quinta-feira, 1 de junho de 2023

Faço minhas

 

As palavras de J. Lopes, do seu comentário à crónica “A vingança da realidade” de Maria João Avillez.

«J. Lopes: Sá Carneiro foi e é passado, nunca saberemos o que aconteceria, não fosse o que aconteceu e se seguiu, embora saibamos quem se seguiu, pessoa que detesto e sempre detestei, hoje ainda mais pela Imprensa dos subsídios do estado falidas, são a nova censura, mais a RTP e a TVI. O PSD não tem líder por força de Rio, Montenegro nem controla os deputados, não se assume, mas pode sempre dizer que foram eleitos pelas listas do PSD feitas por Rio, não tem de servir de guarda-chuva aos seus esquemas, como os do PS e PCP nas Câmaras. Estratégia é do que o PSD necessita mas tem um problema, não se assume como Direita ou Conservador e Montenegro segue apenas a táctica e atrasada, não tem carisma , reage sempre a reboque de Costa o governante do poder pelo poder, é o responsável pela desgraça em que o país se encontra e sabe que terá sempre uma Geringonça à esquina. Portugal não é Espanha, porque depois de Franco veio Adolfo Suarez, em Portugal vieram Cunhal e Soares e os militares traidores, já antes de Abril e depois, subordinados ao PCP controlado pela URSS, foram eles os responsáveis pelo que Portugal é hoje.»

A “vingança da realidade”

As coisas transformaram-se no que se transformaram graças à contemporização letárgica ou demissionária de muitíssimos com este estado de coisas. Acreditar deixou de ser uma prioridade.

MARIA JOÃO AVILLEZ, Jornalista, colunista do Observador               Observador, 31 mai. 2023,

1Vejo as imagens, revejo-as, confundo-me: vivemos aquilo, éramos assim? Simplesmente acreditávamos? Ou resume-se tudo preguiçosamente a um “Ah, outros tempos…” ?

Falo de imagens marcantes que assinaram rupturas e evoco outras, agilmente sedutoras, que nos trouxeram a festa. Mas em ambas a marca “acreditar” é a mesma. As primeiras nasceram de um magnifico documentário da autoria de Alberta Marques Fernandes, apresentado há dias na RTP 1 sobre Conceição Monteiro, “A Militante número dois” (a ver e rever); as segundas chegaram-nos também televisivamente a propósito do aniversário da inauguração da Expo 98. Embora por razões de natureza muito distintas, há em ambos os casos, o mesmo selo de garantia: valia a pena acreditar.

2Sim: acreditava-“se” e aqui o que menos importa é a dimensão do “se”. Francisco Sá Carneiro tinha fornecido ao país a promessa de outra coisa. Com uma convicção de aço – e igual energia – que transbordam das imagens. A verosimilhança política do que propunha, algo quase proibido no país pela “nomenclatura”, confundia-se porém com o que uma muito considerável parte dos portugueses percepcionava já (faltava-lhes era o porta voz): a indispensabilidade de uma ruptura através do “achamento” de um porto de abrigo não revolucionário, que acolhesse – e fortalecesse – uma democracia civilista ainda balbuciante, ainda tutelada. Assim em duas linhas parece pouco, foi imenso, ficaram sementes até hoje. Se nem sempre foram bem cuidadas é outra história, o que me interessa sublinhar é que houve quem – com êxito e em situação de puro cerco – deitou as sementes ao solo do centro e da direita, num tempo em que tal não se fazia: a direita era mais ou menos designada como culpada de existir… E as imagens (para além de revisitarem muito bem a colaboração ímpar de Conceição Monteiro com Sá Carneiro) são como um líquido apetecido, que vai escorrendo do documentário e apetece beber. Dos anos escaldantes de 74/75, até aos oitenta do século passado não se sabe o que reter, se o exemplo político, se a prova de que foi possível. Ambos, provavelmente.

3Em 1998 éramos felizes e achávamos que nunca mais seríamos pobres: havia auto estradas, televisões privadas, festivais, descobriam-se “movidas”, liam-se muitos jornais, vinham estrangeiros, abriam restaurantes: o desenvolvimento do país, tanto (nesta) forma como na substância, era uma verdade. Levávamo-nos a sério. Aquela Expo era o farol cuja incandescência nos ampliava as certezas. E o sermos “da” Europa, certificava tudo. Derisoriamente ou não, acreditávamos.

4Valerá a pena evocar “outros tempos” ou sequer interessa evocá-los? Não me parece, o exercício é ocioso. A “culpa” não é de ter havido melhores tempos, ou sequer de “acharmos” que eles existiram. Será antes do pouco que fazemos para recusar os anos baços de hoje, e nos comprometermos com outros. Desfazendo o novelo do empobrecimento sem contrabalanço algum (além das “contas certas”, ontem tão malditas, hoje tão benditas, tristes herdeiros).

Claro que há gente que ainda aplaude, gente sem queixas, há os concordantes, os fiéis, os que insistirão. Têm esse direito. Claro que houve avanços, desenvolvimento, progressos, quem o contesta e aí estão os números. Mas e agora? Hoje? Um hoje que dura há tempo demais? Por mim quase me sinto uma “colaboracionista” – palavra temível. As coisas transformaram-se no que se transformaram graças (não sei se também, se sobretudo) à contemporização letárgica ou demissionária de muitos – muitos – com esse mesmíssimo estado de coisas. Acreditar politicamente em alguém ou alguma coisa – um ideal, um modelo, uma ideia, um ramo de propostas – deixou de fazer qualquer sentido. Para quê se há mais vida num mundo paralelo, despoluído da política? E no entanto… as sementes ficaram, o eco da voz também. Mas quem colherá umas e expressará a outra?

Ou seja, acreditar deixou de ser uma prioridade. Nos anos a que aludi, era quase o ar que se respirava.

5Tudo isto me trouxe à memória uma frase do antiquíssimo Horácio que vi há dias citada num jornal estrangeiro: “toda a realidade ignorada prepara a sua vingança”. Se há algo de permanentemente ignorado, fingido ou manipulado de há muito até hoje, é obviamente a realidade. A nossa. Vingar-se-á ela um dia?

Havendo poucos gestos tão inúteis como chorar sobre leites derramados ou praticar saudosismos inférteis, preferiria assistir ao exercício (devia ser obrigatório) da vitória da realidade sobre a obsessiva ficção que a tem substituído.

Foi o que acabou de acontecer a Pedro Sánchez, nosso vizinho (mas felizmente não nuestro hermano): a realidade da qual ele foi um galante e deslizante manipulador, virou-lhe o dente. Diz-se que foi de vez mas a manipulação tem várias encarnações.

A única dúvida-delicada de tão pouco trivial – é a de saber se caso a nossa realidade venha um dia a revoltar-se contra a negação, a “vingança”, ainda virá a tempo. A tempo da única grande questão, a tempo do que começa a estar seriamente em causa: o regime ainda se regenera? Quando se bate no fundo já não há saídas de emergência. Mas uma coisa é certa: se o regime soçobrar também foi por minha responsabilidade.

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COMENTÁRIOS:

João Ramos: Bom artigo Maria João, esta é a triste realidade da nossa nostalgia, que também ela é de certo modo culpada por esta quase inacreditável situação… valha-nos às vezes o prof. Cavaco Silva para nos fazer cair na realidade e talvez pensarmos que ainda poderá haver esperança…???                        J. Lopes: Sá Carneiro foi e é passado, nunca saberemos o que aconteceria, não fosse o que aconteceu e se seguiu, embora saibamos quem se seguiu, pessoa que detesto e sempre detestei, hoje ainda mais pela Imprensa dos subsídios do estado falidas, são a nova censura, mais a RTP e a TVI. O PSD não tem líder por força de Rio, Montenegro nem controla os deputados, não se assume, mas pode sempre dizer que foram eleitos pelas listas do PSD feitas por Rio, não tem de servir de guarda-chuva aos seus esquemas, como os do PS e PCP nas Câmaras. Estratégia é do que o PSD necessita mas tem um problema, não se assume como Direita ou Conservador e Montenegro segue apenas a táctica e atrasada, não tem carisma , reage sempre a reboque de Costa o governante do poder pelo poder, é o responsável pela desgraça em que o país se encontra e sabe que terá sempre uma Geringonça à esquina. Portugal não é Espanha, porque depois de Franco veio Adolfo Suarez, em Portugal vieram Cunhal e Soares e os militares traidores, já antes de Abril e depois, subordinados ao PCP controlado pela URSS, foram eles os responsáveis pelo que Portugal é hoje.                       Alberico Lopes: Parabéns, Maria João! Excelente e lúcida como sempre!                 C Barria: Bom texto e pensamento lúcido, como sempre. A camela da realidade está sempre a meter-se entre nós e os nossos sonhos. faz-me lembrar aquela estória da flauta e dos ratos. Que vão atrás da música tocada pelo flautista, até ao precipício. assim está esta geração. ao som de música e ratos.                  bento guerra: Não ignorem as "circunstâncias". Sá Carneiro é passado e Pedro Sanchez foi oportunista, A questão está em conhecer e avaliar o que está em causa e a realidade circundante     S Belo: Esplêndido artigo, MJA. Obrigada                     Madalena Sa: Tão bom este artigo MJA! Que saibamos ser dignos dum Sá Carneiro e ajudemos Portugal a erguer-se! Assim Deus nos dê forças !!!                     Fernando CE: Deus a oiça. Mas há uma “elite” a comer da gamela e os pobres com medo que lhes tirem o pouco que têm. Falta um Sá Carneiro ou um Cavaco Silva. Não vejo no horizonte actual ninguém com a fibra dos dois e um projecto reformador galvanizante devidamente sustentado. Pobre país.                     Alberico Lopes > Fernando CE: Eu pelo contrário, vejo pelo menos mais um: Pedro Passos Coelho!                   Maria da Graça de Dias > Alberico Lopes: Absolutamente de acordo.                     S BeloAlberico Lopes: Com realce para a CS, PPC foi e ainda é o político mais vilipendiado e menosprezado desde o 25/a . Por muito patriótico que seja deve pensar que para tudo há limites.                    Pobre Portugal: "gente que ainda aplaude, gente sem queixas": SIC/Expresso/RTP/Público/JN/TVI/etc. Ou seja, 99% da comunicação social.                  S Belo  > Pobre Portugal: Também aplaudem os pobres que, temerosos de mudanças, se contentam com as migalhas que sobram da mesa dos tiranos.               Joao Barbosa > Pobre Portugal: Com essa comunicação social vendida ao poder não vamos longe. É manipulação constante a favor dos mais fortes e sempre aos améns a quem paga. Independência é zero, sempre a voz do dono                   Maria Nunes: MJA, obrigada por este excelente artigo. Acreditámos e temos que continuar a acreditar, apesar das terríveis circunstâncias em que nos encontramos. É absolutamente necessário que os mais velhos e mais sabedores, os que ainda têm escrúpulos, se cheguem à frente. Nos partidos ainda há gente que pode reverter a situação do nosso país.                        JOHN MARTINS: Hoje, a MJ, brinda-nos, com um texto cheio de história, mas também com algumas perplexidades. Ao recordar Conceição Monteiro, uma das figuras mais históricas de Portugal, a quem o PSD muito deve; é o momento mais alto do seu artigo. Já as perplexidades, vindas do fim do Sanchismo, ou à falta da regeneração do nosso regime, é quase assustador! Estamos todos fartos de muita coisa que tem acontecido, e não o devia ter? Certamente que sim. Mas estejamos sempre prontos, sem tibiezas para defender a DEMOCRACIA, como fez Sá Carneiro e a grande MULHER Conceição Monteiro!

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