domingo, 6 de novembro de 2022

«Um som alto e sublimado»


Sempre, afinal, o Bem e o Mal foram motivo de reflexão e actuação e mesmo, pelo Ocidente, os mitos – criados, é certo, pelo Homem - os traduziam e as próprias religiões monoteístas revelavam essa faceta de barbárie, como a descrição bíblica de um dilúvio universal ou mesmo a destruição de Sodoma e Gomorra provaram, em tempos recuados, feitos com um tal ostracismo e uma tal limpeza por um Jeová “justiceiro” que indicaram o caminho da arrogância universal ao homem que com Jeová se identifica, em limpeza vária, e movido por idênticos valores de um poderio que, para o homem comum, educado na distinção do sentido tradicional do Bem e do Mal, só pode significar a bestialidade de uma arrogância sem sentido nem inteligência crítica. O certo é que, com o desenvolvimento científico e tecnológico, o problema do Mal se acentua, imparável e atroz, e aqui estamos todos à espera do “Jeová” justiceiro, em figura humana, que resolva accionar o botão da destruição terrena, não já, é certo, por alagamento, mas por seca e explosão aniquiladoras. Vivemos cada vez mais descrentes, no pensamento de um frágil futuro para os vindouros, que nem sabemos se existirá. Sim, é bem pessimista o mundo visto da varanda do Dr. Salles, de “mando e desmando”, mas que ele descreve em “som alto e sublimado”, em canto não de glória mas de tristeza e non sens, bem diferente do do épico que glorificou uma acção pioneira, de tanto impacto no mundo, embora com continuadores, é certo, bem mais eficazes.  

«...E VÓS, TÁGIDES MINHAS...» - 11

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO 05.11.22

ou

O MUNDO VISTO DA MINHA VARANDA

ou ainda

DO MANDO E DO DESMANDO

 

Passeando pelo calçadão do Rio com Carlos Drummond, subindo ao morro com  Zélia…

«Uma vez que o velho Deus abdicou, governarei o mundo doravante» - assim apregoava Nietzsche, o pai do niilismo.

* * *

A era niilista manifestou-se muito antes do que o filósofo imaginara: catorze anos depois da sua morte iniciou-se a Primeira Guerra Mundial e depois dela a Europa ficou nas garras do fascismo, do comunismo e do nazismo. E pouco tempo depois da primeira, sofreu outra guerra pior ainda que a anterior.

 Desprezada a Civilização no que ela continha de valores perenes dando corpo à dignidade humana, a violência triunfou sobre a verdade e sobre a bondade. Dezenas de milhões de vidas foram aniquiladas sob o aplauso de dezenas de milhões de admiradores da violência. Sim, porque o niilismo só pode conduzir à ditadura, à violência e à aniquilação.

 E como começou ele?

 Perante o igualitarismo, todos têm razão, a ninguém é reconhecido o estatuto de sábio e tudo o que se apresente difícil é considerado antidemocrático; morto o conceito de que «o peso material determina o valor do oiro e o peso moral determina o valor do homem», a matéria reina e o dinheiro é a divindade suprema. Moral? A cada um, a sua.

 - O que é bom para o oiro é bom para ti! Comercializa-te, adapta-te! Tudo o que te torna mais rico é útil; o que não for divertido é inútil e pode desaparecer.

 Cada um que se valha a si próprio e os outros que «se virem» se conseguirem e, se não, tanto melhor pois mais fica para o vencedor entesourar.

 Eis um conjunto de indivíduos que tudo fazem para vingar individualmente em prejuízo do próximo. A inveja ganha adeptos. Só que isto não é uma sociedade e muito menos uma Civilização. E onde não há coesão social, todos se sentem desamparados. Mas o desamparo é desconfortável. O desconforto gera a queixa e sempre acaba por conduzir à busca de soluções para se regressar a alguma situação assemelhável a conforto.

 Assim se reúnem os ingredientes suficientes para que apareça um caudilho com promessas cujos méritos os desamparados não querem sequer questionar. E a ditadura, sempre radical, gera a violência e esta é a destruição.

* * *

Foi depois de muita desgraça que na tarde de 29 de Outubro de 1946, Albert Camus perguntou ao anfitrião André Malraux e ao grupo de outros convidados em que se destacava Jean-Paul Sartre – todos nascidos no niilismo e no materialismo histórico - se não achavam serem eles próprios, naquela sala, os maiores responsáveis pela falta de valores na Europa ocidental e se não estaria na hora de declararem abertamente que estavam errados, que os valores morais existem realmente e que doravante tudo fariam para restabelecer e clarificar esses princípios perenes e quiçá eternos. «Não acham que seria o princípio para o regresso de alguma esperança?»

* * *

E hoje?

Ah!, hoje, a História é a mesma que há muito Camus descreveu. Olhemos com especial atenção para o Brasil. Temo que, no triunfo do populismo, se passe do império do Direito ao determinismo caudilhista, vulgo o fascismo.

Lisboa, 4 de Novembro de 2022

Henrique Salles da Fonseca

Tags: "política alheia"

 COMENTÁRIOS (1)

 Anónimo  05.11.2022  15:31: Será também por essa “mea culpa” de Albert Camus, que descreves, que Hannah Arendt terá classificado, numa carta para o seu marido, aquele escritor como o melhor homem de França. O populismo, seja de direita ou de esquerda, sob o manto da política espetáculo, varre os Continentes. Não me querendo alongar nas causas, pois estão perfeitamente identificadas e estudadas, recordarei apenas as promessas políticas não cumpridas e a falta de honorabilidade de alguns políticos que mancham o Sistema onde se inserem. Recentemente, porém, há políticos, de direita e de esquerda, indiciados ou até condenados por crimes de corrupção no exercício de funções políticas, reeleitos (só na semana finda foram dois casos, um de direita e outro de esquerda, em Continentes distintos). Tinha pensado que o “rouba, mas faz” já tinha passado definitivamente, mas enganei-me. Tem vindo a regressar. Curiosamente, há Sociedades que toleram esses aspetos mais a uns políticos do que a outros, para não dizer que, nuns casos, a tolerância é tal que só falta dizer “volta, que estás perdoado”. É usual dizer-se que a memória dos povos é curta e que, nalgumas Sociedades, a iliteracia política é grande. O despudor com que alguns políticos prometem o que sabem não poder cumprir, desprestigia a classe política e o respetivo Sistema. A minha Avó referia amiudadas vezes que os políticos republicanos prometiam o “bacalhau a pataco”. Hoje, não é o bacalhau, mas sim a picanha juntamente com cerveja. As promessas consideram também o gosto gastronómico local. Nalguns casos nem vale a pena “read my lips”. Sobre o Brasil, e como escrevi num comentário anterior, a escolha na 1ª volta como na segunda, seria sempre pelo menor dos males. Todos nós devemos meditar como se chegou a um ponto em que os eleitores brasileiros tiveram de optar por um daqueles dois candidatos. Se o perfil de qualquer deles é discutível, não o é menos a circunstância de a opção ter de ser feita perante os dois extremos partidários. O que aconteceu ao “centrão” e porquê? Constato que a América Latina vai passar a ser praticamente toda ela de esquerda, embora admita que nem todas as esquerdas sejam iguais. Não quero crer que alguns desses povos tenham dado o poder a certos demagogos, possíveis candidatos a caudilhos, para usar uma expressão tua, Henrique. No caso concreto do Brasil, o perigo que apontas não o perfilho felizmente desde já, e isto pela divisão a meio do espectro político, pelas instituições democráticas existentes, pela importância económica do País, pela actual situação política internacional e pela experiência amarga (“de chumbo”, no dizer de uma amiga brasileira) que tiveram na Ditadura Militar (1964/85). Mas a ver vamos. Forte abraço. Carlos Traguelho

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