comparação com Hitler, e agora com
Putin, todos somos uns anjinhos, mesmo os senhores do Qatar, não há razão para
tanta chinfrineira, em Évora até temos uma Capela dos Ossos, estamos habituados
e sempre considerámos os ossos duros de roer, e por isso os erguemos em capela,
isto de atacarmos os nossos governantes por quererem ir posar para o Qatar,
onde tantos morrem a criar as riquezas e belezas alheias, não passa de balela
nossa ditada pela inveja, embora eu prefira ver na televisão, sentada no sofá e
até tenho pena dos nossos governantes, sempre em sacrifício por nós, a viajar,
para que o seu reflexo incida sobre nós, que do que gostamos é de achincalhar e
fazer escândalo, talvez por inveja, por não sermos nós a montarmos na tartaruga
Sangue, suborno e bola
No Qatar, as mulheres gozam da
liberdade compatível com o islão, que permite a existência delas. O tráfico de
crianças é corriqueiro. Não sei a que título alguns protestam contra o
“mundial” do Qatar.
ALBERTO GONÇALVES Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 19 nov 2022, 00:196
2006 foi o último ano em que, até ver, o campeonato do mundo de
futebol se realizou num país sob regime aborrecido, a Alemanha. Desde então,
tem sido um pagode.
Em
2010, o “mundial” viu-se entregue à festiva África do Sul,
que distraidamente pagou aos senhores da FIFA uma quantia apreciável e que, a
fim de acomodar o evento, passou os meses anteriores ao mesmo a escorraçar e
prender mendigos e outros elementos susceptíveis de perturbar os visitantes. Em 2014, a honra
coube ao soalheiro Brasil da dona Dilma e do sr. Lula, que
possivelmente pagou aos senhores da FIFA uma quantia apreciável e patrocinou viçosos
subornos e “derrapagens” na construção dos estádios, a exploração de inúmeros
trabalhadores, a morte de uma pequeníssima percentagem desses trabalhadores, o
desalojamento de largos milhares de desgraçados das suas casas e, no geral, uma
operação de propaganda que revelou à Terra o esplendor da corrupção local e um
“time” capaz de encaixar sete golos. Em 2018,
coube a vez da impoluta Rússia (sim, essa Rússia) do sr. Putin (sim,
esse sr. Putin), que inevitavelmente pagou aos senhores da FIFA uma quantia
apreciável, desatou a explorar nacionais e a escravizar norte-coreanos para
erguer estádios, e orientou o espancamento e o sumiço dos indigentes que
poluíam as cidades onde os estádios estavam.
Perante tal currículo, seria um
desconsolo que o anfitrião do torneio de 2022 baixasse as expectativas. Se
possível, a FIFA subiu-as: escolheu o Qatar. É
verdade que o Qatar ajudou à escolha, pois evidentemente pagou aos senhores da
FIFA uma quantia apreciável, incrementou a escravatura de imigrantes para
produzir infra-estruturas modernaças e, no processo, matou-os em quantidades
discutíveis (entre 3 – três – segundo as autoridades indígenas e 6500 – seis
mil e quinhentos – ou 10000 – dez mil – segundo a imprensa estrangeira).
O engenho do Qatar não se esgota aqui. O território é uma teocracia nas mãos de
uma família eleita pelos céus e guiada pela Sharia, onde a apostasia é punida
com cadeia, chicotadas e, nos casos graves, fuzilamento; onde a blasfémia é
punida com cadeia, chicotadas e, nos casos graves, fuzilamento; onde a
homossexualidade é crime punido com cadeia, chicotadas e, nos casos graves,
fuzilamento; onde o adultério… etc. No Qatar, as mulheres gozam da liberdade
compatível com o islão, que do alto da sua bondade permite a existência delas
e, com leviandade discutível, o respectivo voto.
Mas nem tudo é bom no Qatar. Também
há coisas óptimas. Os naturais
do ermo, perdão, emirado têm dinheiro. Consta que os shoppings são
impecáveis. Os arranha-céus são homenagens solenes à foleirice. Os carros de
luxo abundam nas ruas. O tráfico de crianças é corriqueiro. E isto sem referir
os elevados padrões da península na política internacional, com o histórico
ódio a Israel, a devoção pela “causa” palestiniana, a instigação do “jihadismo”
no Médio Oriente e o suporte diplomático e financeiro à Irmandade Muçulmana e
ao Hamas. Não sei a que título alguns protestam contra o
“mundial” do Qatar.
Certas federações da bola, pelo menos as
dos EUA, da Austrália e da Dinamarca, mostraram-se chateadas com a questão dos direitos
humanos. Um jogador português,
Bruno Fernandes, confessou-se
chateado com a questão dos direitos humanos e, sobretudo, com a tenebrosa
interrupção da época e o sinistro horário dos jogos. Por sorte, nenhum
dos queixosos compreende bem o conceito de discórdia, que no caso
consistiria em não participar naquilo que nos repugna. Assim,
sem excepção, todas as selecções apuradas e todos os futebolistas convocados
estarão presentes no Qatar, recebidos em histeria por claques falsas.
Ainda bem. Os “mundiais” acontecem
apenas a cada quatro anos e, para lá dos merecidos retornos para a FIFA e os
organizadores, são uma oportunidade episódica para que os profissionais da bola
exibam habilidade técnica, tatuagens sublimes e penteados na vanguarda do
universo capilar. Além disso, a exposição global permite a milionários
remediados a assinatura de contratos que os tornem milionários sem remédio. E
lembre-se os biliões de adeptos, que contam com a celebração do “beautiful
game” para despachar cervejas e inspirar os filhos nos nobres valores do
desporto.
Como antes os ligeiros deslizes de Rússia, Brasil e África do Sul (e da
Argentina, em 1978, e da Itália, em 1934), os pecadilhos do Qatar não devem ser
susceptíveis de comprometer os desafios no relvado. O totalitarismo político, o
esclavagismo, a homofobia, a subalternização das senhoras, o racismo, o
terrorismo, o anti-semitismo e maçadas similares são só pechisbeques retóricos
com que, em determinados contextos sociais, as almas sensíveis enchem a boca –
para a esvaziarem mal o árbitro sopre o apito inicial. Por cá, o
prof. Marcelo já deu o mote: esqueçamos as irrelevâncias, que o importante é
concentrarmo-nos no essencial, ou seja, em gritar por valentes que vão
legitimar uma simpática e sangrenta ditadura, e em achar normal que o PR, o PM,
o presidente da AR e resmas de sumidades viajem a nossas expensas para observar
e apoiar e comentar ao vivo a “equipa de todos nós”.
A mim, por exemplo, ninguém poderá
acusar de ignorar o “mundial” e a “selecção” por causa das minúsculas
idiossincrasias do Qatar. Ignoro o “mundial” e a “selecção” porque tenho mais
que fazer.
COMENTÁRIOS:
S Belo: Muito bem, Alberto Gonçalves! Alexandre Barreira: Pois. Mas eles sabem de
antemão que a malta adora "papas e bolos". Tudo o resto não conta. E
o mundo continua a girar e a bola também ! Manuel Martins: Concordando no essencial com o
cronista, não deixo de considerar que os políticos apenas seguem as
regras do jogo. O cinismo é essencial nos políticos para conseguirem mover-se
neste mundo onde o dinheiro é rei... Miguel Sanches: Deliciosa ironia do AG. O episódio Qatar dá azo a
figuras tristes dos titulares de órgãos de soberania. Hipocrisia repugnante. Mas não esqueçam: estas
criaturas são eleitas...
S Belo > Miguel Sanches: Três Tristes Tigres
! Rui
Lima: O futebol é
culpado ou quem o gere. A construção dos estádios terá custado a vida a 7 000
trabalhadores aquilo não são Campos de futebol são cemitérios, se as
nossas 3 primeiras figuras de estado fossem decentes não iam já a correr ver os
primeiros jogos, na Europa ninguém o faz algum países mandam um secretário ou
ministro do desporto , só se o seus países chegarem às finais terá
gente mais importante. Este mundial custa para o país organizador tanto como
os últimos 10, custo 220 000 milhões para uma receita de 20 000 milhões
ou seja 200 000 milhões de déficit tanto como o PIB português, nos outros
mundiais a receita aproximava-se da despesa com esse dinheiro podiam
ajudar os refugiados do seu Deus e não ser a Europa a fazê-lo. Portugal nem é dos países
dependentes do gaz desse país por isso o comportamento das 3 primeiras figura
de estado ainda é mais vergonhoso, que lixem os direitos humanos. Sobre ditaduras é a hipocrisia
total, a esquerda branqueiam todo o ditador vermelho ou religioso, vive no
antigo regime o meu pai dizia-me para não falar mal do governo e não teria
problemas ,no resto podia falar de tudo. Rui Lima > Rui Lima: Não tinha finalizado, falo da
nossa ditadura porque tenho amigos que me falam do terror de Salazar e tem
palavras de compreensão para todo ditador que não seja de direita. Maria Silva: Não gosto de futebol, não vejo
futebol, etc sou totalmente anti clubista... mas adorei a crónica, como sempre, e afinal fiquei com
uma dúvida: é a FIFA que manda no mundo?
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