Sempre, afinal, o Bem e o Mal foram motivo de reflexão e actuação e
mesmo, pelo Ocidente, os mitos – criados, é certo, pelo Homem - os traduziam e
as próprias religiões monoteístas revelavam essa faceta de barbárie, como a descrição bíblica de um dilúvio universal ou mesmo a destruição de Sodoma e Gomorra provaram, em
tempos recuados, feitos com um tal ostracismo e uma tal limpeza por um Jeová “justiceiro”
que indicaram o caminho da arrogância universal ao homem que com Jeová se identifica,
em limpeza vária, e movido por idênticos valores de um poderio que, para o
homem comum, educado na distinção do sentido tradicional do Bem e do Mal, só
pode significar a bestialidade de uma arrogância sem sentido nem inteligência
crítica. O certo é que, com o desenvolvimento científico e tecnológico, o
problema do Mal se acentua, imparável e atroz, e aqui estamos todos à espera do
“Jeová” justiceiro, em figura humana, que resolva accionar o botão da
destruição terrena, não já, é certo, por alagamento, mas por seca e explosão
aniquiladoras. Vivemos cada vez mais descrentes, no pensamento de um frágil futuro
para os vindouros, que nem sabemos se existirá. Sim, é bem pessimista o mundo
visto da varanda do Dr. Salles, de “mando e desmando”, mas que ele descreve em “som
alto e sublimado”, em canto não de glória mas de tristeza e non sens, bem diferente do do épico que
glorificou uma acção pioneira, de tanto impacto no mundo, embora com continuadores, é certo, bem mais eficazes.
«...E VÓS,
TÁGIDES MINHAS...» - 11
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO 05.11.22
ou
O MUNDO VISTO DA MINHA VARANDA
ou ainda
DO MANDO E DO DESMANDO
Passeando pelo calçadão do Rio com Carlos Drummond, subindo ao morro
com Zélia…
«Uma vez que o velho Deus
abdicou, governarei o mundo doravante» - assim apregoava Nietzsche, o pai
do niilismo.
* * *
A era niilista manifestou-se muito antes do que o filósofo
imaginara: catorze anos depois da sua morte iniciou-se a Primeira Guerra
Mundial e depois dela a Europa ficou nas garras do fascismo, do comunismo e do
nazismo. E pouco tempo depois da primeira, sofreu outra guerra pior ainda que a
anterior.
Desprezada a Civilização no que ela continha de valores
perenes dando corpo à dignidade humana, a violência triunfou sobre a verdade e
sobre a bondade. Dezenas de milhões de vidas foram aniquiladas sob o aplauso de
dezenas de milhões de admiradores da violência. Sim, porque o niilismo só pode
conduzir à ditadura, à violência e à aniquilação.
E como começou ele?
Perante o igualitarismo, todos têm razão, a ninguém é reconhecido
o estatuto de sábio e tudo o que se apresente difícil é considerado
antidemocrático; morto o conceito de que «o peso material determina o valor do
oiro e o peso moral determina o valor do homem», a matéria reina e o dinheiro é
a divindade suprema. Moral? A cada um, a sua.
- O que é bom para o oiro é bom para ti! Comercializa-te,
adapta-te! Tudo o que te torna mais rico é útil; o que não for divertido é
inútil e pode desaparecer.
Cada um que se valha a si próprio e os outros que «se virem»
se conseguirem e, se não, tanto melhor pois mais fica para o vencedor
entesourar.
Eis um conjunto de indivíduos que tudo fazem para vingar
individualmente em prejuízo do próximo. A inveja ganha adeptos. Só que isto não
é uma sociedade e muito menos uma Civilização. E onde não há coesão social,
todos se sentem desamparados. Mas o desamparo é desconfortável. O desconforto
gera a queixa e sempre acaba por conduzir à busca de soluções para se regressar
a alguma situação assemelhável a conforto.
Assim se reúnem os ingredientes suficientes para que apareça
um caudilho com promessas cujos méritos os desamparados não querem sequer
questionar. E a ditadura, sempre radical, gera a violência e esta é a destruição.
* * *
Foi depois de muita desgraça que na tarde de 29 de Outubro de 1946,
Albert Camus perguntou ao anfitrião André Malraux e ao grupo de outros
convidados em que se destacava Jean-Paul Sartre – todos nascidos no niilismo e
no materialismo histórico - se não achavam serem eles próprios, naquela sala,
os maiores responsáveis pela falta de valores na Europa ocidental e se não
estaria na hora de declararem abertamente que estavam errados, que os valores
morais existem realmente e que doravante tudo fariam para restabelecer e
clarificar esses princípios perenes e quiçá eternos. «Não acham que seria o
princípio para o regresso de alguma esperança?»
* * *
E hoje?
Ah!, hoje, a História é a mesma que há muito Camus descreveu.
Olhemos com especial atenção para o Brasil. Temo que, no triunfo do populismo,
se passe do império do Direito ao determinismo caudilhista, vulgo o fascismo.
Lisboa, 4 de Novembro de 2022
Henrique Salles da Fonseca
Tags: "política
alheia"
Anónimo 05.11.2022 15:31: Será também por essa “mea culpa” de Albert Camus, que descreves, que
Hannah Arendt terá classificado, numa carta para o seu marido, aquele escritor
como o melhor homem de França. O populismo, seja
de direita ou de esquerda, sob o manto da política espetáculo, varre os
Continentes. Não me querendo alongar
nas causas, pois estão perfeitamente identificadas e estudadas, recordarei
apenas as promessas políticas não
cumpridas e a falta de honorabilidade de alguns políticos que mancham o Sistema
onde se inserem. Recentemente, porém, há políticos, de direita e de esquerda, indiciados ou até condenados
por crimes de corrupção no exercício de funções políticas, reeleitos (só na
semana finda foram dois casos, um de direita e outro de esquerda, em Continentes
distintos). Tinha pensado que o “rouba, mas faz” já tinha passado
definitivamente, mas enganei-me. Tem vindo a regressar. Curiosamente,
há Sociedades que toleram esses aspetos mais a uns políticos do que a outros,
para não dizer que, nuns casos, a tolerância é tal que só falta dizer “volta,
que estás perdoado”. É usual dizer-se que
a memória dos povos é curta e que, nalgumas Sociedades, a iliteracia política é
grande. O despudor com que alguns
políticos prometem o que sabem não poder cumprir, desprestigia a classe
política e o respetivo Sistema. A minha Avó referia amiudadas vezes que os
políticos republicanos prometiam o “bacalhau a pataco”. Hoje, não é o bacalhau,
mas sim a picanha juntamente com cerveja. As promessas consideram também o
gosto gastronómico local. Nalguns casos nem vale a pena “read my lips”. Sobre o Brasil, e como escrevi num comentário
anterior, a escolha na 1ª volta como na segunda, seria sempre pelo menor dos
males. Todos nós devemos meditar como se chegou a um ponto em que os eleitores
brasileiros tiveram de optar por um daqueles dois candidatos. Se o perfil de
qualquer deles é discutível, não o é menos a circunstância de a opção ter de
ser feita perante os dois extremos partidários. O que aconteceu ao “centrão” e
porquê? Constato que a América Latina vai
passar a ser praticamente toda ela de esquerda, embora admita que nem todas as
esquerdas sejam iguais. Não quero crer que alguns desses povos tenham dado o
poder a certos demagogos, possíveis candidatos a caudilhos, para usar uma expressão
tua, Henrique. No caso concreto do Brasil, o perigo que apontas não o perfilho
felizmente desde já, e isto pela divisão a meio do espectro político, pelas
instituições democráticas existentes, pela importância económica do País, pela
actual situação política internacional e pela experiência amarga (“de chumbo”,
no dizer de uma amiga brasileira) que tiveram na Ditadura Militar (1964/85).
Mas a ver vamos. Forte abraço. Carlos Traguelho
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