É o que é. E nós, curtindo, com os saberes - e os sabores - de quem
assim sobe, na consideração dos que o lêem, enriquecidos e encantados.
«... E VÓS,
TÁGIDES MINHAS...» - 12
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 06.11.22
ou
O MUNDO VISTO DA MINHA VARANDA
Da minha varanda alfacinha
na zona da Estrela vejo as torres da Câmara de Almada, a pimpineira que lá está
no sítio do castelo e a torre da igreja velha. Por baixo deste cenário, o
tráfego marítimo até aos antípodas…
«Almada» significa «a mina» em
árabe. A mina de oiro que era a praia que existiria naqueles tempos entre a
ponta de Cacilhas e a Cova da Piedade onde apareciam pepitas de oiro trazidas
pelo Tejo. Já «vi» o garimpo mais longe das águas baixas deste estuário do que
o imagino hoje. Mas, por agora e que se saiba, só as fataças andam por estas
bandas ao garimpo.
Esses tempos longínquos em que os
moiros por cá andaram, têm muito mais que contar do que aquilo que nós, os
comuns sabemos. E em primeiro lugar refiro que a Civilização Muçulmana era,
então, de enorme erudição e de grande tolerância. Quem tal diria ao
testemunharmos as actuais evidências de boçalidade e intransigência…? Basta,
contudo, referir que foi pelos eruditos muçulmanos que os europeus medievais e
embrutecidos tomaram conhecimento dos clássicos gregos e foi sob o seu domínio
que o cristianismo perdurou sob a forma de rito moçárabe. Sim, mereceram todas
as pepitas que guardaram na Cova da Piedade. Quem os viu e quem os vê…!
Hoje, vemo-los divididos fundamentalmente entre sunitas e xiitas mas
cada facção tem importantes subdivisões. Assim o processo do «tira-te tu para
me pôr eu» a que eufemisticamente chamamos «criatividade exegética», provocou o
grande cisma do Sétimo Imã, ou seja, os sunitas prosseguiram a linha sucessória
e os xiitas optaram por um 7º Imã que, para eles, passou a ser o verdadeiro
sucessor de Maomé. Mais tarde,
o xiismo fracturou-se com Aga Kahn
a dizer que a partir de então ele seguia
Ismael e quem quisesse que o acompanhasse. A sede mundial da Fé Ismaelita é em
Lisboa. Entretanto, com os sunitas (Mesquita
do Bairro Azul, em Lisboa), tudo é mais complicado pois houve a radicalização
de Ibn Al Wahhab e a criação de vias paralelas que se dizem suaves e cordatas,
o Ibadismo (do Omã) e o do Bangladesh (os do Martim Moniz, em Lisboa) que se
pretendem não conflituantes – tanto
quanto se saiba por estas ruas alfacinhas - nenhuma destas facções
ainda se destacou para fora da «exegese literal» (passe o absurdo) de cariz
taliónico relativamente às Suratas mais incendiárias do Corão.
Tomemos, pois, «cautelas e caldos
de galinha». Que bom seria termos uma palavra de tranquilização por parte do honorável
e erudito Sheik Munir, teólogo principal da Grande Mesquita de Lisboa. É,
pois, do radicalismo exegético
que saem os drones iranianos e só não saem de outras bases islâmicas porque não
os sabem produzir.
E porquê tanta ira se o que se
espera das religiões – de todas as religiões – é o contacto com o divino? Porque
os sacerdotes, incapazes de estabelecerem um contacto sobrenatural, recorrem ao
medo dos fiéis relativamente à ira do invisível, intocável e castigador de quem
não cumprir os ditames mais radicais do proselitismo. A ira mobiliza e
factura.
VIVA O «TEO BUSINESS!»
Lisboa, 5 de Novembro de 2022 Henrique
Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS:
Anónimo 07.11.2022 14:11: A julgar pela elevada qualidade dos teus
posts, concluo que é inspiradora a vista da tua varanda alfacinha na zona da
Estrela, donde vislumbras o mundo e também as torres almadenses. Contudo,
digo-te que Guerra Junqueira entendia que o mundo só podia ser visto de dois
lugares: do Himalaia e do Chiado. E Eça de Queirós acrescentava que “Portugal
será aquilo que um pequeno número de jornalistas, políticos, banqueiros e
mundanos tiver decidido no Chiado” (páginas 240 e seguintes de “História de
Lisboa”, de Dejanirah Couto, 9ª edição). Mas isto, Henrique, era no tempo em que o Chiado ainda não tinha
ardido, que o Café Chiado não tinha dado lugar a uma loja qualquer, que os
Vencidos da Vida faziam as suas tertúlias no Tavares (Rico), em que as paredes
da Havanesa exibiam as suas madeiras escuras (ainda me recordo) e tanta coisa
mais. Suscitas o tema das Religiões. A partir de agora passo a digitar não
com as mãos, mas sim com pinças, tal a delicadeza do assunto e espero não
cometer nenhum despautério. Entre nós, as três fés abraâmicas nem sempre
viveram pacificamente, e assistimos a pogrons (o de 1506 foi de especial
gravidade e os seus autores exemplarmente castigados por D. Manuel), a
confinamentos (ou guetos ou bairros, se quiseres) e a expulsões, mais por
razões de Estado (casamento daquele Rei com uma filha dos Reis Católicos) do
que por motivos religiosos. Mas a Europa não destoou de nós, mesmo
quando o que estava em causa eram divergências dentro da Fé Cristã, ou seja, a
Reforma e a Contrarreforma. É suficiente recordar o massacre dos huguenotes, na França, na noite de S.
Bartolomeu de 1572. Infelizmente, essas divergências, revestidas
de sangue, atravessaram séculos e chegaram aos nossos dias, concretamente à Irlanda do Norte (1968-98). Embora pacificamente, recordo-me bem de o catolicismo
do candidato a presidente dos EUA – John Kennedy – ser tema de campanha.
Creio que foi o primeiro Presidente católico. Como vês, o antagonismo está
longe ser entre as três Religiões do Livro, para se situar também no
interior de cada uma delas: católicos e protestantes; sunitas, xiitas e ismaelitas;
judeus e judeus ortodoxos. O que poderei dizer sobre o islamismo
e o seu radicalismo? Muito pouco. Recordo
que foram sunitas (e não xiitas) os autores do terror em Nova York, em 2001
(maioritariamente eram cidadãos da Arábia Saudita) e em Madrid, em 2004;
(essencialmente marroquinos) e em tantos outros lugares onde a Al-Qaeda tem actuado. Em 1961 conheci dois irmãos
muçulmanos com quem fiz amizade. Um deles, nosso colega de formação, foi alcandorado ao lugar
cimeiro da Comunidade Muçulmana em Lisboa (não sei se em Portugal, também). É
um homem de paz e influente na Mesquita do Bairro Azul. Reconheço – e os
casos ocorridos neste século compravam-no - que o Islamismo tem, actualmente,
maior propensão ao extremismo do que as outras duas Religiões abraâmicas.
Mas tenho para mim que isso não reside propriamente na Religião, mas sim no
uso que alguns extremistas fazem dela. O recém-falecido teólogo suíço Prof.
Hans Küng afirmou, não sei se com razão, que, primeiramente, temos de ter
paz entre as religiões se quisermos que haja paz entre as nações. Mas já
estou mais certo que muçulmanos e cristãos têm de aprender a dar-se bem e a
conhecer, minimamente, a religião do outro, pois que a raiz delas é a mesma.
Tolerância e não extremismo. Inclusão e não ostracismo: Respeito pela Lei. Joey Green tem um
livrinho sobre Jesus e Maomé (assim se chama) em que identifica as palavras
comuns nos Evangelhos e no Corão. Neles encontramos palavras como. amor, Deus,
sabedoria, fé, lei caridade, pecado e Além. De acordo com o teu último
parágrafo, salvo na generalização. Diria alguns sacerdotes e não os sacerdotes.
Forte abraço. Carlos
Traguelho
Antonio Fonseca 08.11.2022 21:07:
Ao ler
este blog, Doutor Henrique, lembrei me das palavras de Steven Weinberg,
vencedor do prémio Nobel de Física -"Com ou sem religião, as pessoas
boas podem comportar-se bem e as pessoas más podem fazer o mal; mas para que as
pessoas boas façam o mal - isso requer religião". Somos incapazes de
contactar o sobrenatural porque o buscamos fora de nós, enquanto o Divino
reside dentro de cada qual. Daí a insegurança, o recurso ao medo e ódio ao
outro, constrangendo o Divino ao patamar do humano. Tive muito gosto em ler
esta erudita análise panorâmica das vicissitudes por que passou a Ibéria neste
particular. Muito obrigado.
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