É que todos gostariam de ocupar o tal
posto em exclusividade. Alguns partidos, em vez de se individualizarem, podiam
unir-se, para defender a doutrina pátria. Mas cada um prefere defendê-la
sozinho, em termos de projecção própria, mais do que por amor pátrio. Costa
está seguro.
Espelho deles, quem é mais liberal que eles?
Enquanto traçam linhas vermelhas e
desfilam com o folclore “identitário” os senhores da IL esquecem-se que o sr.
Trump e o dr. Ventura não contribuíram com uma gota para a miséria em que nos
afundamos
ALBERTO GONÇALVES Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 05 nov 2022, 00:2242
Um
velho comentador e estadista inglês, morto vai para cem anos, dizia que as
etiquetas são a maneira de os tagarelas se pouparem ao trabalho de pensar.
Infelizmente a lição não fez escola. Mas deixou ocasionais herdeiros. O
Vasco Pulido Valente, por exemplo, com quem, durante um jantar, ameacei usar
uma catalogação “ideológica”, estilo: “Se eu me considerar social-democrata…”
Ou “conservador”. Ou outra coisa qualquer, que não era esse o ponto. O ponto é
que o Vasco me interrompeu com um olhar que misturava susto e repulsa. Acho que
ele nem disse nada. Não precisava de dizer fosse o que fosse para eu perceber o
que ele pensava das pessoas que se definem assim. Ou das pessoas que se
definem, ponto. Etiquetar politicamente alguém já é pobrezinho (e o próprio verbo
é horrível). Etiquetarmo-nos é bastante ridículo.
Em
meu abono, noto que esse momento com o Vasco constituiu um raro deslize. Por
acaso ou sensatez inata (aposto na sensatez inata), nunca fui dado a
semelhantes exercícios. Assinei centenas ou milhares de crónicas e julgo que em
nenhuma me considerei politicamente isto ou aquilo. Mais relevante, nem no
recato da minha cabecinha sou capaz de o fazer. As opiniões que temos e
partilhamos devem ser reacções a cada acontecimento ou circunstância, movidas
pelo bom senso (no meu caso abençoadamente ilimitado) e não pela necessidade de
amassar a realidade até que esta caiba no formulário que escolhemos adoptar.
Se o conjunto de reacções nos enfia numa gaveta, tanto pior. Por mim, prefiro
que não enfiem. Logo, não me sinto especialmente de direita. Não me
sinto conservador. Não me sinto progressista. Não me sinto – Deus seja louvado
– socialista. Não me sinto liberal. E sinto muito que outros se sintam, e que o
sintam com inabalável certeza, e sobretudo que anunciem o sentimento à primeira
oportunidade.
Embora
não pareça, isto vem a propósito do que se passa na Iniciativa Liberal, cujo
nome é um programa e cuja prática se divide em inúmeros programinhas. A benefício da clareza, informo que votei na IL em
duas eleições legislativas e nas últimas presidenciais. Das três vezes, votei
no partido ou no candidato que julguei o mal menor, ou a alternativa plausível
aos desvarios que mandam em nós e nos desgraçam. Ou seja, votei numa
esperança de oposição, que a IL acabou por realizar de modo intermitente.
Ao que me dizem, e a evidência comprova, parte dos esforços oposicionistas
da IL é gasta em renhidos debates internos acerca das credenciais dos grupinhos
que a compõem. Pelos vistos, o “liberal” no nome implica uma competição para
aferir do grau de pureza do “liberalismo” dos seus membros.
Sempre
que não estão a denunciar o desastre da TAP ou a desvalorizar a destruição
cometida a pretexto da Covid, os senhores da IL estão a decidir quem, dentre
eles, é digno de ostentar a nobre designação de “liberal”. E quem é indigno. A decisão não é fácil. Na épica
batalha que opõe “trumpistas”, “lulistas”, “bloquistas” com noções de economia,
inimigos figadais do Chega, “franchises” dos Tories britânicos, parodiantes
LGBT, pragmáticos, contabilistas, “austríacos”, admiradores de Trudeau e gente
francamente decente, não se adivinha um vencedor óbvio. Principalmente, não
se advinha um vencedor susceptível de arranjar tempo para se dedicar ao que
convinha ser o grande objectivo da IL: combater o socialismo.
Enquanto
se consomem a estabelecer o que o liberalismo é e o que o liberalismo não pode
ser, os senhores da IL desperdiçam energias fundamentais para expor a criminosa
governação do PS. Enquanto traçam linhas vermelhas e desfilam com o folclore
“identitário”, os senhores da IL esquecem-se que, se calhar por falta de
oportunidade, o sr. Trump e o dr. Ventura não contribuíram com uma gota para a
miséria em que nos afundamos. Enquanto aceitam jogar um jogo que o dr. Costa
inventou com as regras que o dr. Costa impôs, os senhores da IL permitem por
omissão que a devastação da democracia avance com uma rapidez que custa
acompanhar.
Para
evitar acusações de ingenuidade, não ignoro que a luta ideológica na IL seja só
o verniz que recobre, e mal, a luta pelo poder num partido que o começou a
desfrutar, a razoável escala, desde Janeiro. Porém, a “nuance” não interessa. A
única coisa que interessa nestas minudências da política, e que é o critério
que torna os demais secundários, é a liberdade. Sem liberdade, não haverá
riqueza, justiça, segurança e o resto dos conceitos lindos e solenes de que
apenas usufruímos se formos livres. E pelos quais suspiramos se não formos.
Se se deixar de infantilidades, a IL pode representar uma excepção e um
alívio, modesto e precioso, ao sufoco de um país conquistado pelo Estado e ao
Estado conquistado por um gangue partidário. Em suma, ou a IL existe para
defender o que importa ou é uma redundância existir.
Termino
com um minúsculo episódio. Há meia dúzia de anos cheguei atrasado a um serão de
conversa com um punhado de amigos e conhecidos, de que alguns desaguariam em
membros da IL. A medição de liberalismo ia animada. Um dos convivas voltou-se
para mim: “Alberto, Fulano diz-se liberal-social, Sicrana é objectivista. E
tu?” “Eu sou hipocondríaco”, respondi. A IL devia experimentar: é melhor do que
estar doente.
COMENTÁRIOS: (8 de 42):
Alexandre Barreira: Pois. A
etiqueta é complicada. Já o outro dizia: Xé patrão, tem jacaré nos camisa e lhe
chama La Coste ! Henrique
Mota: Mas pelo menos, “ bendito seja o senhor”
, podemos etiquetar o Alberto Gonçalves como “ não -socialista” , o que me
deixa mais descansado. Quanto ao resto, estamos de acordo. Etiquetar grupos , e
pessoas, é um desvio que herdamos do nosso desenvolvimento em tribo. Haverá que
combatê-lo. E ao socialismo também.
Alfaiate Tuga: Tal como o AG,
já votei várias vezes IL por defender mais liberalismo em Portugal, ou seja
menos estado (impostos) e mais oferta privada (escolha). O que eu
esperava da IL era um estudo credível de quanto custa ao estado cada acto
praticado pelo SNS e quanto custaria se fosse praticado no privado e caso fosse
mais barato no privado, proporem uma lei que permitisse ao cidadão escolher o
privado com os custos a serem suportados pelo estado, na educação o mesmo. Bem
sei que com a actual maioria PS esta lei nunca seria aprovada, mas pelo menos a
IL colocaria na agenda esta temática que é muito mais importante que a TAP e
poderia trazer benefícios a todos os portugueses, excepto os funcionários
públicos que teriam de ir TRABALHAR para o privado. Não vejo problema de
maior nas etiquetas quando estão coladas nos sítios certos, o problema da IL é
ter uma etiqueta de Liberal e andar a propor a criação de um subsídio de
habitação, e participar em marchas LGBTI +€%.. para isso temos outros partidos
com outras etiquetas, se é Liberal é contra os subsídios e deve abster-se de
apoiar seja a identidade de género que for, ponto final. Cipião Numantino:: Fantástica viagem do AG ao seu próprio interior! Numa
primeira percepção, até parece que acabou por me descrever igualmente a mim
próprio pois, para sintetizar, tal como ele, tenho imensa dificuldade em
"papar grupos". E gosto pouco de rótulos que, adrede, quererão mais
significar presunções próprias do que parcimoniosas introspecções do nosso
profundo sentir. Quer dizer, apontar-se uma coisa enquanto se formula desejos
para que suceda precisamente o contrário. Nunca me iludi com a IL. E desde o
primeiro momento que intuí que muitos dos seus apaniguados tanto estavam por
ali como poderiam perfeitamente fazer parte da Confraria do Bacalhau. Muita
conversa e pouca substância ou, como diz o povão "muita parra para pouca
uva". No limite, pareceram-me desde logo um grupo de betinhos ou como se
dizia antigamente "meninos copos de leite". Claro que haverá
naturalmente excepções e, entre outros, o Cotrim Figueiredo desde sempre me
pareceu assumir um pragmatismo que poderia indiciar que a IL seria um pouco
mais do que num primeiro relance poderia deixar transparecer. Mas parece que
não. E Cotrim Figueiredo, na minha modesta opinião, deve ter-se dado conta que
em vez de um partido que poderia fazer parte da solução convolou, para seu
próprio desespero, num partido que poderá mesmo fazer parte do problema. Tal
como AG detesto rótulos. E até costumo afiançar que dialogo facilmente com
qualquer quadrante político e, daí, ter a maioria dos meus amigos na esquerda.
Proclamo por vezes que nunca me chateei com ninguém por causa de política,
futebol ou religião e observo com desdém quem se abespinha logo que seja
contrariado exactamente nestas três matérias. Sou amigo de um antigo árbitro
internacional de futebol. Pessoa de excelente carácter e extremamente
comunicativo. Dizia-me ele, há uns tempos, que existiam 17 regras precisas no
futebol. E, acrescentava, que existia uma outra regra, portanto a 18ª, que em
momentos precisos se deveria sobrepor a todas as outras que era justamente o
"bom senso". Excelente desiderato, digo eu, já que quando tudo parece
falhar sempre se tem à mão a única regra que pode dar sentido a uma qualquer
equação. Minha gente, já não é a primeira vez que me perguntam se eu sou de
direita ou de esquerda e ficam muito surpreendidos quando lhes respondo que eu
sou "do lado". Como já acima escrevi detesto rótulos e desconfio
fartamente de quem se assume como defensor urbi et orbi da pureza de um certo
ideal. Quanto mais não seja porque Torquemada era um acérrimo defensor dos
propósitos da sua missão e os eugénicos princípios de Goebbels não lhes
provocavam o mínimo constrangimento ou incertezas. Se eu vivesse na Grécia
clássica comungaria certamente de certas ideias da seita filosófica dos
Cínicos. Entre outras pérolas retóricas eles defendiam "que a uma verdade
se poderia contrapor uma outra efectiva verdade, justamente tão verdadeira
quanto a primeira". Bem observado quase se poderia emparelhar com a máxima
de Sócrates (não o 44, claro) ao defender "só sei que nada sei". É
isso pessoal. Tal como AG tenho muita dificuldade em arrogar-me defender ou
depender de verdades absolutas. Isso é mais para os limitados dos sentidos ou
dos seguidistas de turno a quem pensar dá uma trabalheira do caraças. Sou mais
adepto do que alguém defendeu "que o saber, contém em si próprio, os genes
do desespero". Por mim prefiro essa angústia existencial do que deixar-me
arrastar para o vórtice das certezas assumidas que na maior parte das vezes se
descobre não passarem de simples patranhas. A vida dos simples e simplórios é
bem menos conturbada e até, há quem o afirme, bem mais feliz? So what? Prefiro
antes o clamor individual da incerteza do que as certezas assumidas das
multidões. Como já acima escrevi "não papo grupos". Mesmo que como o
Luladrão lá dos Brasis me prometam ir passar a comer brevemente picanha. Essa é
que é essa!... José
Ribeiro: Fui
anti-comunista primário no séc XX e agora sou também anti-socialista primário
no séc XXI. Para mim são etiquetas tipo “100% caxemira”, que uso com todo o
gosto. S Beloobservador censurado: O mal é geral. Toda a sociedade
portuguesa sofre, e não apenas na vida política, desta maleita (mania?).
A "etiquetagem" além de gerar íntimos conflitos existenciais
é paralisante e perigosa João Floriano: Em suma, ou a IL existe para defender o que importa ou
é uma redundância existir. Mas se o IL não quer..........! O que se pode
fazer? Leva-se um burro até à palha, nem que o tenhamos que puxar, picar,
levar uns coices. Mas ninguém o consegue obrigar a comer a palha. O IL
apenas tasquinha a palha da oposição, com menos ou mais vontade dependendo dos
dias e dos assuntos. Meteram-se todos num bote e foram pescar para o meio do
lago. Entretanto Cotrim resolveu abrir um buraco no fundo do barco. Logicamente
vai afundar. Resta agora saber quem nada melhor e quem se afoga. Não é por se
ter um programa com 614 páginas (pdf) que se é mais eficiente a fazer oposição.
O CHEGA tem um programa de 21 páginas. Ninguém lê 614 páginas (parece o Guerra
e Paz do Tolstoi). Mas vinte e uma resultam melhor. Como em muitas outras
coisas na vida ter um programa grande não quer dizer que se seja mais eficiente
na hora de fazer oposição. Bye Bye Iniciativa Liberal! São mesmo redundantes! Américo Silva: O liberalismo é a enzima que permite fazer a digestão
da sociedade. Eu sou liberal, não me prendo à família, não me prendo à
religião, não me prendo ao sexo, não me prendo à cultura, não me prendo à
história. Assim, lavadinho e todo nu, como diria o António Botto, estou pronto
a ser comido pelo capitalismo internacional, sou um número, um cliente, um
segmento, um nicho de mercado, tanto compro um hijab da Nike, como alugo um jacto
privado para ir à cimeira da ecologia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário