quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Nobel em festejo por cá


Ontem, 16/11/22, José Saramago faria cem anos, mas morreu em 18/6/2010, com 88­. De Eça de Queirós (25/11/45 – 16/8/1900), serão 177 anos os que passaria também este mês, mas durou apenas 55. Foi Saramago o nosso Nobel de Literatura, julgo que bem merecido, e festejamo-lo com muito apego, até por ter sido reconhecido lá fora. Eça de Queirós teve bastante nomeada, tanto mais que viveu no estrangeiro, mas não havia Nobel ainda, e só em Portugal e no Brasil e terras afins seria conhecido, por ser a sua escrita em português, naturalmente, os Shakespeares e os Molières e uma infinidade mais de excelentes escritores permanecendo desde sempre imortais, mesmo sem prémio, por a imprensa e os jornais já servirem de ponto de partida para o reconhecimento público nos países com hábitos de leitura. E todavia, o tema do escritor incompreendido pela sociedade é comum, Alfred de Vigny, por exemplo, no seu drama Chatterton, mostra a visão pessimista do jovem escritor desconhecido e suicidário, na sua geração sentimental e romântica, o nosso Fernando Pessoa comporá, no poema “Tabacaria”, entre outros, o drama pessoal do génio incompreendido mas sabendo ultrapassar com altivez irónica a sua amargura, que não escapou ao próprio Camões – “O favor com que mais se acende o engenho, não no dá a pátria não, que está metida…”

Julgo que Saramago exacerbou a sua visão crítica social – de apoio aos menos favorecidos sempre em linguagem mais sóbria, embora no seu vernáculo e profusão discursiva, mas de ferocidade por vezes sórdida contra as classes elitistas do clero e da nobreza, como bem se extremam neste livro que ando a reler – “Memorial do Convento”entre outros que também dele li, sentenciosos sempre e de pensamento drástico. Uma linguagem riquíssima, a sua, e original na mistura de planos, em que, apesar da saliência das personagens, estas formam modelos específicos, não independentes, todavia, visto que sempre perpassando pelo cadinho modelador do narrador, com efeito funcionando este como personagem não participante, conquanto sempre presente nesse mundo em que se integra, quer pela escrita original, de pontuação e sequência narrativa em que lugar e tempo são presenças sempre actuais, o hoje e o agora, o ontem e o amanhã, o aqui e o ali se fundem, ainda que localizados em espaços e tempo determinado, quer por toda uma receita de pesquisa, por espaços e tempos e situações, que não sei se serão, contudo, menos verdadeiras, no que toca aos reis, nobreza e clero, ou fruto de intenção difamadora condenável, se falsa for.

Não assim, Eça de Queirós, possuidor de uma graça natural e aberta, de ironia, decerto, mas sem impor a sua presença cruelmente acusadora no caso dos afortunados sociais, como o faz Saramago, ou sobrecarregar as suas personagens do povo, de simbolismos aparentemente enriquecedores, e na realidade de falsidade embelezadora mas desvirtuante, meios específicos de enriquecimento figurativo, como esse de Sete Sóis e Sete Luas aplicados a Baltasar e a Blimunda. Ainda que parte das figuras queirosianas sejam personagens planas, representativas de tipos sociais, como o cónego Dias e o padre Amaro, o Conselheiro Acácio, o Conde Gouvarinho, mostra-no-los Eça em situações específicas que os singularizam e permanecem de uma graça imorredoura, o narrador apagando-se antes as personagens com o seu relevo próprio, em atitudes ou ditos de caricatura, figuras de pose ou ditos inesquecíveis e imortais.

Daí que, concordando com o Nobel para Saramago, a minha mente inimiga da literatura de pendor faccioso, pese embora a sua riqueza expressiva em tantos campos, tende a apreciar, em termos de adoração, Eça de Queirós, que nos deixa felizes com a vida e não envoltos no  pesadelo de tanta grosseria sardónica explorada com requinte pelo nosso Nobel da Literatura. Mas até Júlio Dinis quadra melhor aos meus gostos literários, que, é certo, não têm preciosismos de intelectualidade, e preferem encontrar a capacidade criativa do escritor e não o seu parti pris opressor.

                                           

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