Havia de ter paragem, essa tal de
arrogância? L’État c’est lui, que tem
na mão a faca e o queijo, queijo do exterior provindo. Até ver, está como quer,
não tem que satisfazer a não ser seu próprio ser, mesmo na questão do ter. O
que se há-de fazer? Viver e deixar viver, pois que o ser e o fazer dependem do
muito ter, que cria o real saber e o correspondente poder.
A arrogância da maioria absoluta não tem paragem
técnica com o amigo húngaro de António Costa
Explicar o uso do Falcon para ir ver a
bola ao lado de um anti-semita é tão importante como justificar a ausência do
Governo em Pedrógão. A maioria absoluta não é um salvo conduto para a
hipocrisia.
LUÍS ROSA Redator
Principal e colunista do Observador
OBSERVADOR, 20
jun. 2023, 07:0959
1Confesso que estou como a maior parte dos portugueses
estarão: cansado dos sucessivos casos e casinhos do Governo de António Costa.
Uns mais importantes do que outros — mesmo assim nada que suplante aquilo que é
verdadeiramente essencial: a ausência de políticas públicas reformistas que
tenham o desígnio de alcançar a média da riqueza e do poder de compra dos 27
países da União Europeia.
E não, os fogachos inconsequentes (por
não serem constantes e estruturais) do crescimento do PIB não fazem com tal
desígnio seja assumido.
Ficamos
cansados dos inúmeros casos que marcaram a vida desta maioria absoluta desde
março de 2022 e verdadeiramente enjoados dos sucessivos episódios da telenovela
da Comissão Parlamentar de Inquérito da gestão da TAP — algo que os spin
doctors do Governo anteciparam, e bem.
Contudo, há uma característica do
primeiro-ministro que contamina (cada vez mais) o seu Executivo e que não pode
ser desvalorizada, sob pena de a saúde da nossa democracia se degradar para
níveis insustentáveis — e que passarão a constituir a nova bitola para os
sucessores deste Governo.
Refiro-me à forma como António
Costa e os seus ministros recusam a prestação de contas mais elementar e
praticam despudoradamente a opacidade. É a chamada arrogância da maioria
absoluta.
2Veja-se o caso da viagem da António Costa a Budapeste para ir ver a final da Liga
Europa. É um casinho completamente dispensável que só
existe em parte porque o primeiro-ministro se recusou a explicar ao Observador
logo ao início o que tinha acontecido.
São
perguntas básicas: por que razão o primeiro-ministro não colocou o jogo da
final da Liga Europa na sua agenda pública? E por que razão não explicou logo
ao Observador exactamente o que veio dizer esta
segunda-feira, três dias depois de a notícia ter sido publicada: o
convite partiu da UEFA e só se sentou ao lado de Orban por razões protocolares?
Os seus camaradas e ex-camaradas
socialistas (como Paulo Pedroso) começaram por ensaiar que Costa foi só dar
um abraço a José Mourinho (treinador de uma das equipas finalistas).
Pelo caminho inventou-se pura e
simplesmente que era necessário uma paragem técnica em Budapeste por falta de
autonomia do Falcon para continuar a viagem até à Moldávia. O que é falso, basta consultar o site da Força Aérea.
E ainda teve de vir o Presidente
Marcelo Rebelo de Sousa em socorro de António Costa para dizer que não via qual
era o mal, homenageando os bons velhos tempos em que o PM lhe segurava o
guarda-chuva para o proteger da chuva de Paris.
Afinal, não era necessária nenhuma
paragem técnica, o convite foi oficial e Costa só ficou ao lado de Orban (de
quem obviamente não é próximo) porque foi obrigado pela UEFA. Aquele smile com
os olhos revirados para cima vinha mesmo a propósito aqui.
3Não se percebe como um político tão experiente e
profissional como António Costa deixa que um casinho destes cresça durante três
longos dias quando a explicação é tão simples como aquela apresentada esta
segunda-feira.
Confesso, contudo, que acredito mais
noutra explicação: a arrogância política de quem entende que está no conforto
da maioria absoluta e não tem de dar explicações sobre o que faz com um Falcon
propriedade e pago pelos contribuintes portugueses. O que é um pouco ridículo
quando a viagem feita a convite da UEFA justifica claramente a utilização da
aeronave, visto Costa estar a representar o Estado português.
Não sei se António Costa está em campanha
para um cargo europeu mas lembro-me perfeitamente como um ministro do seu
Governo me explicava o encanto do primeiro-ministro pelos holofotes da
política europeia durante a presidência portuguesa em 2021.
Uma coisa é certa: António Costa tem uma relação próxima com Viktor
Orban. Não sei se a proximidade nasce de uma atracção política pelo perfil
autoritário de Orban — a atracção pelos “homens fortes”, como a psicologia
política explica — mas certo é que Costa já deu sobejos exemplos dessa proximidade.
Como recordei aqui,
Costa chegou a dizer que era um “exagero” classificar a Hungria e a Polónia
como “autocracias” quando estes dois países se arriscavam a sanções por um
risco claro de violação grave das regras do Estado de Direito e dos valores em
que se baseia a União Europeia.
E quando Viktor Orban já tinha feito o
seguinte (e acredite, caro leitor, é apenas uma breve e sucinta descrição de
posição extraordinárias do primeiro-ministro húngaro; há muitos outros
exemplos):
Orban promoveu uma retórica anti-semita contra
o empresário George Soros, apenas porque o filantropo judeu de origem húngara
discorda das suas políticas;
Garantiu aos romenos da
Transilvânia que não queria que os húngaros se tornassem em “pessoas
de raça mista”
Classificou o italiano Matteo Salvini como
um “herói” pelas suas políticas anti-imigração, além de considerar os imigrantes “como bombas e
ameaças biológicas”. As declarações entre aspas são de Orban, não de Salvini.
E
que, the last but not the least, destruiu qualquer ideia de separação de
poderes, controlando o poder judicial a seu gosto, e mandou fechar vários
órgãos de comunicação social que ousaram escrutinar o seu Governo.
Refira-se, por último, que António
Costa deu uma ajuda fundamental a Orban quando defendeu, aquando
da discussão da definição de regras para atribuição de fundos europeus para o
pós-covid, que o respeito pelas regras do Estado de Direito não devia ser
critério para a distribuição dos fundos europeus.
4Que não tenhamos grande dúvidas: um
dos grandes amigos de Vladimir Putin na União Europeia, que beneficiou durante
anos da venda de gás russo a preços de
amigo (o que muito o ajudou a conseguir uma energia barata e o
respetivo apoio popular) tem em António Costa um claro aliado no Conselho da
União Europeia.
É por isso que não podemos deixar de
constatar que a seguinte contradição: o
António Costa que se queixa (e com razão) de ser vítima de racismo em Portugal,
é o mesmo António Costa que se arma em grande pragmático e vai à bola com o
anti-semita, racista e autoritário Viktor Orban.
Bem
sabemos que os socialistas formais e informais do espaço público são muito
seletivos nos seus ódios de estimação internacionais. Mas é preciso ser muito
hipócrita para querer impor uma cerca em redor do Chega pelas suas posições
xenófobas e racistas e ficar cego, surdo e mudo quando António Costa tem em
Viktor Orban um grande aliado a nível europeu.
5A arrogância da maioria
absoluta que se viu no casinho do Falcon repete-se com muita regularidade desde
março de 2022 — e parece que persistirá até ao final do mandato deste Governo.
Veja-se, por exemplo, como nenhum
representante do Executivo esteve presente na inauguração do memorial de
homenagem às 66 vítimas mortais e aos 253 feridos dos incêndios que deflagraram
a 17 de junho de 2017 em Pedrógão Grande.
E
como o próprio primeiro-ministro tentou responsabilizar no Twitter a Câmara
Municipal de Pedrógão Grande (curiosamente, ou talvez não, uma autarquia que o
PSD ganhou ao PS) pelo facto de a cerimónia não se ter realizado. O gabinete de
Costa foi obrigado a apagar esse tweet e a substitui-lo por outro em que,
afinal, faltava ainda um acordo entre o Governo, a Comunidade Intermunicipal da
Região de Leiria e os familiares das vítimas.
Foi
mais uma trapalhada que ficou resolvida, vá lá, com um pedido de desculpa da
ministra Ana Abrunhosa.
6A arrogância da maioria absoluta
também se vê noutras situações em que o Governo nada diz sobre as soluções ou
nada faz quando se impõe uma tomada de posição pública clara.
Olhemos para o caso da greve dos
funcionários judiciais que dura desde fevereiro e que já terá obrigado ao adiamento
ou anulação entre 40 mil a 45 mil diligências — um valor que demonstra como a
máquina da administração da justiça está a ser seriamente afectada pelas
sucessivas greves.
Ora,
a ministra Catarina Sarmento e Castro
(que poucos portugueses sabem quem é, tal é a sua ausência do espaço público)
nunca se reuniu verdadeiramente com os sindicatos dos oficiais de justiça. E o
próprio secretário de Estado da Justiça em quem a ministra delegou as
negociações não fala com os sindicatos desde o final de março.
Isto quando está a decorrer até o dia 14
de julho o terceiro período de greve e a ministra da Justiça diz que apenas
tentará resolver o problema no final do ano com uma nova proposta de estatuto
para os oficiais de justiça. É, uma vez mais, o conforto da maioria
absoluta a ditar as regras.
7Último exemplo: o laxismo verdadeiramente preocupante do
Ministério do Trabalho e da Segurança Social sobre o chamado caso B Sports — uma academia de futebol cujos responsáveis
são suspeitos do crime de tráfico de pessoas no caso de 47 jovens, sendo 36
deles menores de idade.
Ora,
a academia B Sports tem uma certificação como entidade formadora da
Direção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho, sendo igualmente certo que
B Sports usa o logo oficial do Governo e da República Portuguesa nos seus
vídeos promocionais que mostra ao mundo.
E
o que faz a entidade pública que certificou a academia de Mário Costa como
entidade formadora? Nada, visto que garantiu à RTP que não via razões para
fazer uma auditoria para perceber se a B Sports ainda cumpre as regras para a
certificação.
Onde
está a ministra Ana Mendes Godinho perante uma atitude tão laxista como esta?
Isto não é motivo para que a ministra do Trabalho actue e ordene uma auditoria?
Parece-me que sim…
Contudo, num Governo em que os ramos mortos persistem em dar provas
de vida, tudo é possível. Até apoiar Viktor Orban na Europa e fazer de André
Ventura em Portugal o inimigo público número 1.
GOVERNO POLÍTICA ANTÓNIO COSTA
COMENTÁRIOS (de 59):
João Ramos: De acordo com as referências aos usos e abusos por parte deste governo,
para além da sua inutilidade como utilidade para o futuro do país o que são
factos mais que provados, mas também tenho que fazer duas observações, primeiro
e para criticar Orban, usar o milionário Soros a personagem impoluto quando ele
não é “flor que se cheire”, em segundo lugar é o facto do autor referir que
Costa é vítima de racismo, o que não passa de uma falácia, se a referência é
devida aos cartazes dos professores, eles apenas faziam um paralelismo com o
livro de Orwell, paralelismo esse com o qual estou de acordo! Maria Gingeira: Relativismo é perguntar a
propósito disto e daquilo: qual é o mal? Infelizmente vamos continuar a ficar
com caras de parvos, isto é, perplexos, com a quantidade de vezes que nos irão
colocar perante factos chocantes e nos perguntarão “qual é o mal?” Português indignado: O Costa tem cada vez mais a
mentalidade : o Estado sou eu. Vergonhoso, indecente. Farto destes socialistas
horrorosos. Maria
Cordes: E o tal convite
será verdadeiro? Chegou tarde e a más horas o esclarecimento, o Sr Costa não
pode viajar em voos comerciais?, os meus quase 50% de impostos, sem
praticamente nenhumas contrapartidas, seriam mais bem aplicados do que encaixar
a gordura do Sr. Costa num voo privado. Tornou - se a coutada deles, e nós os
lacaios. António Viegas: Faltou referir nesta crónica
dois factos graves: 1. O primeiro-ministro pediu a antecipação de um debate
parlamentar (que foi concedida) com a desculpa que era para chegar a horas à
cimeira. Afinal era para ir à bola,.. 2. Escondeu a "ida à
bola" pois não a inseriu na agenda oficial da viagem. Só ficámos a saber o
que se passou por causa do Observador………………………………………………………………………………………………………………….
.Rui Pedro Matos: E no ministério da Agricultura?
E no ministério da Coesão Territorial? E no ministério das Infraestruturas? E
no ministério das Finanças? ....e no Conselho de Ministros? ....e em toda a
governação pk tudo é arrogância e sobranceria! Até se reúne por
video-conferência, o Conselho de Ministros, denota-se o estilo de colaboração
entre ministérios! ACORDAI ACORDAI HOMENS QUE DORMIS!
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