terça-feira, 27 de junho de 2023

Histórias que acompanhei


Embora por alto, nos afazeres e problemas próprios. Mas sempre gostei da rainha Sofia, por isso, e para fugir à rotina dum mundo feroz, agradeço a síntese a Carolina Carvalho, que reproduzo com prazer.

Sofia, princesa da Grécia, rainha de Espanha, e outros títulos que coroam uma vida dedicada à monarquia

Uma rainha entre reis que cumpriu o papel que nasceu para desempenhar, Sofia tem sido exemplar, mas a sua vida em nada é exemplo de um conto de fadas. A história chega agora à HBO.

CAROLINA CARVALHO: Texto

OBSERVADOR, 24 jun. 2023, 11:09

Índice

Princesa da Grécia

A rainha de Espanha

Mãe, super avó e âncora da família

A ponte que uniu a queda de um Rei e a proclamação de outro

Uma musa da cultura e do Mediterrâneo

“Sofia! Sofia!” As pessoas que se juntaram à volta da Catedral de Atenas intercalavam o nome da sua princesa com aplausos. Quando em janeiro de 2023 a família real grega se juntou em Atenas para o funeral do Rei Constantino, os gregos não se tinham esquecido da irmã mais velha do último Rei da Grécia que ali se tinha casado há mais de 60 anos para de seguida trocar o seu país por outro. Durante mais de quarenta anos, dona Sofia foi rainha consorte de Espanha e cumpriu tudo aquilo que se esperava de si, estar bem em todas as situações, formar família e pôr a coroa acima de tudo. Mas desengane-se quem pensa que o seu papel foi meramente decorativo como nas histórias de encantar.

A série “Sofia y la vida real”, de David Trueba, que se estreou na plataforma de streaming HBO Max esta sexta-feira, dia 23 de junho, conta com quatro episódios ao longo dos quais jornalistas, historiadores, políticos e outras figuras contam a história da vida da rainha Sofia e também da Espanha, porque afinal, deixou para atrás uma monarquia em ruínas na Grécia para ajudar a construir outra no seu novo país. É mais um retrato da soberana que gere as suas várias facetas com o dever que aprendeu desde pequena. Apanhamos boleia para recordar a história daquela que será uma das últimas figuras da monarquia antiga, prestes a cumprir 85 anos no próximo mês de novembro.

Princesa da Grécia

Sofia Margarida Vitória Frederica, a mais velha dos três filhos dos reis da Grécia nasceu a 2 de novembro de 1938, em Atenas — no seio de uma das casas reais mais antigas da Europa, filha dos então ainda príncipes Pavlos da Grécia e Frederica da Grécia, nascida princesa de Hanover e da Grã-Bretanha e Irlanda. Dois anos mais tarde, em 1940, nasceu o príncipe Constantino e nesse mesmo ano a Grécia entrou na II Guerra Mundial, obrigando a família real a mudar-se, no ano seguinte, primeiro para Creta e depois para o Egito e de seguida para a África do Sul. Foi lá que, em 1942, nasceu a princesa Irene, e só regressariam à Grécia em 1946. Nesse ano, já depois da guerra, realizou-se um referendo que questionou o povo sobre a manutenção da monarquia e, com uma participação de quase 90%, 68.4% escolheram continuar com o Rei George II. O soberano viria a morrer em 1947 e, como não deixou descendência, sucedeu-lhe o irmão mais novo. Pavlos e Frederica foram coroados reis dos helenos. Mas entre 1946 e 1949 a Grécia enfrentou uma guerra civil.

Em resumo, a infância da princesa Sofia foi marcada por instabilidade. No Egipto e na África do Sul as condições eram limitadas e mesmo más. A rainha Frederica queria uma educação especial para os filhos e, a dada altura, enviou a pequena Sofia para um colégio dirigido por um irmão seu, na Alemanha, o colégio interno de Schloss Salem tinha práticas rígidas e a própria Sofia viria a dizer que foi “muito duro”. Já na Grécia estudou como enfermeira, especializou-se em puericultura, música e arqueologia.

O Rei Pavlos, pai da rainha Sofia, morreu em 1964, mas a mãe só viria a morrer em 1981. Frederica tinha apenas 63 anos quando entrou numa clínica em Madrid para uma cirurgia estética às pálpebras sem perigo aparente, mas acabou por sofrer um enfarte do miocárdio. Morreu na noite do dia seguinte já no Palácio da Zarzuela.

Descendente dos kaisers alemães, a rainha Frederica tinha uma personalidade muito forte. Foi amada na Grécia e respeitada na Europa. Quando se tornou soberana dos helenos, ela e o Rei partiram em viagem pela Grécia para se darem a conhecer e sempre se mostrou interessada e envolvida no bem estar do seu povo e envolver-se-ia também na política do seu país. A seguir da morte do marido, retirou-se para uma casa nas montanhas, depois fixou residência em Roma e viveu durante alguns anos na Índia, onde estudou filosofia com o sábio hindu Shankaracharya.

A rainha Sofia em Barcelona, em 1981, com o pendente de rubi da rainha Frederica  BETTMANN ARCHIVE

Quando se cumpriram 15 anos da morte da mãe, a rainha Sofia deu uma entrevista e contou que a perda dos seus pais e de Don Juan (o sogro) lhe deixaram “um vazio muito grande”. Da mãe diz ter herdado a perseverança, o amor pelos animais e pela natureza, o desejo pelo conhecimento do ser humano e o interesse pelo seu país. “Verdadeiramente, sinto muita falta da minha mãe. Era uma pessoa muito valiosa e muito generosa que morreu, infelizmente, muito cedo”, cita o El País. Lembra a mãe como “uma pessoa muito profunda e querida, com um carácter generoso e que a impulsionava a ocupar-se dos outros” e destaca ainda o grande amor que tinha pela família, em especial pelos netos.

A rainha Sofia herdou uma joia que seria a preferida de Frederica da Grécia, uma colar de pérolas australianas com um pendente com um rubi cabochão emoldurado por diamantes. Tal como a mãe, também a rainha Sofia usa esta peça em momentos importantes da sua vida, como por exemplo na proclamação do Rei Felipe VI, em 2014, ou no casamento do sobrinho Phillippos da Grécia, em 2021.

A rainha falou também sobre o pai e sublinhou as semelhanças entre ambos e como partilhavam o interesse pela vela, pela cultura, assim como o sentido de humor e o facto de serem sentimentais. Recordou as viagens de carro com o pai pela Grécia enquanto este contava histórias das localidades e também quando ia com a mãe às aldeias do país e assistir à evolução nos anos do pós-guerra. Lamentou muito que os seus filhos não tenham desfrutado do avô e partilhou duas memórias muito especiais: quando o antigo Rei da Grécia, já muito doente, pegou pela primeira vez na infanta Elena ao colo, com apenas dois meses, e quando iam os dois a caminho da igreja para o casamento de dona Sofia e, no silêncio, ela viu-o deixar cair uma lágrima.

E a rainha Frederica com os três filhos. Os reis Pavlos e Frederica da Grécia com os três filhos, Irene, Constantino e Sofia por volta de 1950 CORBIS VIA GETTY IMAGES

Sofia tem há muitos anos a companhia da irmã, a princesa Irene da Grécia e Dinamarca. A mais nova dos três príncipes gregos aprendeu a tocar piano com Gina Bachauer, tem talento para a música desde criança e chegou a ser pianista profissional, segundo conta a Vanity Fair. Depois da queda da monarquia na Grécia, em 1973, a princesa Irene foi viver com a mãe na Índia, mas desde a morte desta, em 1981, que vive com a irmã, a rainha Sofia, no Palácio da Zarzuela, em Madrid. É muito frequente vê-las juntas em eventos oficiais ou sociais.

Depois da morte do Rei Pavlos, o príncipe Constantino tomou posse como rei no mesmo ano em que se casou com a princesa Ana Maria da Dinamarca, irmã da actual rainha Margarida, 1964. Mas o reinado começou cedo a ser atribulado. Três anos depois, um golpe de uma junta militar obrigou a família real a sair do país e reinar no exílio até que, em 1973 a monarquia foi abolida na Grécia. Em 1994, durante o governo então liderado pelo primeiro ministro Andreas Papandreu, foi retirado ao rei Constantino o passaporte grego, assim como também foi expropriado das suas propriedades gregas, incluindo o palácio Tatoi, a casa privada da família real onde a rainha Sofia passou parte da infância.

Os Jogos Olímpicos de 2004 marcaram um ponto de viragem, o exílio acabou quando o rei foi convidado a regressar à Grécia e a família começou a fazer férias e a frequentar o país. Os reis Constantino e Ana Maria viriam a instalar-se definitivamente na Grécia em 2012 e a partir daí também começaram a participar em atos públicos. Em 2019, o atual primeiro-ministro grego, o conservador Kyriakos Mitsotakis, decidiu fazer as pazes entre a Grécia e a sua família real e deixou de renegar a sua história. Contudo, quando Constantino morreu, a 10 de janeiro de 2023, não lhe foi concedido um funeral de estado. O país teria eleições legislativas meses mais tarde e as cerimónias fúnebres ficaram a cargo da família. No entanto, no dia 16 de janeiro, rumaram à Catedral de Atenas vários membros de outras casas reais para a despedida do último Rei da Grécia.

O Rei foi depois sepultado na propriedade do Palácio de Tatoi, como era seu desejo e onde já estavam vários antepassados seus, incluindo os pais. Tatoi, o palácio onde os três irmãos, os príncipes Sofia, Constantino e Irene cresceram foi muito danificado durante a Segunda Guerra Mundial, está fechado desde 1967, em 2003 passou para as mãos do estado grego e há pouco mais de um ano um grande incêndio consumiu parte da propriedade. Recentemente foram postos em marcha planos para o restauro do palácio com vista a tornar-se um ponto turístico da Grécia e uma quinta ecológica.

A rainha de Espanha

Sofia e Juan Carlos conheceram-se em 1954 no iate Agamémnon, a bordo de um cruzeiro organizado pela rainha Frederica da Grécia. O plano consistia em passar 11 dias pelo Mediterrâneo, segundo o pretexto de que as famílias reais europeias conhecessem a Grécia turisticamente, mas na verdade a rainha grega estava a assumir um papel de casamenteira e resolveu proporcionar uma oportunidade para que noventa jovens da realeza europeia se conhecessem, já que durante a guerra não tinha havido grandes festas que proporcionassem tal efeito. Os jovens príncipes eram ainda adolescentes, Juan Carlos tinha 16 anos e Sofia 15 e não terá havido chama entre ambos nesta ocasião. Na verdade, para o jovem espanhol o cruzeiro não trará boas memórias, não só foi atirado ao chão por Dona Sofia, por ter gozado com o facto da então jovem estar a aprender judo, como teve de ser operado de urgência com uma grave crise de apendicite.

Antes deste acontecimento a princesa Sofia chegou a ser uma possível noiva do então príncipe Harald da Noruega, mas este estava apaixonado por Sónia Haraldsen e tão decidido a casar com ela que enfrentou o pai e conseguiu o que queria. Viriam a casar em 1968 e a ascender ao trono em 1991.

Juan Carlos era o primogénito dos condes de Barcelona, os herdeiros da coroa espanhola que estavam no exílio desde que o general Franco deu início à II República. Juan Carlos nasceu em Roma em 1939. O pai tinha a ambição de restaurar a monarquia em Espanha, mas como tinha uma má relação com Franco, coube ao pequeno príncipe o difícil papel de fazer a ponte entre os dois mundos. Enquanto a família dos condes de Barcelona ficou em Portugal, Juan Carlos foi enviado para Espanha onde seria educado pelo ditador. A sua infância e juventude também não foram nada fáceis.

Depois do cruzeiro no Agamémnon, Sofia e Juan Carlos viriam a encontrar-se em junho de 1961 em Londres, no casamento dos duques de Kent, e, além de o protocolo os ter colocado próximos na cerimónia, terão ficado hospedados no mesmo hotel, o Claridge’s, o que lhes deu oportunidade para passear e jantar juntos. A família real grega convidou mais tarde a família dos condes de Barcelona para visitarem a ilha de Corfu e o namoro desenrolou-se a partir daí.

A 12 de setembro de 1961 aconteceu o pedido de mão em Lausane, na Suíça, a cidade onde vivia na altura a rainha Victoria Eugenia, avó do rei Juan Carlos. E foi, portanto, aqui que aconteceu o famoso episódio do anel de noivado. Juan Carlos terá atirado a caixa com a joia à sua prometida e gritado “Sofi, apanha!”. Na caixa estava um anel de ouro com dois corações de rubi. Conta a Vanity Fair que, mais tarde, Juan Carlos terá dito: “Amo a princesa Sofia desde o primeiro momento em que a vi. É uma das poucas mulheres que conheço capaz de usar com toda a dignidade uma Coroa Real”.

O anúncio do noivado de Sofia e de Juan Carlos (1961), uma das cerimónias do casamento (1962), a proclamação de Juan Carlos (1975) e a rainha Sofia a ser aplaudida na proclamação de Felipe VI (2014) EUROPA PRESS VIA GETTY IMAGES

Depois de algumas dificuldades, entre elas convencer Franco a concordar com o casamento, a classe política grega a aprovar o dote da noiva e o Papa João XXIII a concordar com uma união entre um príncipe católico e uma princesa cristã ortodoxa grega, seguiu em frente. Foi aliás o líder religioso que sugeriu que o casamento tivesse duas cerimónias distintas. A 14 de maio de 1962 Atenas foi palco da majestosa boda entre os jovens príncipes. Terá sido o último grande casamento da realeza antiga.

Sofia usou um vestido de noiva Jean Dessés, a tiara prussiana que pertencia à avó, a princesa Victoria Luisa da Prússia (e que viria também a usar Letizia Ortiz no seu casamento com o príncipe Felipe em 2004) e o véu de renda de Bruxelas que já tinha usada a sua mãe. A rainha Frederica quis para a sua filha os mesmos cuidados de beleza que a Rainha Isabel II tinha tido no dia da sua coroação, por isso Elizabeth Arden voou de Nova Iorque para maquilhar a noiva, a mãe e a irmã. Mesmo já com 75 anos a diva da beleza terá estado desde as 5h00 da manhã a preparara máscaras caseiras para tratar a pele das suas clientes, segundo conta Pilar Eyre no livro “A solidão da rainha” (Esfera dos livros).

Aos dois casamentos religiosos (cada um na sua catedral) juntou-se o do registo e assim esta ficou conhecida como a “boda dos três sins”. Cerca de 150 membros da realeza estiveram em Atenas em representação de 27 dinastias, assim como aristocratas, como por exemplo Cayetana, a duquesa de Alba. Se na Grécia a imprensa viveu o momento como um conto de fadas real, em Espanha o assunto foi abafado para não criar grande entusiasmo em torno da monarquia. O governo espanhol da época ofereceu como presente de casamento à noiva a tiara floral, que já vimos a rainha Sofia usar tantas vezes (que será a favorita de Letizia e que a infanta Cristina usou no seu casamento).

Depois do casamento Juan Carlos fez questão de apresentar a mulher a Franco e este terá gostado muito dela. O casal instalou-se primeiro no Estoril, mas rapidamente o ditador os chamou para Espanha e ofereceu-lhes o Palácio da Zarzuela, em Madrid, como residência. Sofia terá passado muitos anos na solidão do palácio que, apesar do nome, era um edifício bem mais modesto do que se possa pensar. O casal não tinha propriamente um papel para desempenhar. A rainha Sofia sempre se referiu a este período como a altura em que “não éramos ninguém”. Até que Franco lhes diz que para se darem a conhecer a Espanha e o casal começa a viajar pelo país para que o povo os veja. Mas entre uma princesa estrangeira e um príncipe que ninguém conhecia e nem sequer era a figura que se seguia no trono espanhol, não terá corrido muito bem. Foi então que dona Sofia fez da coroa de Espanha a sua missão de vida.

Em 1969 Juan Carlos foi finalmente nomeado sucessor de Francisco Franco pelo próprio ditador. A decisão foi demorada e difícil e levou a um longo período de incerteza sobre como seria o futuro do casal, uma vez que um primo de Juan Carlos, Alfonso, duque de Anjou e Cádiz, tinha casado com a neta de Franco. O generalíssimo morreu em 1975 e foi nesse ano que a monarquia foi restaurada em Espanha e que Juan Carlos foi proclamado rei, a 22 de novembro.

Mãe, super avó e âncora da família

Os reis tiveram três filhos, a infanta Elena nasceu a 20 de dezembro de 1963, a infanta Cristina nasceu a 13 de junho de 1965 e o príncipe Felipe, actual rei Felipe VI, nasceu a 20 de janeiro de 1968, quando Juan Carlos e Sofia ainda não eram reis de Espanha. A família de cinco sempre participou activamente na vida de Espanha e esteve presente em momentos cruciais da história do país das últimas décadas. Os casamentos dos três filhos dos reis foram celebrações de projecção internacional em diferentes pontos do país. Contudo dois deles viriam a trazer amargos sentimentos à rainha.

A infanta Elena casou a 18 de março de 1995 com Jaime de Marichalar, filho dos condes de Ripalda, na Catedral de Sevilha e o Rei concedeu-lhes o título de duques de Lugo. A noiva usou um vestido do designer sevilhano Petro Valverde e uma tiara da família do noivo. Tiveram dois filhos, mas a relação foi-se deteriorando. Em dezembro de 2001 o duque sofreu um enfarte cerebral e esteve hospitalizado em estado grave. Em poucos meses sofreu um segundo e o casal com os dois filhos pequenos rumaram aos Estados Unidos e instalou-se em Manhattan para se focar na sua recuperação. A 13 de novembro de 2007 a Casa Real emitia um comunicado a dar conta da “cessação temporária da coabitação dos duques de Lugo”. A infanta esteve três meses em negociações com os pais para terminar o seu casamento e a mãe tê-la-á tentado convencer a continuar a aceitar a situação em que vivia. O divórcio, para grande desgosto da rainha Sofia, viria a ficar finalizado em janeiro de 2010.

Dona Sofia em Machu Pichu, Peru (1978), em Oman (1983), com a Rainha Isabel II e o príncipe Filipe (por volta de 1990), no casamento da princesa Victoria da Suécia (2010) GETTY IMAGES

A 4 de outubro de 1997 foi a vez da infanta Cristina se casar com Iñaki Urdangarin. A segunda filha dos reis de Espanha e o jogador da selecção espanhola de andebol conheceram-se nos Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta. Comprometeram-se na Catedral de Barcelona para uma união que viria a durar 24 anos. A infanta usou um vestido de Lorenzo Caprile e a tiara floral que Franco tinha oferecido à sua mãe anos antes. A capital catalã estava em festa e os noivos eram a imagem do conto de fadas. Contudo, o título de duques de Palma concedido pelo Rei Juan Carlos viria a ser retirado pelo Rei Felipe VI em 2015, na sequência do caso Nóos que abalou a família real e a Espanha.

Desde uma manchete do jornal El Mundo em 2006 até junho de 2018, data em que o Supremo Tribunal espanhol condenou Iñaki Urdangarin a cinco anos e dez meses de prisão pelos crimes de prevaricação, peculato, tráfico de influência, fraude à administração e crimes fiscais, muito se passou. A infanta Cristina foi afastada da família real, foi o primeiro membro da família real a ser julgada em tribunal e mudou-se com os filhos para a Suíça. Em janeiro de 2022 Iñaki Urdangarin apareceu na capa de uma revista espanhola de mão dada com uma mulher que não era a sua e acendeu uma nova polémica em torno do casal. Poucos dias depois um comunicado dava conta de uma separação. “De comum acordo, decidimos interromper a nossa relação matrimonial.” Esperaram que a filha mais nova completasse 18 anos e puseram em marcha o fim de um casamento que parecia capaz de resistir a tudo. A separação da filha foi um novo desgosto para a rainha Sofia que já tinha sofrido com o facto da polémica causada pela filha e pelo genro ter provocado uma separação na família.

A única vez que a rainha Sofia terá sido questionada foi no início deste escândalo. Depois do caso Nóos ter rebentado, os duques de Palma e os quatro filhos trocaram Barcelona por Washington e, durante este período, a rainha Sofia foi fotografada na capital norte-americana a visitá-los. O gesto terá sido visto como uma forma de apoio ao genro e a rainha foi muito criticada, embora tenha lembrado que além de monarca também é mãe e avó, conta Mabel Galaz no El País. “Com o tempo, ela tornou-se mais cautelosa sobre este tema, com o objetivo de manter um cordão de segurança à volta do filho, o Rei de Espanha.”

Em 2004 foi a vez de Felipe, o herdeiro. A 22 de maio desse ano Madrid foi palco de um casamento real como não acontecia há muitas décadas. Felipe de Borbón casou com Letizia Ortiz, Catedral de Madrid Santa Maria la Real de la Almudena, logo ao lado do Palácio Real. Durante dias o mundo esteve de olhos postos na capital espanhola, tal como vários representantes de realeza mundial e ilustres convidados. Cerca de dois meses antes, a 11 de março, Madrid foi notícia pelo ataque terrorista aos comboios da estação de Atocha. A agressividade foi brutal e a dor imensa. A rainha Sofia, Letizia e o príncipe apressaram-se a visitar alguns feridos no mesmo dia do sucedido e partilharam o sofrimento do seu povo. Isto levou a que se tivesse em atenção alguma contenção na boda real, mas mesmo assim e com muita chuva, viveu-se um conto de fadas.

O príncipe encantado de Espanha (e de certa forma também da Europa) tinha tido dois amores sérios e acabou apaixonado por Letizia Ortiz, uma jornalista natural das Astúrias, divorciada e independente com quem decidiu que queria casar, mesmo que tivesse de lutar por isso. Depois do anúncio do noivado a futura princesa instalou-se na casa do noivo, na Zarzuela e passou a ter a rainha Sofia como “instrutora e conselheira”, segundo conta Mabel Gálaz, jornalista que acompanha a realeza no jornal El País há 30 anos, no livro “Letizia Real”. As duas ter-se-ão visto duas ou três vezes antes de começarem a trabalhar juntas para preparar Letizia, “mas a rainha Sofia mostrou total disponibilidade para ajudar a noiva do filho, esse filho pelo qual se sacrificara tanto e estava disposta a continuar a sacrificar-se para que um dia se tornasse rei de Espanha”, conta a autora. “Ajudar Letizia nos seus primeiros passos como princesa foi uma tarefa que encarou com entusiasmo, aconselhando, ensinando, sugerindo”, dona Sofia sempre se moveu no meio da realeza, por isso, para ela tudo era natural. Contudo pertencia a uma velha guarda simplesmente aceitava e introduzir mudanças estaria fora de questão, Letizia rapidamente percebeu que não era este papel que queria ter.

Não haverá nenhuma altura em que o sorriso de dona Sofia seja mais aberto, sincero e luminoso do que quando está rodeada pelos netos em Palma de Maiorca. A rainha Sofia e o Rei Juan Carlos têm oito netos. A princesa Leonor e a infanta Sofia, dos atuais reis, Felipe Victoria de Marichalar y de Borbón, filhos da infanta Elena, e Juan, Pablo, Miguel e Irene Urdangarin y de Borbón, filhos da infanta Cristina.

Felipe e Letizia decidiram homenagear a rainha Sofia dando o seu nome à filha mais nova e seriam as filhas dos então príncipes das Astúrias as mais próximas da avó, uma vez que todos viviam na propriedade da Zarzuela. Contudo, conta Mabel Gálaz, quando dona Sofia quis desempenhar o seu papel de avó e decidia visitar com frequência as netas à hora do banho, acabou por lhe ser dito que “a sua presença alterava a rotina das crianças”, enquanto a mãe de Letizia não tinha quaisquer entraves nas suas visitas e chegava também a tomar conta das pequenas. A rainha terá chegado a referir o assunto em público ao confessar “nunca as vejo”.

“Essa decisão de restringir as visitas a Leonor e Sofia marcou o início do afastamento entre sogra e nora”, conclui a autora. Anos mais tarde, mais precisamente em 2018, viria a acontecer o célebre caso da missa de Páscoa em que a rainha emérita tentou tirar fotografias com as netas. Nos últimos anos em que o Rei emérito tem estado a viver nos Emirados Árabes Unidos, dona Sofia continua a passar férias em Maiorca e é, a dada altura do verão, acompanhada pela família real, juntando-se a Felipe e Letizia na tradicional recepção às autoridades das Ilhas Baleares e a uma representação da sociedade local. No ano passado vimo-la com a nora e as netas em animadas actividades.

A ponte que uniu a queda de um Rei e a proclamação de outro

A infidelidade de Juan Carlos a Sofia terá começado cedo no casamento. Dona Sofia terá testemunhado um primeiro caso do marido e rapidamente fez as malas e partiu com os filhos, ainda pequenos, para a Índia, onde morava a sua mãe. Esta deu-lhe uma lição de como deve uma rainha comportar-se e mandou-a regressar a casa. A partir de então Sofia pôs o dever à frente dos sentimentos e aguentou os affairs do marido e a sua própria solidão.

Foi nos meses que antecederam o casamento do príncipe Felipe e Letizia que o Rei Juan Carlos e Corinna Larsen se conheceram. Quando a noiva do príncipe se instalou na Zarzuela, já os reis viviam em alas separadas do palácio, com tudo pensado para nem sequer se cruzarem e comunicariam até através do pessoal, só se juntavam em actos oficiais.

 

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