Ontem, 16/11/22, José Saramago
faria cem anos, mas morreu em 18/6/2010, com 88. De Eça de Queirós (25/11/45 –
16/8/1900), serão 177 anos os que passaria também este mês, mas durou apenas
55. Foi Saramago o nosso Nobel de Literatura, julgo que bem merecido, e
festejamo-lo com muito apego, até por ter sido reconhecido lá fora. Eça de
Queirós teve bastante nomeada, tanto mais que viveu no estrangeiro, mas não
havia Nobel ainda, e só em Portugal e no Brasil e terras afins seria conhecido,
por ser a sua escrita em português, naturalmente, os Shakespeares e os Molières
e uma infinidade mais de excelentes escritores permanecendo desde sempre
imortais, mesmo sem prémio, por a imprensa e os jornais já servirem de ponto de
partida para o reconhecimento público nos países com hábitos de leitura. E
todavia, o tema do escritor incompreendido pela sociedade é comum, Alfred de Vigny, por exemplo, no seu
drama Chatterton, mostra a visão
pessimista do jovem escritor desconhecido e suicidário, na sua geração
sentimental e romântica, o nosso Fernando
Pessoa comporá, no poema “Tabacaria”,
entre outros, o drama pessoal do génio incompreendido mas sabendo
ultrapassar com altivez irónica a sua amargura, que não escapou ao próprio
Camões – “O favor com que mais se acende
o engenho, não no dá a pátria não, que está metida…”
Julgo que Saramago exacerbou a sua visão crítica social – de apoio aos
menos favorecidos sempre em linguagem mais sóbria, embora no seu vernáculo e
profusão discursiva, mas de ferocidade por vezes sórdida contra as classes
elitistas do clero e da nobreza, como bem se extremam neste livro que ando a
reler – “Memorial do Convento” – entre
outros que também dele li, sentenciosos sempre e de pensamento drástico. Uma
linguagem riquíssima, a sua, e original na mistura de planos, em que, apesar da
saliência das personagens, estas formam modelos específicos, não independentes,
todavia, visto que sempre perpassando pelo cadinho modelador do narrador, com
efeito funcionando este como personagem não participante, conquanto sempre
presente nesse mundo em que se integra, quer pela escrita original, de
pontuação e sequência narrativa em que lugar e tempo são presenças sempre
actuais, o hoje e o agora, o ontem e o amanhã, o aqui e o ali se fundem, ainda
que localizados em espaços e tempo determinado, quer por toda uma receita de pesquisa, por espaços e tempos e situações, que não sei se serão, contudo, menos verdadeiras, no que toca aos reis, nobreza e clero, ou fruto de intenção difamadora condenável, se falsa for.
Não assim, Eça de
Queirós, possuidor de uma graça natural e aberta, de ironia,
decerto, mas sem impor a sua presença cruelmente acusadora no caso dos
afortunados sociais, como o faz Saramago, ou sobrecarregar as suas personagens do
povo, de simbolismos aparentemente enriquecedores, e na realidade de falsidade embelezadora
mas desvirtuante, meios específicos de enriquecimento figurativo, como esse de Sete Sóis e Sete Luas aplicados a Baltasar
e a Blimunda. Ainda que parte das
figuras queirosianas sejam personagens planas, representativas de tipos
sociais, como o cónego Dias e o padre Amaro, o Conselheiro Acácio, o Conde
Gouvarinho, mostra-no-los Eça em situações específicas que os singularizam e
permanecem de uma graça imorredoura, o narrador apagando-se antes as
personagens com o seu relevo próprio, em atitudes ou ditos de caricatura,
figuras de pose ou ditos inesquecíveis e imortais.
Daí que, concordando com o Nobel para Saramago, a minha mente inimiga
da literatura de pendor faccioso, pese embora a sua riqueza expressiva em
tantos campos, tende a apreciar, em termos de adoração, Eça de Queirós, que nos
deixa felizes com a vida e não envoltos no
pesadelo de tanta grosseria sardónica explorada com requinte pelo nosso
Nobel da Literatura. Mas até Júlio Dinis quadra melhor aos meus gostos
literários, que, é certo, não têm preciosismos de intelectualidade, e preferem encontrar
a capacidade criativa do escritor e não o seu parti pris opressor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário