sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Competitividade


Do mesmo jornal Público, de 22/10, (do texto anterior), extraio um artigo de Bárbara Reis, sobre descobertas científicas das mulheres, que gostei de conhecer e de guardar. Mulheres escritoras, desde Safo, foram sendo conhecidas no mundo literário, que ajudaram a suavizar as rudezas da vida, permitindo talvez uma análise da sensibilidade feminina mais sui generis, mas a sua capacidade inventiva, tirando a Madame Curie, e sua filha Irene, estava longe de supor que fosse tão extensa. E por isso, agradeço a Bárbara Reis o seu trabalhe de pesquisa e informação, demonstrado no seu texto. Quanto ao problema das inteligências superiores, não o acho relevante, homem e mulher sendo farinha do mesmo saco, o homem, naturalmente de maior peso impositivo das regras, como, de resto, também se vê na política, mas o desporto e a dança revelando tanto de paridade e complementaridade, aos nossos olhos extasiados…

PS. Quem dera que o nosso Prime Minister lesse o título deste meu texto – ao menos isso – para procurar no dicionário o termo “competividade” que desde sempre nos impinge e não há quem lho corrija - que não somos gente de correcção, mas de aceitação – digo - quando o servilismo domina.

Opinião Coffee break

Tens 12 anos? Não acredites em tudo o que vês no TikTok

Nos anos 1950, dizia-se que os homens eram mais inteligentes do que as mulheres. Quase 70 anos depois, o TikTok perpetua o absurdo.

BÁRBARA REIS

PÚBLICO, 22 de Outubro de 2022, 6:08

Há dias, um miúdo de 12 anos queixou-se que, na escola, os rapazes são discriminados em relação às raparigas.

— Elas podem fazer tudo e ninguém diz nada. Nós, à mínima coisa, somos logo criticados.

Antes de eu poder responder, o rapaz avançou com um argumento de peso: a superioridade intelectual dos homens.

— Ainda por cima foram os homens que inventaram tudo o que é importante: electricidade, telefone, avião, computador, iPhone...

— Viste isso no TikTok?

Esta é uma conversa difícil: o que o rapaz de 12 anos viu no TikTok é verdadeiro, mas não é bem assim. Ou não é só isso.

Como é que se explica a uma criança que, durante séculos, as mulheres não podiam ser médicas, engenheiras ou cientistas e que, por isso, estavam afastadas dos laboratórios, universidades e empresas onde se inventavam as coisas?

Escrevi no Google a frase “men best inventions” e apareceu esta lista: prensa móvel, electricidade, carro, telefone, rádio, televisão, vacina, computador e avião.

O TikTok é um mundo estranho — é onde Khaby Lame tem 143 milhões de seguidores —, mas é uma fonte de informação do nosso tempo. Não dá para ignorar.

Quando ouvi a lista, pensei em Marie Curie, morta, e em Elvira Fortunato, viva.

Mal comecei a explicar que Curie descobriu o rádio e o polónio (e ganhou um Nobel por isso) e liderou o primeiro projecto de investigação sobre tratamento de tumores com radiação, já o meu interlocutor estava distraído. Nem cheguei ao primeiro ecrã totalmente transparente, que me pareceu ser uma invenção cool q.b. capaz de o impressionar.

Pensei que deveria preparar-me para uma segunda ronda e fui pesquisar “women best inventions”. Ada Lovelace é o nome mais frequente. É considerada a primeira programadora de computadores da história, ainda no século XIX, longe da invenção do computador. De novo, difícil de explicar.

A Lovelace inventou o algoritmo ainda no século XIX.

— O que é um algoritmo?

A seguir falei de Grace Hooper, uma matemática pioneira da programação informática que, em 1955, inventou uma forma de compilar código informático. Falei em Evelyn Berezin que, em 1971, construiu “o primeiro verdadeiro processador do mundo”. Podia ter falado de Margaret Hamilton, directora da divisão do MIT que desenvolveu o software da missão Apollo para a NASA. Não cheguei lá.

Durante séculos, as mulheres estavam em casa e, por isso, as suas invenções brilham quase sempre na vida doméstica, na limpeza e na segurança. Passo a listar:

Martha Coston inventou o sistema de luzes de pedido de ajuda em alto mar (1859). Sarah E. Goode inventou a cama desdobrável (1885). Josephine Cochran inventou a máquina de lavar loiça (1886). Maria Beasley inventou o bote salva-vidas maleável (1880). Letitia Mumford Geer inventou a seringa que se usa só com uma mão (1896). Mary Anderson inventou o limpa-pára-brisas (1903). Elizabeth Magie Phillips inventou o jogo Monopólio (1904). Melitta Bentz inventou os filtros de papel para as máquinas de café (1908). Beulah Louise Henry inventou a máquina de fazer gelados em casa (1912). Lillian Moller Gilbreth inventou o caixote de lixo com pedal de pé e as prateleiras dos frigoríficos, incluindo os separadores para a manteiga e para os ovos (anos 1920). Marion Donovan inventou as fraldas descartáveis (1949). Mária Telkes inventou a máquina de dessaliniza água com energia solar (1942). Bette Nesmith Graham inventou o corrector líquido que apaga a tinta (1956). Stephanie Kwolek inventou a fibra Kevlar, resistente ao calor, cinco vezes mais forte do que o ferro e usada nos coletes à prova-de-bala (1965). Etc.

Também há inventoras do mundo “fora de casa”: Jeanne Villepreux-Power inventou o aquário de vidro (1832). Ellen Eliza Fitz inventou o globo com pé (1875). Margaret Knight inventou a máquina de fazer sacos de papel (1868). Erna Schneider Hoove inventou o call center (1954). Mary Sherman Morgan descobriu a fórmula do combustível Hydyne-LOX, que permitiu aos EUA lançarem o primeiro foguetão para o espaço (1958). Rachel Louise Carson fundou o movimento ecologista (1962). Dorothy Hodgkin descobriu a estrutura atómica da penicilina e da insulina (1964 e ganhou um Nobel por isso). Patricia Bath inventou o Laserphaco Probe, máquina de laser que trata as cataratas (1981). Etc.

Estas listas são mais do que incompletas e desactualizadas. Mas são o que os miúdos encontram na Internet.

​Em 1953, o New York Times publicou uma pequena notícia cujo título era: “British Women Scientists Think Men Are Smarter”. É isso mesmo que leu: mulheres cientistas britânicas pensam que os homens são mais inteligentes. Quase 70 anos depois, o TikTok que as nossas crianças vêem repete o absurdo.

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