E porque, no
fundo, responde ao tema da original crónica de Salles da Fonseca sobre o
aproveitamento que se faz da vida humana, escreverei em comentário - que colocarei
no fim - um texto que fiz em tempos, de valorização do Homem pelo saber, que
tinha de conter entre duzentas e trezentas palavra, como resposta ao seguinte
conceito de Nelson Mandela “A EDUCAÇÃO E
O ENSINO SÃO AS ARMAS MAIS PODEROSAS QUE PODES USAR PARA MUDAR O MUNDO. Julgo
que esse texto favorece a opção do DR. Salles pela “via erudita”, que escolheu
como forma de valorização humana, em que o “tempo cronológico”, segundos ou
milénios que sejam, conta para o Homem que deseja, de facto, participar positivamente
no espaço vital do seu estar presente.
TRÊS SEGUNDOS NA
VIDA DE FULANO
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO,
05.06.23
ou
DO
TEMPO
Um dos
epitáfios mais curiosos de que me recordo diz em francês o que traduzo por «Aqui jaz Monsieur De La Palisse que, um
quarto de hora antes da sua morte, ainda estava vivo».
Sim, hoje refiro-me ao tempo cronológico, não ao
climático.
Assim, tomo o período de tempo com a duração de três
segundos para, posicionando-me no do meio, reconhecer que o primeiro já integra
o meu passado, o segundo é o meu presente e o terceiro ainda está no meu futuro. E quer eu viva meia dúzia de segundos quer bata a longevidade de
Matusalém, viverei sempre «entalado»
entre o passado e o futuro, qualquer que seja a unidade de tempo utilizada.
Não vou aqui tomar em linha de conta senão a vida terrena deixando a vida
eterna para outros contextos.
Posto
isto, a primeira questão a colocar tem a ver com a utilidade destes três tempos do tempo. E a resposta é que
o conhecimento do passado serve sobretudo para distinguirmos o bem e o mal
permitindo-nos intervir no presente no nosso próprio livre arbítrio assim
construindo um futuro a contento com os nossos objectivos.
A
segunda pergunta é sobre o que fazem as pessoas com esses três tempos do tempo.
Contudo, antes de responder à pergunta, digo que o conhecimento do passado
se alcança por duas vias: a empírica, ou seja, pela experiência da própria vida; a via erudita que é a do estudo da História.
Não
vou perder o nosso tempo com considerações qualitativas sobre os resultados de
cada via sendo que os conhecimentos da
via erudita acumulam com os da empírica, mas não vice-versa.
Se
centrarmos a nossa atenção na gestão do livre arbítrio, podemos rapidamente admitir que parte importante da Humanidade se limita
ao uso da via rudimentar quer por determinismo religioso (os
muçulmanos creem piamente na fatalidade do destino), quer
por falta de acesso ao estudo, quer por ser muito mais giro ir fazer
«windsurf», quer porque…
Estes, os crédulos na candura do futuro ou que nem
nele pensam.
Há
também aqueles para quem «dantes é que
era bom», os nostálgicos do passado, das opas esvoaçantes, dos salamaleques na
Côrte, dos reis e das princesas, mas esquecem-se de que nesses tempos não havia
sequer uma Aspirina. E nas
praias e sertões tropicais há-os que sonham com o berço natal dos avoengos como
se fosse Pasárgada. Contudo, foi de lá que esses antigos emigraram.
Eis os
inadaptados.
Finalmente,
o formigueiro daqueles que não cabem no segundo segundo que lhes dei para
prepararem o terceiro. São os que não têm tempo a perder «a fazer pela
vidinha» própria ou alheia, são os voluntariosos empíricos ou eruditos mas que
têm o coração no futuro. É deles que
todos dependemos. A eles, toda a glória deste mundo.
Pelo caminho, ficaram os que tiveram um emprego, mas
não necessariamente um posto de trabalho e que sempre ambicionaram pela
aposentação para poderem ir para o jardim jogar à batota com os outros «tristes
da vida». Estes, os que nem sabem do valor dos três tempos do tempo. Como
haveremos de lhes dar um sentido para a vida que lhes resta? É que, afinal,
também eles são gente. Estes, os que não sabem que o sonho comanda a vida e que
um tal De La Palisse lutou por uma causa até um quarto de hora antes de morrer.
Junho de 2023
Henrique Salles da Fonseca
Tags:: sociologia
COMENTÁRIO ao texto de Mandela e de Salles da Fonseca:
Razão - eis a
palavra-chave na distinção do Homem dos outros animais. E por ter essa
capacidade racional, o Homem pôde construir um universo de sucessivas
descobertas, tendentes a facilitar a sua vivência com o mundo. Nesse universo,
contudo, um diferente papel foi outorgado às diversas classes sociais do
empreendedorismo humano, classes criadas, à partida, segundo os benefícios maiores
ou menores que sobre elas pendiam, afinal estabelecidos por distinções –
físicas, intelectuais ou morais - que se outorgaram os mais hábeis em delas
usufruírem, já desde os primórdios da humanidade, segundo a Bíblia e outras
obras das literaturas universais.
Espíritos ilustres e mais generosos,
provenientes de uma burguesia saída desse povo marginalizado, mostraram,
todavia, a injustiça dessas desigualdades sociais, e trataram de estabelecer
critérios de valorização pessoal, que por experiência própria tinham colhido
nos livros, verificando os benefícios espirituais da educação e da cultura, como
favorecimento de uma igualdade social mais equilibrada em termos de respeito
humano.
E assim como de uma pedra tosca e
informe, desbastada pelo estatuário criativo, se forma estátua valiosa, no
dizer de Vieira, também a inteligência humana, trabalhada pela leitura e
estudo, ajuda a “formar” o ser humano, no reconhecimento de uma identidade que
o torna semelhante aos mais, desejoso, pois, de se equiparar a todos os dessa
humanidade de distinções sociais injustas e tantas vezes cruéis.
Ainda que as discrepâncias de fortuna
pareçam marginalizá-lo, o desenvolvimento intelectual do ser humano é, pois,
causa do seu prazer e do seu conforto, que o faz obter uma mais poderosa
distinção valorativa. Daí que o conhecimento intelectual, obtido pela leitura e
todos os meios fornecidos pelos que deixaram as marcas do seu espírito e do seu
estudo ao longo dos tempos, é o meio mais eficaz de valorização do Homem, na
sua abertura para um mundo mais visível.
COMENTÁRIO de Adriano Miranda Lima 06.06.2023 21:51
Esta profunda e complexa reflexão torna-se, no entanto, fácil
de apreender no significado que comporta porque o seu autor, Dr. Salles da
Fonseca, utiliza sempre a arte de desmontar raciocínios intrincados recorrendo
a exemplificações simples e baseadas nas nossas experiências do dia-a-dia. E
são também sempre temperadas com humor, o que também facilita compreensão. Com a leitura,
senti-me transportado a Martin Heidegger e à sua especulação filosófica vertida
na sua obra Ser e o Tempo. O filósofo afirma que o homem é um “ente inacabado”,
sempre em constante reconstrução, a unir o presente e o passado, mas
percepcionando a morte como limite do tempo e, por conseguinte, do futuro.
Portanto, é a existência vinculada à temporalidade, em que, como diz o Dr. Salles
da Fonseca, se faz a gestão “dos tempos do tempo” de modo a aprender com o
passado para construir o presente com os olhos postos no futuro, mesmo que este
mais não seja que o tal limite indefinível do tempo.
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