domingo, 25 de junho de 2023

Volte face?

 

Parece antes aparato cénico bem cínico. Ou brincalhão, provocador de falsas esperanças, enganadoramente aventureiro e corajoso, próprio destes tempos de espectáculo e desrespeito humano.

O ódio às chefias militares e um mercenário ambicioso: o que se passou para o grupo Wagner começar uma "rebelião armada"?

JOSÉ CARLOS DUARTE: Texto

OBSERVADOR, 24/6/23

Críticas de Prigozhin a Ministério da Defesa multiplicaram-se nos últimos meses. Líder do grupo Wagner jogou o tudo ou nada e revoltou-se contra aqueles que vê como adversários —Shoigu e Gerasimov.

Foi a gota de água num copo que transbordou. Nos últimos meses, o líder do grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, desdobrou-se em críticas e insultos (e até publicou fotografias com cadáveres) contra o Ministério da Defesa russo, chefiado por Sergei Shoigu, e contra o comandante das tropas russas, Valery Gerasimov. A frustração era visível, mas quase ninguém estava à espera que, esta sexta-feira, a milícia paramilitar decidisse entrar por território russo, num movimento que o Serviço Federal de Segurança equiparou a um apelo à guerra civil.

Na cabeça de Yevgeny Prigozhin, aqueles dois responsáveis militares, em quem o Presidente russo confia quase de olhos fechados, são a causa dos insucessos militares russos na Ucrânia, que, na versão do chefe da milícia paramilitar, já originou a morte mais de 100 mil pessoas. “Incompetentes”, chegou a descrever o líder do grupo Wagner. Assistindo a este cenário, Vladimir Putin aparentava ignorar o que se passava, nunca se pronunciando sobre a tensão entre as duas fações.

Fundado em 2014 após a anexação da Crimeia, a milícia paramilitar Wagner, que combateu em vários pontos de África, nunca se assumiu como braço armado do regime russo. Havia desconfianças, mas nunca comprovadas. Até que, no final de 2022, o grupo armado — considerado uma organização criminosa pelos Estados Unidos — deu um sinal inequívoco de que estaria ligado ao Kremlin ao defender a cidade de Bahkmut.

Foi naquela localidade que se desenvolveu um dos combates mais sangrentos desde que a guerra na Ucrânia começou — e que durou mais de seis meses. Após os desaires das forças armadas russas em Kharkiv e em Kherson, Vladimir Putin permitiu que a milícia paramilitar lutasse em Bahkmut, no rigoroso inverno ucraniano. Apesar da forte resistência de Kiev, o grupo Wagner foi obtendo algumas vitórias — até controlar quase por completo a cidade, em maio de 2023.

Ganhando grande protagonismo com a batalha de Bakhmut, Yevgeny Prigozhin anunciou que o grupo Wagner abandonaria a localidade no início de junho de 2023. Nessa altura, a milícia paramilitar parecia caminhar para a dissolução ou para a integração nas forças armadas russas. Nenhum dos cenários agradava ao mercenário que, durante este mês, intensificou as críticas ao Ministério da Defesa russo. Tanto assim foi que, esta sexta-feira, chegou a colocar em causa as razões invocadas por Vladimir Putin para iniciar a invasão (mas nunca o culpou, antes disse que o Chefe de Estado foi mal informado).

Ciente da animosidade, ainda este mês, Sergei Shoigu tentou absorver a milícia nas forças armadas russas, mas foi confrontado com a esperada oposição cerrada dos mercenários. A situação ficou indefinida durante semanas. Nas últimas horas, Yevgeny Prigozhin tentou elucidá-la e — com 25 mil dos seus mercenários, segundo aquilo que relatou num dos vários áudios divulgados durante esta sexta-feira — entrou território russo adentro. “Estamos prontos para lutar e para morrer”, anunciou.

Sergei Shoigu tentou absorver grupo Wagner nas tropas russas

RUSSIAN DEFENCE MINISTRY PRESS SERVICE / HANDOUT/EPA

A substituição do aliado de Prigozhin que motivou as críticas

No final de 2022, surgiram os primeiros rumores que o grupo paramilitar Wagner começaria a combater em Bakhmut, algo que se veio a confirmar mais tarde. Inicialmente, parecia haver uma certa sintonia entre o comando militar e os mercenários — afinal, Sergey Surovikin, o antigo comandante das tropas russas na Ucrânia, era um dos aliados de Yevgeny Prigozhin, que mantinha, ainda assim, tensões com Sergei Shoigu.

Tudo mudou no início de 2023. Com o objectivo de melhorar o comando e controlo das forças armadas russas e após os falhanços em Kherson, Vladimir Putin decide substituir Sergey Surovikin no cargo por Valery Gerasimov, que já então era chefe do Estado Maior das Forças Armadas Russas. A partir daqui, a atmosfera alterou-se e aumentou a tensão — mais ainda.

Yevgeny Prigozhin estava a tornar-se uma espécie de celebridade de guerra com uma grande base de apoiantes nas redes sociais, onde partilhava as atualizações na linha da frente. Em declarações ao Observador no passado mês de janeiro, Dmitry Gorenburg, especialista na área da política russa no David Center pertencente à Universidade de Harvard, notava que existiam esforços de Yevgeny Prigozhin para “aumentar a sua influência e o seu estatuto dentro do círculo restrito de Putin”.

Aliás, a tese de que o líder do grupo Wagner queria aspirar a uma carreira política ganhou mais credibilidade na altura. Falava-se mesmo na hipótese de que Yevgeny Prigozhin desejava suceder a Vladimir Putin, ainda que o líder do grupo Wagner tivesse rejeitado esse cenário em várias entrevistas. Ainda assim, o cargo que talvez o mercenário mais almejaria era de o ministro da Defesa da Rússia — e isso justificaria as desavenças com Sergei Shoigu.

Ora, a decisão de Vladimir Putin em nomear Valery Gerasimov, um aliado de Sergei Shoigu, foi encarado como uma forma de esvaziar as aspirações políticas e o papel do chefe do grupo Wagner na guerra. A reacção de Yevgeny Prigozhin não tardou, atacando a “luta entre ramos, burocracia, corrupção e dirigentes políticos que se querem manter no lugar” nas forças armadas — numa crítica destinado ao seu maior adversário.

Numa verdadeira luta pelo poder, o Presidente russo privilegiou a facção do Ministério da Defesa. Em parte, a decisão teve como objectivo centralizar a hierarquia militar russa na tutela que tem como responsabilidade geri-la. Mas também foi, de acordo a visão do Instituto do Estudo da Guerra num relatório de janeiro, “para dar um sinal — quer internacional, quer domesticamente — que o Kremlin continua dedicado a manter as mesmas estruturas de poder do Ministério da Defesa russo.”

O relatório foi ainda mais longe e defendeu mesmo que a remodelação nas altas patentes das Forças Armadas da Rússia era um “gesto político” para “fortalecer o Ministério da Defesa russo dos desafios dos bloggers russos e de outros críticos, como o financiador do grupo Wagner Yevgeny Prigozhin”.

A batalha de Bakhmut e o seu fim

Depois desta remodelação, Yevgeny Prigozhin foi ainda mais vocal nas críticas endereçadas ao ministério da Defesa. Ao longo dos meses, o conflito na localidade de Bakhmut foi evoluindo favoravelmente para o lado das milícias paramilitares — e, por conseguinte, para a Rússia, — mas havia sempre um clima de guerra interna entre os mercenários e as chefias militares de Moscovo.

Um dos episódios que mais marcou as relações entre as duas facções teve a ver com a suposta falta de munições. Num vídeo publicado nas redes sociais no final de abril, o líder do grupo Wagner acusou o Ministério da Defesa de não fornecer equipamentos para que os mercenários combatessem. Yevgeny Prigozhin chegou mesmo a ameaçar que abandonaria Bakhmut caso Sergei Shoigu não aceitasse enviar munições para a linha da frente. O ministro terá cedido — pelo menos, as queixas do chefe paramilitar diminuíram de tom.

Quinze dias depois deste episódio, Yevgeny Prigozhin anunciava que Bakhmut fora conquistada pelo grupo Wagner, adiantando que abandonaria a localidade nos dias seguintes. As forças armadas russas confirmaram a informação, passando a estar encarregadas de proteger a cidade, missão que o chefe paramilitar indicou ter várias dúvidas que será bem sucedida.

Terminada aquela que foi uma das batalhas mais longa da guerra, o chefe da milícia paramilitar anunciou que os seus mercenários não iam combater, pelo menos nos próximos tempos, e saíam da linha da frente. Ao mesmo tempo, a Rússia tentava incluir nas suas tropas o grupo Wagner, ainda que sem sucesso.

O Presidente russo, a única voz que Yevgeny Prigozhin parecia confiar, insistiu na necessidade de os mercenários se juntarem às tropas russas, argumentando com os benefícios de que passariam a usufruir. Mas o chefe paramilitar voltou a rejeitar. “Quando a pátria estava com problemas, quando era necessária a ajuda do Wagner e fomos todos defendê-la, o Presidente prometeu-nos todas as garantias sociais”, lembrou , ironizando que igualmente registou “20 mil mortos”. “Eles deveriam também assinar um contrato com o Ministério da Defesa?”, questionou.

O pós-Bakhmut até dia 23 de junho

Nas semanas que se seguiram à retirada de Bakhmut, Yevgeny Prigozhin não se remeteu ao silêncio. Muito pelo contrário. Começou a criticar o facto de as tropas russas terem deixado de controlar algumas zonas da cidade onde lutou durante meses e, depois, relativamente à contraofensiva ucraniana, considerava que os balanços das enormes perdas ucranianas reivindicadas pela Rússia eram “fantasias”.

Na passada quarta-feira, Yevgeny Prigozhin desmentiu os alegados sucessos da Rússia em suster a contraofensiva ucraniana. “Bocados enormes do território foram entregues de mão beijada ao inimigo, [e] tudo isto está a ser totalmente escondido de toda a gente”, declarou o líder dos Wagner. “Um dia a Rússia vai acordar e descobrir que a Crimeia também foi entregue à Ucrânia”, ironizou.

Horas antes de entrar em território russo adentro, o líder do grupo Wagner colocou um vídeo, em que falava durante 30 minutos sobre o estado do conflito da Ucrânia. Nunca culpabilizando Vladimir Putin, Yevgeny Prigozhin acusou o Ministério da Defesa de “mentir” à população. A guerra, reforça, começou devido a uma ameaça de invasão da Ucrânia e da NATO, mas sim “para que um grupo de canalhas triunfassem e mostrassem a força do seu exército, para que Shoigu subisse a Marechal”.

“Para a vitória da Rússia é preciso parar de mentir, de roubar, de parar de pensar apenas em si mesmos e no seu bem-estar e nos seus lugares, mas pensar nos soldados e nas suas vidas”, declarava ainda o chefe paramilitar russo.

Por volta das 19h00 em Lisboa (mais duas horas em Moscovo), surgiam as primeiras notícias de que um campo militar dos Wagner teria sido atacado pelos grupo Wagner. Minutos depois, Yevgeny Prigozhin declarou o início de uma insurreição contra as chefias militares russas, se bem que ressalvasse que não queria alterar a presidência. Certo é que o poder de Vladimir Putin está este sábado mais frágil — e o líder do grupo Wagner pode ficar numa posição muito confortável, se obtiver uma vitória do que diz ser uma “marcha pela justiça”, ou perder tudo, arricando-se numa pena de prisão até 20 anos por “rebelião armada”.

GUERRA NA UCRÂNIA   UCRÂNIA   EUROPA   MUNDO   RÚSSIA

COMENTÁRIOS (de 25):

Nuno Carvalho: Seria um espectáculo delicioso de ver este fraticídio de loucos, não fosse o pormenor de a Rússia estar cheia de armas nucleares / material radioactivo perigosíssimo .... Esperemos que a Europa tenha a noção da enorme necessidade de controlar ferozmente as fronteiras por forma a tentar impedir o tráfico de material radioactivo (e a infiltração por criminosos de guerra em fuga) para dentro de seus limites ....                Alexandre Arriaga e Cunha: Escalada descontrolada do conflito! Oxalá isto não tenha efeitos colaterais demasiado destrutivos para a Ucrânia (que já está num caos) nem para a Europa. Enquanto o Putin estiver vivo estará sempre tudo em risco. Parece-me que, desta vez, é importante que o Prigozhin tenha sucesso. No fundo, é preciso acabar com o Putin antes que ele acabe connosco 🤞                  João Floriano: Será que Prigozhin começou a deitar contas à vida e chegou à conclusão que o melhor que pode fazer é ir fazer ainda mais guerra em África? Será que as suas expectativas de uma campanha rápida na Ucrânia como também Putin visionava, foram defraudadas porque a guerra arrasta-se num impasse, o ocidente apoia Zelenski e as fragilidades russas são evidentes? Prigozhin não é melhor do que Putin. A única grande vantagem que o ocidente pode para já tirar é que uma guerra civil na Rússia vai abrandar a ofensiva contra a Ucrânia. Mesmo que o chefe dos Wagner tenha de fugir derrotado, a porta da contestação a Putin está escancarada e a nível externo não é bom para o prestígio do presidente russo. O colapso da Rússia é extremamente perigoso para o ocidente com tantos senhores da guerra em conflito e com acesso a armas nucleares.                  Rui Brandao: Não me parece que se não for bem-sucedido, a pena seja de 20 anos...                Margarida Rosa: A guerra civil está a começar será que isso é bom ou mau para nós?                Vitor Batista > Margarida Rosa: É bom para a humanidade.            Francisco Sousa Guedes: Eu gostava de perceber o que é que o Autor terá querido dizer quando escreveu: A guerra, reforça, começou devido a uma ameaça de invasão da Ucrânia e da NATO, mas sim “para que um grupo de canalhas triunfassem e mostrassem a força do seu exército, para que Shoigu subisse a Marechal”. Por volta das 19h00 em Lisboa (mais duas horas em Moscovo), surgiam as primeiras notícias de que um campo militar dos Wagner teria sido atacado pelos grupo Wagner. No Observador não há quem reveja os textos que são publicados para que, pelo menos, sejam intelegíveis?               Jorge Rodrigues Valente: O idiota e desmiolado do molusco ladrão corrupto, Lula, já vai a caminho de Moscovo para propor o seu plano de paz ao Prigozhin e o Carniceiro de Moscovo. Tudo será resolvido à mesa de uma tasca como gosta o bêbado (presidente do Brasil). Vai pedir ao Carniceiro de Moscovo que aceite ficar sem uma parte da Rússia para ser possível alcançar a paz. Margarida Rosa: Guerra civil na Rússia era o pior que podia acontecer armas atómica por todos os lados Um homem destes com tanto ódio é perigoso          MGLA Age Of Excuse > Margarida Rosa: Já o seu amigo Putin é um santinho !!!               Manuel Ribas: Por favor poupem-nos de tantos especialistas em relações internacionais (não sabia que havia tantos - deve ser um curso com média baixa para entrada), analistas militares falhados que perderam uma guerra com movimentos de guerrilha de maltrapilhos, etc. Todos falharam e continuarão a falhar. Porque não se calam?                   João Floriano > Manuel Ribas: Alguns até me divertem. Veja só o Major General Agostinho Costa. Estava a tomar o meu café e a ouvi-lo indignadíssimo contra o dissidente Prigozhin, um rufia comparado com o Putin que é um verdadeiro cavalheiro. A certa altura para explicar melhor o que tinha motivado esta revolta militar, foi buscar o exemplo do 25 de Novembro, que como se sabe é um osso de frango espetado na garganta de um bom comunista que se preze. Aí eu engasguei-me a rir e já não ouvi o resto.               Henrique Frazão: Está-se a abrir a janela que a Ucrânia precisava para vencer o conflito.              Jorge Rodrigues Valente: Boas notícias. Finalmente a implosão na terra dos assassinos. Estou sentado na varanda a assistir. Estrondosa e estridente gargalhada sarcástica.                    J. Lombardo: Libertem a Rússia já!               Abilio Silva: As “viúvas negras” (aranhas) preparam-se para se devorar umas às outras. Neste momento o cozinheiro vai em direcção a moscovo a 60 kms/h.                Jaime Fernandes: Prigozhin afinal significa Perigo para o Kremlin. O filho da Putin, tem agora dois inimigos, Zelensky e Prighozin. Grande Salada Russa que o seu cozinheiro lhe preparou. Virou-se o Feitiço contra o Feiticeiro. Este era um exército êartificial. Isto é, parecido, com o que pode acontecer com a Inteligencia Artificial.               Vitor Batista: Carrega primo gozin, "os bentos e os liberales" até espumam de raiva. Eheheheh!!               Abilio Silva > Vitor Batista: ...e o agostinho costa.     António Abreu > Vitor Batista: O general da naftalina "ventos de guerra", o exquisite, e o falecido Berto Monarca, estão a ser vítimas do fim do programa de avenças putínicas... Agora só se dediquem à questão da TAP e outras minudências tugas.         Vitor BatistaVitor Batista: Eu nunca vejo esse tipo, conheci-o quando estive na tropa, e era aquilo que costumávamos chamar de lambe-botas.  Vitor Batista > António Abreu: Caro António, o sr deve saber como eu que essa gente é paga pelo kremlin, e não é piada, é a verdade, como se chama aquile tipo novo de óculos, que estava a favor da Rússia e comentava na sic? um Alexandre não sei quê, essa gente tanto em Portugal como noutros países é paga para fazer passar a propaganda putinesca, e os respectivos governos sabem isso, e não fazem nada!           João Floriano > Vitor Batista:Permita que lhe avive a memória, caro Vitor Batista: a criatura chama-se Alexandre Guerreiro e foi tão descaradamente pró Putin que eu nunca mais o vi a comentar na SICN, se bem que raras vezes perca tempo com o irmão do Costa. Mal por mal a CNN é de mais fácil digestão. MGLA Age Of Excuse            Vitor Batista: Esses devem andar com medo de cair de uma janela ehhehehe

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