Esta da proeminência de António Costa sobre todos os mais figurantes do quadro
político português, a sua voz impondo-se com a necessária arrogância sobre os
mais, o seu discurso finório e arrojado invalidando todas as tentativas de
invasão nos campos da sua orientação de mandante de bolsos recheados por conta
alheia, que, naturalmente não quer perder. Nem vai perder, nenhum outro se
mostrando com idêntico potencial de arte e manha como aquela com que ele vai
progredindo na aceitação de um povo de formação modesta e deglutição empenhada.
Uma excelente exposição de Alexandre Homem Cristo, que poderia
servir de arranque para uma auto-análise menos tímida a todos os que, contudo, se
empenham mais nos torcicolos das suas subjectividades ambiciosas, conquanto
acomodadas, o sentido pátrio passando ao largo das ambições e vaidades de cada
um.
António Costa, o manda-chuva
Por mais que a turbulência actual
sugira descontrolo, Costa domina a situação política. O governo durar até 2026
permanece mais provável do que muitos julgam, e só não acontecerá se Costa não
quiser.
ALEXANDRE HOMEM
CRISTO Colunista do Observador
OBSERVADOR, 08
jun. 2023
Instalou-se
a percepção de que o governo PS, apesar de suportado por uma maioria absoluta,
sobrevive em acelerada decadência, estando iminente o seu colapso e a
convocação de eleições legislativas antecipadas. Cada vez mais me parece que
esta percepção é, no mínimo, precipitada. Obviamente, tornou-se indisfarçável
que o PS atravessa um período de forte pressão política, que alimenta essa
percepção de fim de ciclo: a sucessão de erros governativos e
trapalhadas comprometedoras, as contradições dos membros do governo na comissão
parlamentar de inquérito (CPI) sobre a TAP, a queda do PS nas sondagens, a
tensão institucional entre Primeiro-ministro e Presidente da República. Contudo, todos estes factores são circunstanciais, e
não estruturais — isto é, para todos esses factores, António Costa tem o poder
de decisão necessário para os ultrapassar.
Começo pelo óbvio: a CPI
sobre a gestão da TAP, que se converteu num inquérito sobre um episódio grave
de descontrolo no Ministério das Infraestruturas e sobre a subsequente actuação
do SIS, está a terminar. Nos próximos dias, serão ouvidos Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes, dois momentos muito aguardados e
politicamente intensos. Mas, após essas audições, virá a acalmia: os trabalhos da CPI ficarão reduzidos à
elaboração do relatório final, um processo que o PS controlará devido à sua
maioria absoluta no parlamento. Para os socialistas, a CPI foi uma travessia de
tempestade — e, por mais danos que tenha causado, essa travessia está a
concluir-se.
Certamente
que António Costa e o núcleo duro socialista não ignoram os danos (políticos,
eleitorais, reputacionais) que o governo tem sofrido no último ano. Em parte, a
recuperação desses danos seria possível através de uma remodelação
do governo, que afaste os
ministros problemáticos e que transmita aos portugueses a sensação de um
recomeço — uma remodelação que pode ser planeada para os próximos meses. De resto,
as sondagens apontam para que seja precisamente essa a vontade dos portugueses,
que consideram que João Galamba deveria ter saído do governo (64%) e que o
Primeiro-Ministro deveria fazer uma grande remodelação do governo (80,9%). Além disso, até a relação de António
Costa e Marcelo Rebelo de Sousa beneficiaria dessa iniciativa, partindo do
pressuposto que a remodelação levaria à saída de João Galamba, pois a actual
tensão institucional teve precisamente origem na discordância sobre a
permanência do ministro no governo.
Há muitos descontentes com o governo e
o PS? Sem dúvida. Mas parecem-me sobrevalorizados as sondagens e o risco de um
mau resultado do PS nas eleições europeias (em Junho 2024). É certo que a tendência de queda do PS nas sondagens
sobressai em qualquer análise, pelo menos desde o último ano. E é certo
que, para além dos factores políticos acima mencionados, houve factores
económicos (como a
subida da inflação e das taxas Euribor) que impuseram dificuldades sobre as
famílias e ajudarão a explicar a insatisfação de vários segmentos da população. Mas até às
eleições europeias falta um ano e isso é muito tempo em política para o PS
inverter a tendência. Até porque o
horizonte temporal pode ser favorável a António Costa: a economia está com um
desempenho positivo, a inflação abrandou e o Orçamento de Estado 2024 promete
ser uma abundante distribuição de dinheiro por grupos sociais mais descontentes
e relevantes no eleitorado próximo do PS.
Acresce, por fim, que a queda do PS nas
sondagens não representou uma afirmação do PSD como alternativa de governo. A aproximação nas sondagens entre PSD e PS deve-se à
queda dos socialistas, mas não propriamente ao crescimento dos
sociais-democratas, que continuam com dificuldades em entusiasmar o seu
eleitorado e vêem os partidos à sua direita (IL e CH) a crescer
consistentemente. Ou seja, mesmo que o PS seja derrotado pelo PSD
nas eleições europeias, o contexto não parece propício para que essa derrota
seja volumosa e politicamente impactante. E, sem um resultado eleitoral com
tal impacto, será improvável qualquer cenário de dissolução da Assembleia da
República por iniciativa presidencial.
Resumindo: com o fim da CPI, com uma
remodelação governativa, com a melhoria da situação económica e com um
Orçamento de Estado 2024 generoso, o PS poderá chegar às eleições europeias com
boas condições para ser o partido mais votado — ou, perdendo essas eleições,
perdê-las por pouco. E, assim, a conclusão é esta: por mais que a turbulência
actual possa sugerir descontrolo, António Costa mantém o domínio da situação
política. O governo
completar o seu mandato até 2026 permanece um cenário mais provável do que
muitos julgam, e tal só não acontecerá se António Costa não quiser — por
exemplo, se decidir sair do país para ocupar um lugar nas instituições
europeias, em 2024. Goste-se ou não, António Costa é o
manda-chuva e já não define apenas o seu futuro — condiciona o futuro do país,
o de Marcelo Rebelo de Sousa, o de Luís Montenegro e o de Pedro Nuno Santos.
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