No texto anterior.
Apenas um aparte prévio, que tem a ver
com um sentimento de alegria bem sentida, a contrabalançar com o momento
seguinte – de repúdio - que o extraordinário texto de ALBERTO GONÇALVES nos faz
viver: «Encontradas com vida crianças
desaparecidas na Amazónia colombiana 10 jun. 2023. Os quatro irmãos menores ficaram perdidos na
floresta, há mais de um mês, depois da queda da avioneta onde seguiam com a
mãe. O anúncio é feito pelo Presidente da Colômbia, no Twitter.
A minha candidatura a sabujo do PS
Posso contribuir para a desvergonha
geral mediante o elogio regular do governo nesta coluna e nas inúmeras colunas
para que, depois de vergada a minha, decerto me convidarão.
ALBERTO GONÇALVES,
Colunista do Observador
OBSERVADOR, 10
jun. 2023, 00:224
Os
socialistas garantem que os portugueses vivem cada vez melhor. Claro que sim:
os portugueses que vivem das benesses do socialismo. Isto inclui os sujeitos no
poder, os que têm negociatas com os sujeitos no poder e os que recebem para
elogiar os sujeitos no poder. Para a vastíssima maioria dos portugueses que
sobram – os quais, parecendo que não, ainda são alguns –, as coisas
complicam-se a cada dia. Minudências, sabem? A
prestação da casa (por causa da guerra). O custo dos alimentos (por causa da
guerra e da Covid). O preço dos combustíveis (por causa da guerra e da Covid e
das alterações climáticas). O saque fiscal (por causa da guerra e da Covid e
das alterações climáticas e da transfobia). Etc.
Em suma, a vida está difícil para os
patetas que ficam por cá sem vínculos assumidos ou dissimulados com o PS. A fim
de facilitá-la, resta aos patetas saírem daqui ou vincularem-se ao PS. Visto
que, no meu caso, questões familiares e outras objectam à emigração, a única
hipótese de desafogo económico é correr para os braços do Partido. Através
de que via? A via do poder? O poder exige convites e nomeações que não espero.
A via das negociatas? As negociatas com o poder exigem um talento para a
corrupção (a popular “iniciativa”) que não possuo. Felizmente, há uma terceira
via, a da opinião “isenta” e “desinteressada”, onde posso contribuir para a
desvergonha geral mediante o elogio regular do governo nesta coluna e nas
inúmeras colunas para que, depois de vergada a minha, decerto me convidarão.
Com jeito, e múltiplas hérnias, até me propõem um “espaço”, com ou sem
“debate”, na Sic Notícias.
Trata-se de uma ambição realista,
facilitada por uma experiência de vinte e tal anos a escrever o que me apetece:
agora é só converter o registo para a escrita do que apetece ao dr. Costa.
Estudei vários espécimes invertebrados e concluí que basta cumprir cinco
regras, que elenco de seguida.
Regra 1. Simular distância. Embora elogie o PS contra tudo e todos,
incluindo se necessário a própria mãezinha, o sabujo do PS nunca se confessa
ligado ao PS. Há uma aura de “independência” em que ninguém acredita e que
importa manter. Na verdade, o ideal é o sabujo dizer-se de “direita”, seja
enquanto filiado no PSD, seja enquanto dissidente do CDS, circunstância que lhe
permite criticar permanentemente a “direita” com superior “legitimidade”
(risos).
[Caso prático: o governo investe 10 mil milhões dos
contribuintes para retomar o controlo de uma empresa de missangas, a popular
Missangas Lusitanas. O prof. Marcelo aplaude. O sabujo do PS também: “Mesmo eu,
que como é sabido sou de direita, percebo o peso estratégico de uma companhia
de bandeira no sector das missangas.”]
Regra 2. Assegurar proximidade. É essencial que o sabujo mantenha uma comunicação
íntima com as centrais de propaganda do PS, a que pode ou não pertencer
directamente. Mentir não é suficiente: é fundamental que se minta de acordo com
as directivas para que o embuste adquira um ar “consensual” e “inatacável”.
[Caso prático: face às críticas
de que a empresa de missangas é um criminoso sorvedouro de dinheiro, o prof.
Marcelo não comenta. Quanto ao sabujo
do PS, apresenta gráficos demonstrativos de que, ao contrário do que previam as
cassandras, as missangas afinal dão lucro – sem referir que o lucro em causa,
cerca de 17 euros, aconteceu durante vinte minutos em Dezembro de 2019. “Os
números não enganam”, deve acrescentar-se em tom vitorioso. Em compensação, o
PS é especialista.]
Regra 3. Apontar o dedo. Além de jurar que o país está bem, obrigado, compete
ao sabujo do PS esclarecer que o país está mal por causa da governação genocida
de Pedro Passos Coelho, um neoliberal que por perversão queria matar os
portugueses à fome. Hoje e em 2079, a culpa é e será sempre do Passos.
[Caso prático: mal se acumulem os indícios de que a
nacionalização das missangas é uma bandalheira e uma calamidade sem nome, o
prof. Marcelo afirma-se vigilante e cabe ao sabujo do PS, em uníssono com os
seus comparsas, notar que a respectiva privatização teria extinguido dois
milhões de empregos, originado perdas de onze triliões de euros e assassinado
trinta cachorrinhos de olhar meigo. “O facto é que, sem uma política séria de
missangas, a esta hora Portugal simplesmente não existiria como nação
soberana”, informa-se com semblante pesado.]
Regra 4. Varrer para debaixo do tapete. Por evidentes que se tornem a
desonestidade e a incompetência do governo, é tarefa do sabujo do PS seguir o
discurso oficial e desvalorizar ambas, acusando a oposição de “explorar irrelevâncias”
e “descurar os reais problemas dos portugueses”. Quando as irrelevâncias
começam a se confundir em demasia com a corrupção descarada, esse sim o real
problema dos portugueses, é urgente desviar as atenções dos beneficiários da
corrupção e atirá-las para hipotéticos beneficiários da divulgação da
corrupção.
[Caso
prático: após uma sucessão de notícias insinuar que a história
das missangas era um mero pretexto para incontáveis trafulhices, incluindo
empregar amigos, pagar luvas, comissões e indemnizações avultadas, assinar
contractos suspeitos e, no meio do pandemónio, meter simulacros da PIDE ao
barulho, o prof. Marcelo afirma-se vigilante. Já o sabujo do PS deve
insurgir-se a “condenar o empolamento” das trafulhices, exigir “uma reflexão da
sociedade acerca da situação da Justiça” e reclamar a “regulação ponderada da
desinformação nas redes sociais”. “O importante”, sentencia solene o sujeito,
“é conseguir ver a floresta para lá da árvore. Por isso pergunto: a quem
interessa a revelação destes ‘fait-divers’?”]
Regra 5. Falar do Chega. Sem prejuízo de servir um partido que se
alia sem escrúpulos a leninistas, a aflição do sabujo do PS prende-se com o
“avanço dos extremos”, em particular de um único extremo que é o direito,
leia-se o Chega, leia-se o método que o PS encontrou para “cativar”, leia-se
inutilizar, os votos de uns 12% da população.
[Caso prático: depois de escancarada a monumental fraude das
missangas, com a Missangas Lusitanas entretanto à venda por quarenta euros, o
partido lá arranja um ou dois bodes para expiar as maçadas e proteger o Chefe.
O prof. Marcelo afirma-se vigilante. E o sabujo do PS condena levemente a
“imprudência” dos bodes, garante confiar no sentido de Estado do PR, elogia o
prodigioso talento político do dr. Costa e ridiculariza o dr. Montenegro,
coitado do homem, por “gerar ruído” e “jogar o jogo” do dr. Ventura. “Aliás”,
declama matreiro, “isto das missangas é muito bonito para encher telejornais,
mas a principal preocupação das cidadãs e dos cidadãos é saber se o PSD
rejeita liminarmente qualquer aliança com o Chega.”]
E pronto. Acho que acabo de dar provas
bastantes de que sou habilitado a juntar-me aos sabujos que, a troco de
retribuições, prestam vassalagem ao PS, missão que desempenharei com óbvio
empenho e disfarçado nojo. Aguardo propostas de colaboração na imprensa,
internet, televisão, teledisco e cassete pirata – e as regalias
correspondentes. Se, por algum motivo, de momento a via da opinião “isenta” não
for oportuna, informo que não rejeitarei a via das negociatas (por
coincidência, ando para abrir uma firma de reciclagem de missangas) ou a via do
poder (não enjeitaria por exemplo a presidência de um Observatório das
Purpurinas, ramo económico decisivo e de futuro).
É uma vergonha? A maior que me
ocorre. Mas, como apenas os socialistas ignoram, a vida está difícil.
COMENTÁRIOS:
F. Mendes: É mais fácil
dizer a verdade do que contar mentiras. Neste país, é fácil e tentador ser
desonesto e mentiroso, mais do que ser íntegro e verdadeiro. É nesta
contradição que nos encontramos profundamente embrulhados desde 2015-2016,
quando Costa e Marcelo chegaram ao poder: o primeiro de forma viciada, depois
de perder abjectamente eleições; o segundo, mancomunado com Costa, traindo a
sua área política e quem o elegeu, optando por exercer uma
"presidência" indigna de uma ópera bufa. Os pontapés à democracia e à
decência não pararam desde aí, arrastando uma degradação clara - nalguns casos,
possivelmente propositada - de domínios cruciais das nossas vidas. Dispenso-me
de os identificar. Como é óbvio, a
falta de alternativa política e a cumplicidade de Marcelo com Costa - só
interrompida com o caso Galamba, e que provavelmente retomará com uma
"remodelação" - explicam uma parte deste nojo. Soma-se, como AG bem
escreve, uma CS servilmente enviesada. Mas há mais, tal como a submissão de órgãos
de regulação, a colonização do estado, a instrumentalização da PGR e do SIS, a
modorra da Justiça (que não julga Sócrates, vai para 9 anos), o desprestígio
das instituições, etc. Não sei como
sairemos disto. Talvez quando formos apanhados pela Bulgária, venhamos a
acordar. Tarde demais, provavelmente. Frederico Teixeira de Abreu: Que artigo ousado e certeiro. Mande vir mais destes! Américo Silva: O PSD anda preocupado com a recuperação de um
computador pelo ministério, ao que parece não se preocupa como foi possível o
computador ter saído, faz-me lembrar, nem sei porquê, o vovô metralha e os seus
netinhos queridos……………………….
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