sexta-feira, 2 de junho de 2023

A velha teoria


«O coração tem razões que a razão desconhece». O comportamento extraordinário do herói Zelensky mereceu certamente os argumentos de apoio à adesão da Ucrânia na NATO

Ucrânia na NATO: Quatro argumentos a favor da adesão

Segura no seio da NATO, seria mais fácil para Kiev negociar concessões territoriais à Rússia. Outro aspecto é que a adesão à NATO poderia significar um maior controle sobre as ações ucranianas.

01 jun. 2023, 00:183

MADALENA MEYER RESENDE Departamento de Estudos Políticos. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – NOVA FCSH

OBSERVADOR, 01 jun. 2023, 00:183

Enquanto se debatem os termos da paz, o Presidente Biden e outros líderes da Organização do Tratado do Atlântico Norte preparam a Cimeira de Vilnius, na Lituânia, em Julho, onde a adesão da Ucrânia será o principal ponto de negociação. Zelensky participará na cimeira, onde se espera que a aliança crie um novo órgão, o Conselho da NATO para a Ucrânia.

O consenso acerca da adesão é ainda inexistente. O que se debate neste momento é a criação de uma série de garantias de segurança asseguradas pelos Estados Unidos, o Reino Unido a França e a Alemanha. Estas são providenciadas bilateralmente, mas enquadradas na Aliança Atlântica.

Henry Kissinger, em entrevista ao Wall Street Journal na semana passada, a propósito do seu 100º aniversário, tomou uma posição clara, afirmando o seu apoio à entrada da Ucrânia na NATO. “Estou na posição irónica de ter estado sozinho quando me opus à adesão (em 2008) e de estar quase sozinho quando defendo a adesão à NATO (hoje).” Kissinger não elaborou excessivamente sobre as razões do seu apoio à entrada da Ucrânia na NATO, mas foi claro que considera que apenas esta garantia de segurança é suficiente.

A primeira razão para se concordar com Kissinger é óbvia: Todos os outros métodos de caucionar a segurança da Ucrânia, que incluíam a garantia das fronteiras do novo estado europeu pelas potências nucleares, não resultaram. A defesa das fronteiras da Ucrânia foi assegurada no Memorando de Budapeste sobre Garantias de Segurança (1994), originalmente assinado por três potências nucleares: a Federação Russa, o Reino Unido e os Estados Unidos. A China e a França deram garantias individuais em documentos separados mais tarde. O Memorando de Budapeste pode ser visto como o Rolls Royce das garantias de segurança, semelhante ao agora proposto pelos aliados à Ucrânia. Contudo, este não impediu a invasão russa nem 2014, nem tão pouco em 2022. A adesão à NATO parece, por isso, o único cenário em que Kiev pode considerar a sua fronteira internacionalmente assegurada.

O segundo argumento para apoiar a adesão da Ucrânia à NATO prende-se com a melhoria das condições em que a Ucrânia se encontraria no contexto das possíveis negociações de paz. Segura no seio da NATO, seria mais fácil para o governo em Kiev negociar concessões territoriais à Rússia, incluindo, eventualmente, a Crimeia. Outro aspeto deste argumento é que a adesão à NATO poderia significar um maior controle sobre as acções ucranianas. No seio da aliança seria mais fácil influenciar a Ucrânia e o seu comportamento face à Rússia. Este argumento implica a abertura de uma excepção. Mas dadas as circunstâncias – já é factual que as fronteiras de segurança europeia serão as de Kiev – não seria descabido enquadrar a Ucrânia de forma excepcional.

Em terceiro lugar, há um argumento histórico que importa mobilizar. Desde o grande alargamento da União Europeia, em 2004, que todos os novos membros se tornaram primeiro membros da NATO. A lógica de que a entrada numa União que partilha os seus recursos económicos entre os membros pressupõe uma garantia de segurança de primeira água é clara. Para a Ucrânia, aplica-se a mesma lógica, aumentada pela evidência de que está rodeada de vizinhos perigosos.

Por fim, a adesão da Ucrânia à NATO seria, sem dúvida, uma excelente lição para a Rússia. Foi para a impedir que Vladimir Putin invadiu a Ucrânia. A ironia de que o resultado da sua acção seja o exacto oposto da sua intenção parece uma excelente forma de dissuadir Moscovo no futuro.

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COMENTÁRIOS:

Eduardo L: Repito aqui um comentário que fiz recentemente: Esta guerra não tem fim à vista. Há duas 'quadraturas de círculos' completamente impossíveis: - território: os ucranianos nunca vão abdicar de recuperar o território (oblasts) ocupado pelos russos e estes nunca vão aceitar abandoná-lo - segurança: para os russos (desde há muito) ter a NATO na Ucrânia é uma 'ameaça existencial' e assim inaceitável (neste ponto a única coisa que conta é o que os russos pensam, as nossas opiniões são interessantes mas não contam); os ucranianos, por seu lado, precisam de garantir a sua própria segurança como país e, para isso, só existe a NATO (concordo neste ponto com a colunista). Assim sendo, negociações são impossíveis. Ou se decide 'congelar' o conflito 'a la' Coreia ou se perpetua o mesmo indefinidamente (ex. os americanos levaram 20 anos a sair do Afeganistão). A tentativa do Ocidente de empurrar a Rússia para trás ou de incluir a Ucrânia na NATO, acarreta o enorme risco de despoletar um conflito nuclear. Não consigo imaginar uma saída mais positiva além do dito 'congelamento' para parar com a mortandade e destruição em curso.                       Francisco Almeida: Tendo em conta o Artº 6º ou eu já não sei pensar ou, de duas uma: Ou, seguindo-se a um cessar fogo, reconhece-se a actual ocupação no terreno como as novas fronteiras da Ucrânia ou a entrada da Ucrânia na NATO é uma declaração de guerra da NATO À Federação Russa.                        Eduardo L > Francisco Almeida: exactamente! em linha com o meu comentário acima.                       J. Lopes: Quando a morte está perto há que se redimir seja crente ou não, mas é tramado o medo do juízo final, mesmo dizendo que não se acredita nele, um cínico é sempre um cínico: "Henry Kissinger, em entrevista ao Wall Street Journal na semana passada, a propósito do seu 100º aniversário, tomou uma posição clara, afirmando o seu apoio à entrada da Ucrânia na NATO. “Estou na posição irónica de ter estado sozinho quando me opus à adesão (em 2008) e de estar quase sozinho quando defendo a adesão à NATO (hoje).” Kissinger não elaborou excessivamente sobre as razões do seu apoio à entrada da Ucrânia na NATO, mas foi claro que considera que apenas esta garantia de segurança é suficiente”.                bento guerra: Na realidade, a NATO já aderiu à Ucrânia               João Alves > bento guerra: Engana-se. Foi em consequência da actuação da Federação Russa que, factualmente, a Ucrânia já está integrada na NATO, embora com restrições. Putin, com a sua ‘operação militar especial’ e com a sua retórica anti-NATO, foi quem transformou as fronteiras entre a Ucrânia e Federação Russa+ Bielorrússia nas fronteiras entre estes países e a NATO.

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