Satisfação - por termos jornalistas como
TERESA DE SOUSA, de
inteligência, eficiência, seriedade e serenidade críticas, que nos leva ao
âmago das questões – desta vez sobre a relação periclitante do eixo Alemanha-França,
de que nos temos apercebido, apesar da nossa ligeireza em saber político, e
cujo texto infra retrata com eficiência as escapadas de preponderância política
dessas nações europeias que, desde sempre, aliás, ocuparam posições de relevo
no continente pequeno e retalhado, mas de superioridade civilizacional, e que
hoje tentam continuar nesse altivo posicionamento, apesar das vicissitudes
trazidas por outras ambições mais do foro estilhaçante que um país a leste se
propõe hoje levar a cabo sobre um país “seu irmão” merecedor de admiração nossa
ilimitada. Teresa de Sousa aponta as
novas buscas de irmandades europeias - excluída a Grã-Bretanha, a França
procurando a Itália, a Alemanha, obrigada, por dever cívico, a abandonar a
energia russa, procurando fora dos espaços europeus a sua solução económica,
para novos meneios de sobrevivência… A China… aliança estranha e perigosa…
Mas
isso da China, embora pareça perigoso, parece que é o que está a dar. Nós, por
cá, por exemplo, num parêntese, sem pretensões a domínios, e apenas a
sobrevivências, e mesmo não nos importando com o tal domínio – chinês, digo - também
temos tido esse recurso – o das lojas mais visível, conquanto sem barulhos e
sempre no recato, perfurante embora. Mas parece que há outros apoios chineses -
por cá, digo, o que justifica o título deste texto. As conversas são como as
cerejas.
E voltando à vaca fria, ou aos nossos
carneiros, mais a propósito, faz também referência, Teresa de Sousa, à
construção pela Alemanha, de um sistema de defesa antiaérea europeia, sem
consultar a França, que irmanada com a Itália, parece que se propõe fazer o
mesmo. De costas viradas entre elas, ao que parece. Para nos defender a nosotros.
Devemos estar reconhecidos, pois, por termos quem nos defenda. A menos que se
trate de uma jogada mais unificadora, a oeste, pelas nações valentes e
ambiciosas, tal como foi a antiga URSS, sempre muito ambiciosa, a leste, e
continua… Mas por cá somos democratas, não somos totalitaristas, diz-se, temos
que ter fé.
Opinião
A Europa ainda precisa do eixo franco-alemão
Jacques
Attali diz que os interesses estratégicos dos dois países são hoje
profundamente divergentes e que esta divergência pode ser fatal para a UE no
longo prazo. Talvez seja demasiado pessimista.
PÚBLICO, 30 de
Outubro de 2022, 7:02
1. A estrela alemã está a perder o brilho
europeu? Paris e Berlim não se entendem? De quem é a culpa? A União Europeia
continua a precisar do bom funcionamento do eixo-franco-alemão?
Estas
perguntas regressam ciclicamente ao debate europeu, normalmente em momentos de
crise ou quando há novos inquilinos no Eliseu ou na chancelaria de Berlim. Talvez não haja dois países tão
diferentes na história europeia. Mas talvez não haja uma relação mais
importante do que a que os uniu depois da II Guerra, para que o nacionalismo
não voltasse a destruir a Europa. Abriu as portas à integração europeia. Esteve
e está no centro da unidade do velho continente. De vez em quando, o par
desentende-se, como parece ser o caso de novo. Quase sempre volta a encontrar
uma plataforma de entendimento. Mas há quem diga que, desta vez, as razões para
o desentendimento são mais profundas.
As desavenças tornaram-se
evidentes com o anúncio, a 29 de Setembro, de um pacote de 200 mil milhões de euros do
Governo de Berlim, destinado a apoiar a factura energética das empresas e das
famílias. O Governo de Olaf Scholz
não se deu ao trabalho de informar Paris ou Bruxelas. A reacção
de desagrado foi generalizada a quase todas as capitais europeias. A medida
distorce as regras da concorrência no Mercado Único, com um apoio de Estado às
empresas que nenhum outro país estava em condições de financiar.
De vez em quando, o par
desentende-se, como parece ser o caso de novo. Quase sempre volta a encontrar
uma plataforma de entendimento. Mas há quem diga que, desta vez, as razões para
o desentendimento são mais profundas-
Somou-se, pouco depois, a oposição de Berlim à
fixação de um tecto para o preço a pagar
pela importação de gás natural, proposto pela Comissão. A medida não convinha à Alemanha porque podia
limitar a compra de gás no mercado internacional. Graças aos 200 mil
milhões, para o Governo de Scholz, o problema não era o preço, mas a quantidade.
Por alguma razão, Ursula von
der Leyen tem insistido
tanto na compra conjunta de gás –
a única forma, não apenas de controlar os preços, como de evitar a concorrência
entre os países da União nos mercados internacionais. O chanceler
alemão acabou
por ceder na cimeira europeia de 20 e 21 de Outubro. Ainda não cedeu a outra proposta que copia a
resposta à crise pandémica: a emissão de dívida conjunta para
financiar de forma equitativa o apoio à economia, necessário para enfrentar as
consequências económicas e sociais da guerra.
2.
O sinal mais visível de desentendimento entre os dois lados surgiu na semana
passada quando, por decisão francesa, o Conselho de Ministros franco-alemão que
reúne anualmente, previsto para 26 de Outubro, foi cancelado e adiado para
Janeiro. É a
primeira vez que tal acontece, desde 2003, quando estes encontros tiveram
início. Para atenuar o impacte negativo da decisão, Emmanuel Macron convidou Olaf Scholz para
um almoço no Eliseu, no mesmo dia 26. Os dois líderes estiveram sozinhos, face
a face, durante vinte minutos. Não sabemos o que disseram um ao outro.
Sabemos que o almoço terminou sem a habitual conferência de imprensa
conjunta. Berlim chegou a anunciá-la. O Eliseu ignorou-a. Não é um bom sinal.
3.
O que se passa na Alemanha? Muita coisa. Três
dias depois da invasão russa da Ucrânia, Scholz anunciou
no Bundestag que a guerra significava uma mudança de era, que exigia uma
viragem profunda na política externa e de segurança da Alemanha. Anunciou um reforço de 100 mil milhões
de euros para o orçamento da Defesa. Mais recentemente, foi a Praga dizer que a
Europa tinha de integrar os países de Leste que estão na zona cinzenta que
separa a União Europeia da Rússia – Ucrânia, Moldávia e Geórgia. Os dois
primeiros já receberam o estatuto de candidatos. O chanceler precisou que a sua
integração não é para as calendas, como muita gente na Europa gosta de pensar.
Uma
nova Ostpolitik? Em
Paris, a preocupação é que Berlim queira levar o centro geopolítico da Europa
mais para Leste, reservando para a Alemanha um papel central. Jacques-Pierre Gougeon, historiador e
germanista francês do IRIS
(Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas de Paris) escrevia
recentemente no Monde: “Quer a
França goste ou não goste, a renovada consciência alemã da sua
centralidade na Europa e o seu olhar para Leste estão a colocar a sua relação
com Paris noutra perspectiva”. Gougeon
menciona o discurso de Praga, no qual o chanceler disse também que, com
o alargamento da União, “o centro da Europa mover-se-á para Leste”, acrescentando que a Alemanha, “o país no
coração do continente, fará tudo o que estiver ao seu alcance para juntar o
Leste e o Ocidente, o Norte e o Sul da Europa.”
Este papel de “pivô” não é
fácil de aceitar por Paris, nem nunca foi. Também não é do interesse dos países
da Europa do Sul.
Para fazer contrapeso a esta tendência, a França deixou de poder
contar com o Reino Unido. Macron
quis construir um eixo alternativo com Roma, assinando com Mario Draghi um novo
tratado bilateral de cooperação. A volatilidade da política italiana não
favorece a sua iniciativa. Mas foi certamente porque não desistiu dela que se
encontrou com Giorgia Meloni na semana passada, quando da sua visita ao
Vaticano. Não foi um encontro oficial, mas isso não lhe retira significado.
4. Voltando
a Berlim, Scholz enfrenta internamente uma agenda pesada que
talvez se possa resumir na necessidade de
transformar um modelo de desenvolvimento, que assentou na competitividade das
suas exportações, graças a alguns factores que, entretanto, desapareceram – uma
energia barata, importada da Rússia; uma relação económica privilegiada com a
China. O
fim irreversível da bonança da energia russa leva-o a temer pelo desgaste
demasiado rápido deste modelo. O debate é
agora o que fazer em relação à China e, também aqui, Berlim pode estar em
contracorrente. Duas notícias recentes causaram alguma perplexidade sobre as
suas intenções. A primeira diz respeito à venda de 24,9 por
cento da empresa alemã HHLA, que gere três terminais
do porto de Hamburgo, à empresa de shiping chinesa Cosco. Scholz foi presidente
da Câmara de Hamburgo. A empresa alemã em questão é maioritariamente detida
pela cidade. A decisão provocou uma profunda divisão no Governo, com os ministros
do SPD a votarem a favor e os dos Verdes e dos Liberais contra. A Reuters
obteve um documento do Ministério dos Negócios Estrangeiros no qual se diz que
“este investimento expande desproporcionalmente a influência estratégica da
China nas infra-estruturas de transportes da Europa e da Alemanha” e se adverte
para o risco de “instrumentalização política”.
O
segundo caso é ainda mais estranho. O Governo alemão terá autorizado a compra
pela chinesa Silex do ramo de produção de chips da empresa Elmos, em Dortmund.
O chanceler desloca-se esta semana a Pequim, sendo o primeiro líder ocidental a
encontrar-se com Xi, depois da sua entronização no XX Congresso do PCC. A política económica do novo senhor
absoluto do poder chinês não é de molde a incentivar a cooperação económica com
o exterior. O mercado chinês foi, segundo Thorsten Benner do
Instituto de Política Global de Berlim, citado pelo Financial Times, o factor
mais importante da “idade do ouro do modelo económico alemão”.
5.
Numa das últimas reuniões da NATO, Olaf
Scholz lançou junto
dos seus pares europeus uma nova iniciativa que Paris também olha com
desconfiança: a construção de um sistema de defesa antiaérea europeu (European Sky Shield Initiative). Não consultou a França. Já obteve 14 respostas positivas. A
irritação de Paris também se deve ao facto de Berlim contar sobretudo com
tecnologia americana e israelita para a construção deste sistema, em vez de
apostar na indústria de armamento europeia. Acresce que a França e a Itália
estão a desenvolver um projecto semelhante. Em suma, noutra questão vital para
o futuro da Europa, os dois países parecem estar em acentuada divergência.
6.
Escreve Jacques Attali no diário parisiense Les Echos que “nada é
mais grave, para o futuro da França, do que o que se passa neste momento com a
Alemanha. E nada é mais grave para a Alemanha do que o que se passa neste
momento com a França”. O antigo
conselheiro de Mitterrand diz que os interesses estratégicos dos dois países
são hoje profundamente divergentes e que esta divergência pode ser fatal para a
União Europeia no longo prazo. Talvez seja demasiado pessimista.
“Os líderes alemães e
franceses tiveram muitas vezes de percorrer uma curva de aprendizagem para
entenderem que a União Europeia não pode funcionar sem o eixo franco-alemão”, diz Stefan Seidendorf, subdirector do Instituto
Germano-Francês de Ludwigsburg, citado pela DW, mesmo que veja com preocupação
os actuais desentendimentos. Esperemos que sim. Sobretudo quando a Europa
tem de gerir em conjunto uma guerra nas suas fronteiras.
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