sábado, 5 de novembro de 2022

A impressão que dá


É que todos gostariam de ocupar o tal posto em exclusividade. Alguns partidos, em vez de se individualizarem, podiam unir-se, para defender a doutrina pátria. Mas cada um prefere defendê-la sozinho, em termos de projecção própria, mais do que por amor pátrio. Costa está seguro.

Espelho deles, quem é mais liberal que eles?

Enquanto traçam linhas vermelhas e desfilam com o folclore “identitário” os senhores da IL esquecem-se que o sr. Trump e o dr. Ventura não contribuíram com uma gota para a miséria em que nos afundamos

ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador

OBSERVADOR, 05 nov 2022, 00:2242

Um velho comentador e estadista inglês, morto vai para cem anos, dizia que as etiquetas são a maneira de os tagarelas se pouparem ao trabalho de pensar. Infelizmente a lição não fez escola. Mas deixou ocasionais herdeiros. O Vasco Pulido Valente, por exemplo, com quem, durante um jantar, ameacei usar uma catalogação “ideológica”, estilo: “Se eu me considerar social-democrata…” Ou “conservador”. Ou outra coisa qualquer, que não era esse o ponto. O ponto é que o Vasco me interrompeu com um olhar que misturava susto e repulsa. Acho que ele nem disse nada. Não precisava de dizer fosse o que fosse para eu perceber o que ele pensava das pessoas que se definem assim. Ou das pessoas que se definem, ponto. Etiquetar politicamente alguém já é pobrezinho (e o próprio verbo é horrível). Etiquetarmo-nos é bastante ridículo.

Em meu abono, noto que esse momento com o Vasco constituiu um raro deslize. Por acaso ou sensatez inata (aposto na sensatez inata), nunca fui dado a semelhantes exercícios. Assinei centenas ou milhares de crónicas e julgo que em nenhuma me considerei politicamente isto ou aquilo. Mais relevante, nem no recato da minha cabecinha sou capaz de o fazer. As opiniões que temos e partilhamos devem ser reacções a cada acontecimento ou circunstância, movidas pelo bom senso (no meu caso abençoadamente ilimitado) e não pela necessidade de amassar a realidade até que esta caiba no formulário que escolhemos adoptar. Se o conjunto de reacções nos enfia numa gaveta, tanto pior. Por mim, prefiro que não enfiem. Logo, não me sinto especialmente de direita. Não me sinto conservador. Não me sinto progressista. Não me sinto – Deus seja louvado – socialista. Não me sinto liberal. E sinto muito que outros se sintam, e que o sintam com inabalável certeza, e sobretudo que anunciem o sentimento à primeira oportunidade.

Embora não pareça, isto vem a propósito do que se passa na Iniciativa Liberal, cujo nome é um programa e cuja prática se divide em inúmeros programinhas. A benefício da clareza, informo que votei na IL em duas eleições legislativas e nas últimas presidenciais. Das três vezes, votei no partido ou no candidato que julguei o mal menor, ou a alternativa plausível aos desvarios que mandam em nós e nos desgraçam. Ou seja, votei numa esperança de oposição, que a IL acabou por realizar de modo intermitente. Ao que me dizem, e a evidência comprova, parte dos esforços oposicionistas da IL é gasta em renhidos debates internos acerca das credenciais dos grupinhos que a compõem. Pelos vistos, o “liberal” no nome implica uma competição para aferir do grau de pureza do “liberalismo” dos seus membros.

Sempre que não estão a denunciar o desastre da TAP ou a desvalorizar a destruição cometida a pretexto da Covid, os senhores da IL estão a decidir quem, dentre eles, é digno de ostentar a nobre designação de “liberal”. E quem é indigno. A decisão não é fácil. Na épica batalha que opõe “trumpistas”, “lulistas”, “bloquistas” com noções de economia, inimigos figadais do Chega, “franchises” dos Tories britânicos, parodiantes LGBT, pragmáticos, contabilistas, “austríacos”, admiradores de Trudeau e gente francamente decente, não se adivinha um vencedor óbvio. Principalmente, não se advinha um vencedor susceptível de arranjar tempo para se dedicar ao que convinha ser o grande objectivo da IL: combater o socialismo.

Enquanto se consomem a estabelecer o que o liberalismo é e o que o liberalismo não pode ser, os senhores da IL desperdiçam energias fundamentais para expor a criminosa governação do PS. Enquanto traçam linhas vermelhas e desfilam com o folclore “identitário”, os senhores da IL esquecem-se que, se calhar por falta de oportunidade, o sr. Trump e o dr. Ventura não contribuíram com uma gota para a miséria em que nos afundamos. Enquanto aceitam jogar um jogo que o dr. Costa inventou com as regras que o dr. Costa impôs, os senhores da IL permitem por omissão que a devastação da democracia avance com uma rapidez que custa acompanhar.

Para evitar acusações de ingenuidade, não ignoro que a luta ideológica na IL seja só o verniz que recobre, e mal, a luta pelo poder num partido que o começou a desfrutar, a razoável escala, desde Janeiro. Porém, a “nuance” não interessa. A única coisa que interessa nestas minudências da política, e que é o critério que torna os demais secundários, é a liberdade. Sem liberdade, não haverá riqueza, justiça, segurança e o resto dos conceitos lindos e solenes de que apenas usufruímos se formos livres. E pelos quais suspiramos se não formos. Se se deixar de infantilidades, a IL pode representar uma excepção e um alívio, modesto e precioso, ao sufoco de um país conquistado pelo Estado e ao Estado conquistado por um gangue partidário. Em suma, ou a IL existe para defender o que importa ou é uma redundância existir.

Termino com um minúsculo episódio. Há meia dúzia de anos cheguei atrasado a um serão de conversa com um punhado de amigos e conhecidos, de que alguns desaguariam em membros da IL. A medição de liberalismo ia animada. Um dos convivas voltou-se para mim: “Alberto, Fulano diz-se liberal-social, Sicrana é objectivista. E tu?” “Eu sou hipocondríaco”, respondi. A IL devia experimentar: é melhor do que estar doente.

INICIATIVA LIBERAL   POLÍTICA

COMENTÁRIOS: (8 de 42):

Alexandre Barreira: Pois. A etiqueta é complicada. Já o outro dizia: Xé patrão, tem jacaré nos camisa e lhe chama La Coste !                Henrique Mota: Mas pelo menos, “ bendito seja o senhor” , podemos etiquetar o Alberto Gonçalves como “ não -socialista” , o que me deixa mais descansado. Quanto ao resto, estamos de acordo. Etiquetar grupos , e pessoas, é um desvio que herdamos do nosso desenvolvimento em tribo. Haverá que combatê-lo. E ao socialismo também.             Alfaiate Tuga: Tal como o AG, já votei várias vezes IL por defender mais liberalismo em Portugal, ou seja menos estado (impostos) e mais oferta  privada (escolha). O que eu esperava da IL era um estudo credível de quanto custa ao estado cada acto praticado pelo SNS e quanto custaria se fosse praticado no privado e caso fosse mais barato no privado, proporem uma lei que permitisse ao cidadão escolher o privado com os custos a serem suportados pelo estado, na educação o mesmo. Bem sei que com a actual maioria PS esta lei nunca seria aprovada, mas pelo menos a IL colocaria na agenda esta temática que é muito mais importante que a TAP e poderia trazer benefícios a todos os portugueses, excepto os funcionários públicos que teriam de ir TRABALHAR para o privado.  Não vejo problema de maior nas etiquetas quando estão coladas nos sítios certos, o problema da IL é ter uma etiqueta de Liberal e andar a propor a criação de um subsídio de habitação, e participar em marchas LGBTI +€%.. para isso temos outros partidos com outras etiquetas, se é Liberal é contra os subsídios e deve abster-se de apoiar seja a identidade de género que for, ponto final.                 Cipião Numantino:: Fantástica viagem do AG ao seu próprio interior! Numa primeira percepção, até parece que acabou por me descrever igualmente a mim próprio pois, para sintetizar, tal como ele, tenho imensa dificuldade em "papar grupos". E gosto pouco de rótulos que, adrede, quererão mais significar presunções próprias do que parcimoniosas introspecções do nosso profundo sentir. Quer dizer, apontar-se uma coisa enquanto se formula desejos para que suceda precisamente o contrário. Nunca me iludi com a IL. E desde o primeiro momento que intuí que muitos dos seus apaniguados tanto estavam por ali como poderiam perfeitamente fazer parte da Confraria do Bacalhau. Muita conversa e pouca substância ou, como diz o povão "muita parra para pouca uva". No limite, pareceram-me desde logo um grupo de betinhos ou como se dizia antigamente "meninos copos de leite". Claro que haverá naturalmente excepções e, entre outros, o Cotrim Figueiredo desde sempre me pareceu assumir um pragmatismo que poderia indiciar que a IL seria um pouco mais do que num primeiro relance poderia deixar transparecer. Mas parece que não. E Cotrim Figueiredo, na minha modesta opinião, deve ter-se dado conta que em vez de um partido que poderia fazer parte da solução convolou, para seu próprio desespero, num partido que poderá mesmo fazer parte do problema.  Tal como AG detesto rótulos. E até costumo afiançar que dialogo facilmente com qualquer quadrante político e, daí, ter a maioria dos meus amigos na esquerda. Proclamo por vezes que nunca me chateei com ninguém por causa de política, futebol ou religião e observo com desdém quem se abespinha logo que seja contrariado exactamente nestas três matérias. Sou amigo de um antigo árbitro internacional de futebol. Pessoa de excelente carácter e extremamente comunicativo. Dizia-me ele, há uns tempos, que existiam 17 regras precisas no futebol. E, acrescentava, que existia uma outra regra, portanto a 18ª, que em momentos precisos se deveria sobrepor a todas as outras que era justamente o "bom senso". Excelente desiderato, digo eu, já que quando tudo parece falhar sempre se tem à mão a única regra que pode dar sentido a uma qualquer equação. Minha gente, já não é a primeira vez que me perguntam se eu sou de direita ou de esquerda e ficam muito surpreendidos quando lhes respondo que eu sou "do lado". Como já acima escrevi detesto rótulos e desconfio fartamente de quem se assume como defensor urbi et orbi da pureza de um certo ideal. Quanto mais não seja porque Torquemada era um acérrimo defensor dos propósitos da sua missão e os eugénicos princípios de Goebbels não lhes provocavam o mínimo constrangimento ou incertezas. Se eu vivesse na Grécia clássica comungaria certamente de certas ideias da seita filosófica dos Cínicos. Entre outras pérolas retóricas eles defendiam "que a uma verdade se poderia contrapor uma outra efectiva verdade, justamente tão verdadeira quanto a primeira". Bem observado quase se poderia emparelhar com a máxima de Sócrates (não o 44, claro) ao defender "só sei que nada sei". É isso pessoal. Tal como AG tenho muita dificuldade em arrogar-me defender ou depender de verdades absolutas. Isso é mais para os limitados dos sentidos ou dos seguidistas de turno a quem pensar dá uma trabalheira do caraças. Sou mais adepto do que alguém defendeu "que o saber, contém em si próprio, os genes do desespero". Por mim prefiro essa angústia existencial do que deixar-me arrastar para o vórtice das certezas assumidas que na maior parte das vezes se descobre não passarem de simples patranhas. A vida dos simples e simplórios é bem menos conturbada e até, há quem o afirme, bem mais feliz? So what? Prefiro antes o clamor individual da incerteza do que as certezas assumidas das multidões. Como já acima escrevi "não papo grupos". Mesmo que como o Luladrão lá dos Brasis me prometam ir passar a comer brevemente picanha. Essa é que é essa!...          José Ribeiro: Fui anti-comunista primário no séc XX e agora sou também anti-socialista primário no séc XXI. Para mim são etiquetas tipo “100% caxemira”, que uso com todo o gosto.                 S Beloobservador censurado: O mal é geral. Toda a sociedade portuguesa sofre, e não  apenas na vida política, desta maleita (mania?). A "etiquetagem" além  de gerar íntimos conflitos existenciais é  paralisante  e perigosa               João Floriano: Em suma, ou a IL existe para defender o que importa ou é uma redundância existir. Mas se o IL não quer..........! O que se pode fazer?  Leva-se um burro até à palha, nem que o tenhamos que puxar, picar, levar uns coices. Mas ninguém o consegue obrigar a comer  a palha. O IL apenas tasquinha a palha da oposição, com menos ou mais vontade dependendo dos dias e dos assuntos. Meteram-se todos num bote e foram pescar para o meio do lago. Entretanto Cotrim resolveu abrir um buraco no fundo do barco. Logicamente vai afundar. Resta agora saber quem nada melhor e quem se afoga. Não é por se ter um programa com 614 páginas (pdf) que se é mais eficiente a fazer oposição. O CHEGA tem um programa de 21 páginas. Ninguém lê 614 páginas (parece o Guerra e Paz do Tolstoi). Mas vinte e uma resultam melhor. Como em muitas outras coisas na vida ter um programa grande não quer dizer que se seja mais eficiente na hora de fazer oposição. Bye Bye Iniciativa Liberal! São mesmo redundantes!             Américo Silva: O liberalismo é a enzima que permite fazer a digestão da sociedade. Eu sou liberal, não me prendo à família, não me prendo à religião, não me prendo ao sexo, não me prendo à cultura, não me prendo à história. Assim, lavadinho e todo nu, como diria o António Botto, estou pronto a ser comido pelo capitalismo internacional, sou um número, um cliente, um segmento, um nicho de mercado, tanto compro um hijab da Nike, como alugo um jacto privado para ir à cimeira da ecologia.

 

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