sábado, 12 de novembro de 2022

Mau, Maria


Satisfação - por termos jornalistas como TERESA DE SOUSA, de inteligência, eficiência, seriedade e serenidade críticas, que nos leva ao âmago das questões – desta vez sobre a relação periclitante do eixo Alemanha-França, de que nos temos apercebido, apesar da nossa ligeireza em saber político, e cujo texto infra retrata com eficiência as escapadas de preponderância política dessas nações europeias que, desde sempre, aliás, ocuparam posições de relevo no continente pequeno e retalhado, mas de superioridade civilizacional, e que hoje tentam continuar nesse altivo posicionamento, apesar das vicissitudes trazidas por outras ambições mais do foro estilhaçante que um país a leste se propõe hoje levar a cabo sobre um país “seu irmão” merecedor de admiração nossa ilimitada. Teresa de Sousa aponta as novas buscas de irmandades europeias - excluída a Grã-Bretanha, a França procurando a Itália, a Alemanha, obrigada, por dever cívico, a abandonar a energia russa, procurando fora dos espaços europeus a sua solução económica, para novos meneios de sobrevivência… A China… aliança estranha e perigosa…

 Mas isso da China, embora pareça perigoso, parece que é o que está a dar. Nós, por cá, por exemplo, num parêntese, sem pretensões a domínios, e apenas a sobrevivências, e mesmo não nos importando com o tal domínio – chinês, digo - também temos tido esse recurso – o das lojas mais visível, conquanto sem barulhos e sempre no recato, perfurante embora. Mas parece que há outros apoios chineses - por cá, digo, o que justifica o título deste texto. As conversas são como as cerejas.

E voltando à vaca fria, ou aos nossos carneiros, mais a propósito, faz também referência, Teresa de Sousa, à construção pela Alemanha, de um sistema de defesa antiaérea europeia, sem consultar a França, que irmanada com a Itália, parece que se propõe fazer o mesmo. De costas viradas entre elas, ao que parece. Para nos defender a nosotros. Devemos estar reconhecidos, pois, por termos quem nos defenda. A menos que se trate de uma jogada mais unificadora, a oeste, pelas nações valentes e ambiciosas, tal como foi a antiga URSS, sempre muito ambiciosa, a leste, e continua… Mas por cá somos democratas, não somos totalitaristas, diz-se, temos que ter fé.

Opinião

A Europa ainda precisa do eixo franco-alemão

Jacques Attali diz que os interesses estratégicos dos dois países são hoje profundamente divergentes e que esta divergência pode ser fatal para a UE no longo prazo. Talvez seja demasiado pessimista.

TERESA DE SOUSA

PÚBLICO, 30 de Outubro de 2022, 7:02

1. A estrela alemã está a perder o brilho europeu? Paris e Berlim não se entendem? De quem é a culpa? A União Europeia continua a precisar do bom funcionamento do eixo-franco-alemão?

Estas perguntas regressam ciclicamente ao debate europeu, normalmente em momentos de crise ou quando há novos inquilinos no Eliseu ou na chancelaria de Berlim. Talvez não haja dois países tão diferentes na história europeia. Mas talvez não haja uma relação mais importante do que a que os uniu depois da II Guerra, para que o nacionalismo não voltasse a destruir a Europa. Abriu as portas à integração europeia. Esteve e está no centro da unidade do velho continente. De vez em quando, o par desentende-se, como parece ser o caso de novo. Quase sempre volta a encontrar uma plataforma de entendimento. Mas há quem diga que, desta vez, as razões para o desentendimento são mais profundas.

As desavenças tornaram-se evidentes com o anúncio, a 29 de Setembro, de um pacote de 200 mil milhões de euros do Governo de Berlim, destinado a apoiar a factura energética das empresas e das famílias. O Governo de Olaf Scholz não se deu ao trabalho de informar Paris ou Bruxelas. A reacção de desagrado foi generalizada a quase todas as capitais europeias. A medida distorce as regras da concorrência no Mercado Único, com um apoio de Estado às empresas que nenhum outro país estava em condições de financiar.

De vez em quando, o par desentende-se, como parece ser o caso de novo. Quase sempre volta a encontrar uma plataforma de entendimento. Mas há quem diga que, desta vez, as razões para o desentendimento são mais profundas-

Somou-se, pouco depois, a oposição de Berlim à fixação de um tecto para o preço a pagar pela importação de gás natural, proposto pela Comissão. A medida não convinha à Alemanha porque podia limitar a compra de gás no mercado internacional. Graças aos 200 mil milhões, para o Governo de Scholz, o problema não era o preço, mas a quantidade. Por alguma razão, Ursula von der Leyen tem insistido tanto na compra conjunta de gása única forma, não apenas de controlar os preços, como de evitar a concorrência entre os países da União nos mercados internacionais. O chanceler alemão acabou por ceder na cimeira europeia de 20 e 21 de Outubro. Ainda não cedeu a outra proposta que copia a resposta à crise pandémica: a emissão de dívida conjunta para financiar de forma equitativa o apoio à economia, necessário para enfrentar as consequências económicas e sociais da guerra.

2. O sinal mais visível de desentendimento entre os dois lados surgiu na semana passada quando, por decisão francesa, o Conselho de Ministros franco-alemão que reúne anualmente, previsto para 26 de Outubro, foi cancelado e adiado para Janeiro. É a primeira vez que tal acontece, desde 2003, quando estes encontros tiveram início. Para atenuar o impacte negativo da decisão, Emmanuel Macron convidou Olaf Scholz para um almoço no Eliseu, no mesmo dia 26. Os dois líderes estiveram sozinhos, face a face, durante vinte minutos. Não sabemos o que disseram um ao outro. Sabemos que o almoço terminou sem a habitual conferência de imprensa conjunta. Berlim chegou a anunciá-la. O Eliseu ignorou-a. Não é um bom sinal.

3. O que se passa na Alemanha? Muita coisa. Três dias depois da invasão russa da Ucrânia, Scholz anunciou no Bundestag que a guerra significava uma mudança de era, que exigia uma viragem profunda na política externa e de segurança da Alemanha. Anunciou um reforço de 100 mil milhões de euros para o orçamento da Defesa. Mais recentemente, foi a Praga dizer que a Europa tinha de integrar os países de Leste que estão na zona cinzenta que separa a União Europeia da Rússia – Ucrânia, Moldávia e Geórgia. Os dois primeiros já receberam o estatuto de candidatos. O chanceler precisou que a sua integração não é para as calendas, como muita gente na Europa gosta de pensar.

Uma nova Ostpolitik? Em Paris, a preocupação é que Berlim queira levar o centro geopolítico da Europa mais para Leste, reservando para a Alemanha um papel central. Jacques-Pierre Gougeon, historiador e germanista francês do IRIS (Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas de Paris) escrevia recentemente no Monde: “Quer a França goste ou não goste, a renovada consciência alemã da sua centralidade na Europa e o seu olhar para Leste estão a colocar a sua relação com Paris noutra perspectiva”. Gougeon menciona o discurso de Praga, no qual o chanceler disse também que, com o alargamento da União, “o centro da Europa mover-se-á para Leste”, acrescentando que a Alemanha, “o país no coração do continente, fará tudo o que estiver ao seu alcance para juntar o Leste e o Ocidente, o Norte e o Sul da Europa.” Este papel de “pivô” não é fácil de aceitar por Paris, nem nunca foi. Também não é do interesse dos países da Europa do Sul.

Para fazer contrapeso a esta tendência, a França deixou de poder contar com o Reino Unido. Macron quis construir um eixo alternativo com Roma, assinando com Mario Draghi um novo tratado bilateral de cooperação. A volatilidade da política italiana não favorece a sua iniciativa. Mas foi certamente porque não desistiu dela que se encontrou com Giorgia Meloni na semana passada, quando da sua visita ao Vaticano. Não foi um encontro oficial, mas isso não lhe retira significado.

4. Voltando a Berlim, Scholz enfrenta internamente uma agenda pesada que talvez se possa resumir na necessidade de transformar um modelo de desenvolvimento, que assentou na competitividade das suas exportações, graças a alguns factores que, entretanto, desapareceram – uma energia barata, importada da Rússia; uma relação económica privilegiada com a China. O fim irreversível da bonança da energia russa leva-o a temer pelo desgaste demasiado rápido deste modelo. O debate é agora o que fazer em relação à China e, também aqui, Berlim pode estar em contracorrente. Duas notícias recentes causaram alguma perplexidade sobre as suas intenções. A primeira diz respeito à venda de 24,9 por cento da empresa alemã HHLA, que gere três terminais do porto de Hamburgo, à empresa de shiping chinesa Cosco. Scholz foi presidente da Câmara de Hamburgo. A empresa alemã em questão é maioritariamente detida pela cidade. A decisão provocou uma profunda divisão no Governo, com os ministros do SPD a votarem a favor e os dos Verdes e dos Liberais contra. A Reuters obteve um documento do Ministério dos Negócios Estrangeiros no qual se diz que “este investimento expande desproporcionalmente a influência estratégica da China nas infra-estruturas de transportes da Europa e da Alemanha” e se adverte para o risco de “instrumentalização política”.

O segundo caso é ainda mais estranho. O Governo alemão terá autorizado a compra pela chinesa Silex do ramo de produção de chips da empresa Elmos, em Dortmund. O chanceler desloca-se esta semana a Pequim, sendo o primeiro líder ocidental a encontrar-se com Xi, depois da sua entronização no XX Congresso do PCC. A política económica do novo senhor absoluto do poder chinês não é de molde a incentivar a cooperação económica com o exterior. O mercado chinês foi, segundo Thorsten Benner do Instituto de Política Global de Berlim, citado pelo Financial Times, o factor mais importante da “idade do ouro do modelo económico alemão”.

5. Numa das últimas reuniões da NATO, Olaf Scholz lançou junto dos seus pares europeus uma nova iniciativa que Paris também olha com desconfiança: a construção de um sistema de defesa antiaérea europeu (European Sky Shield Initiative). Não consultou a França. Já obteve 14 respostas positivas. A irritação de Paris também se deve ao facto de Berlim contar sobretudo com tecnologia americana e israelita para a construção deste sistema, em vez de apostar na indústria de armamento europeia. Acresce que a França e a Itália estão a desenvolver um projecto semelhante. Em suma, noutra questão vital para o futuro da Europa, os dois países parecem estar em acentuada divergência.

6. Escreve Jacques Attali no diário parisiense Les Echos que “nada é mais grave, para o futuro da França, do que o que se passa neste momento com a Alemanha. E nada é mais grave para a Alemanha do que o que se passa neste momento com a França”. O antigo conselheiro de Mitterrand diz que os interesses estratégicos dos dois países são hoje profundamente divergentes e que esta divergência pode ser fatal para a União Europeia no longo prazo. Talvez seja demasiado pessimista.

“Os líderes alemães e franceses tiveram muitas vezes de percorrer uma curva de aprendizagem para entenderem que a União Europeia não pode funcionar sem o eixo franco-alemão”, diz Stefan Seidendorf, subdirector do Instituto Germano-Francês de Ludwigsburg, citado pela DW, mesmo que veja com preocupação os actuais desentendimentos. Esperemos que sim. Sobretudo quando a Europa tem de gerir em conjunto uma guerra nas suas fronteiras.

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