quinta-feira, 8 de junho de 2023

Uma tese em que alinho

 

Esta da proeminência de António Costa sobre todos os mais figurantes do quadro político português, a sua voz impondo-se com a necessária arrogância sobre os mais, o seu discurso finório e arrojado invalidando todas as tentativas de invasão nos campos da sua orientação de mandante de bolsos recheados por conta alheia, que, naturalmente não quer perder. Nem vai perder, nenhum outro se mostrando com idêntico potencial de arte e manha como aquela com que ele vai progredindo na aceitação de um povo de formação modesta e deglutição empenhada.

Uma excelente exposição de Alexandre Homem Cristo, que poderia servir de arranque para uma auto-análise menos tímida a todos os que, contudo, se empenham mais nos torcicolos das suas subjectividades ambiciosas, conquanto acomodadas, o sentido pátrio passando ao largo das ambições e vaidades de cada um.

 

António Costa, o manda-chuva

Por mais que a turbulência actual sugira descontrolo, Costa domina a situação política. O governo durar até 2026 permanece mais provável do que muitos julgam, e só não acontecerá se Costa não quiser.

ALEXANDRE HOMEM CRISTO Colunista do Observador

OBSERVADOR, 08 jun. 2023

Instalou-se a percepção de que o governo PS, apesar de suportado por uma maioria absoluta, sobrevive em acelerada decadência, estando iminente o seu colapso e a convocação de eleições legislativas antecipadas. Cada vez mais me parece que esta percepção é, no mínimo, precipitada. Obviamente, tornou-se indisfarçável que o PS atravessa um período de forte pressão política, que alimenta essa percepção de fim de ciclo: a sucessão de erros governativos e trapalhadas comprometedoras, as contradições dos membros do governo na comissão parlamentar de inquérito (CPI) sobre a TAP, a queda do PS nas sondagens, a tensão institucional entre Primeiro-ministro e Presidente da República. Contudo, todos estes factores são circunstanciais, e não estruturais — isto é, para todos esses factores, António Costa tem o poder de decisão necessário para os ultrapassar.

Começo pelo óbvio: a CPI sobre a gestão da TAP, que se converteu num inquérito sobre um episódio grave de descontrolo no Ministério das Infraestruturas e sobre a subsequente actuação do SIS, está a terminar. Nos próximos dias, serão ouvidos Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes, dois momentos muito aguardados e politicamente intensos. Mas, após essas audições, virá a acalmia: os trabalhos da CPI ficarão reduzidos à elaboração do relatório final, um processo que o PS controlará devido à sua maioria absoluta no parlamento. Para os socialistas, a CPI foi uma travessia de tempestade — e, por mais danos que tenha causado, essa travessia está a concluir-se.

Certamente que António Costa e o núcleo duro socialista não ignoram os danos (políticos, eleitorais, reputacionais) que o governo tem sofrido no último ano. Em parte, a recuperação desses danos seria possível através de uma remodelação do governo, que afaste os ministros problemáticos e que transmita aos portugueses a sensação de um recomeço — uma remodelação que pode ser planeada para os próximos meses. De resto, as sondagens apontam para que seja precisamente essa a vontade dos portugueses, que consideram que João Galamba deveria ter saído do governo (64%) e que o Primeiro-Ministro deveria fazer uma grande remodelação do governo (80,9%). Além disso, até a relação de António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa beneficiaria dessa iniciativa, partindo do pressuposto que a remodelação levaria à saída de João Galamba, pois a actual tensão institucional teve precisamente origem na discordância sobre a permanência do ministro no governo.

Há muitos descontentes com o governo e o PS? Sem dúvida. Mas parecem-me sobrevalorizados as sondagens e o risco de um mau resultado do PS nas eleições europeias (em Junho 2024). É certo que a tendência de queda do PS nas sondagens sobressai em qualquer análise, pelo menos desde o último ano. E é certo que, para além dos factores políticos acima mencionados, houve factores económicos (como a subida da inflação e das taxas Euribor) que impuseram dificuldades sobre as famílias e ajudarão a explicar a insatisfação de vários segmentos da população. Mas até às eleições europeias falta um ano e isso é muito tempo em política para o PS inverter a tendência. Até porque o horizonte temporal pode ser favorável a António Costa: a economia está com um desempenho positivo, a inflação abrandou e o Orçamento de Estado 2024 promete ser uma abundante distribuição de dinheiro por grupos sociais mais descontentes e relevantes no eleitorado próximo do PS.

Acresce, por fim, que a queda do PS nas sondagens não representou uma afirmação do PSD como alternativa de governo. A aproximação nas sondagens entre PSD e PS deve-se à queda dos socialistas, mas não propriamente ao crescimento dos sociais-democratas, que continuam com dificuldades em entusiasmar o seu eleitorado e vêem os partidos à sua direita (IL e CH) a crescer consistentemente. Ou seja, mesmo que o PS seja derrotado pelo PSD nas eleições europeias, o contexto não parece propício para que essa derrota seja volumosa e politicamente impactante. E, sem um resultado eleitoral com tal impacto, será improvável qualquer cenário de dissolução da Assembleia da República por iniciativa presidencial.

Resumindo: com o fim da CPI, com uma remodelação governativa, com a melhoria da situação económica e com um Orçamento de Estado 2024 generoso, o PS poderá chegar às eleições europeias com boas condições para ser o partido mais votado — ou, perdendo essas eleições, perdê-las por pouco. E, assim, a conclusão é esta: por mais que a turbulência actual possa sugerir descontrolo, António Costa mantém o domínio da situação política. O governo completar o seu mandato até 2026 permanece um cenário mais provável do que muitos julgam, e tal só não acontecerá se António Costa não quiser — por exemplo, se decidir sair do país para ocupar um lugar nas instituições europeias, em 2024. Goste-se ou não, António Costa é o manda-chuva e já não define apenas o seu futuro — condiciona o futuro do país, o de Marcelo Rebelo de Sousa, o de Luís Montenegro e o de Pedro Nuno Santos.

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