A entrada de Portugal no tal esquema das asas.
▲Ainda não
é claro que países é que vão fornecer F-16 à Ucrânia: apenas a Dinamarca, a
Noruega, os Países Baixos e os Estados Unidos já assinalaram que estariam
disponíveis para fornecer à Ucrânia estas aeronaves AFP VIA GETTY IMAGES
Envio de caças F-16 para a Ucrânia:
"Asas para a liberdade" ou "acto sem sentido do Ocidente"?
O Ocidente concordou em enviar caças
F-16 para a Ucrânia, que vão ajudar a proteger os céus do país, mas estão longe
de ser "poção mágica" para acabar com a guerra. Resposta russa é
incógnita.
OBSERVADOR, 31 mai. 2023, 23:181
“Asas para a liberdade.” Com esta espécie de slogan,
a Ucrânia tentou convencer os parceiros do Ocidente a cederem os seus F-16. Os
dirigentes ucranianos insistiram durante meses que as aeronaves são essenciais
para se defenderem da agressão russa. O ministro da da Defesa, Oleksii
Reznikov, chegou mesmo a escrever, num vídeo publicado no Twitter em dezembro,
uma carta ao Pai Natal a pedir os caças. Ainda assim, os países ocidentais
rejeitaram mais do que uma vez o pedido, temendo uma possível escalada do
conflito. Mas tudo mudou quando os Estados Unidos anunciaram, numa cimeira dos
G7 que ocorreu em meados de maio, que
estariam disponíveis para o fazer.
“Parece que o Pai
Natal realmente existe”, comentou Oleksii Reznikov pouco depois do anúncio,
reforçando que “os F-16 foram feitos para
derrotar os vilões”: “O tempo disso acontecer é agora”. Contudo,
a euforia ucraniana não corresponde à realidade. Com uma frota composta essencialmente
por aviões da época soviética, a Ucrânia vai precisar de alguns meses para
utilizar as aeronaves ocidentais no terreno. “A entrega dos caças não vai mudar a situação no terreno este ano”, afirmou, em declarações ao Observador, Oleg Ignatov, analista militar russo no think tank Crisis Group, assinalando, que na melhor das
hipóteses, “talvez se possam ver alguns resultados” em finais de novembro.
Como explica Oleg
Ignatov, antes de os F-16 estarem completamente operacionais, é necessário
tratar de outros assuntos: “Primeiro: treinar pilotos. Segundo: construir infraestruturas. Terceiro: garantir o fornecimento de
munições”. O Ocidente já tem
planos em marcha, no âmbito da “coligação de caças” que o Presidente da
Ucrânia, Volodymyr Zelensky, incentivou. Liderado pelos Países Baixos e pelo Reino Unido, um grupo de países — de que Portugal
faz parte — estão empenhados em entregar
aeronaves e a treinar pilotos ucranianos. “Ainda não os demos, mas vamos
dá-los”, assegurou o alto representante da União Europeia (UE) para a
Política Externa, Josep Borrell, que adiantou
que a Polónia e Malta já começaram as actividades preparatórias das
formações.
Em resposta, Moscovo voltou a subir o tom,
apontando para o surgimento de um “risco colossal”. O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, classificou o
envio de caças como uma “escalada inaceitável”, associando-o a um “desejo” dos Estados Unidos e de alguns
países europeus em “desmembrar” a
Rússia. O vice-líder do Conselho de Segurança russo,
Dmitry Medvedev, acenou novamente com a ameaça nuclear. “Quantas mais armas forem fornecidas, mais perigoso o
mundo será”, avisou.
As promessas de retaliação russa não são
propriamente novas, tendo já acontecido noutras
fases do conflito. Ainda assim, perante os caças modernos do Ocidente, que
podem representar um perigo para o espaço aéreo da Rússia, é ainda incerto se
Moscovo se ficará apenas por ameaças ou se desencadeará outro tipo de resposta.
Neste sentido, quando questionado pelos jornalistas sobre este passo não seria
um “risco colossal”, o Presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden
respondeu, de forma desconcertante, que sim
“era”. “Mas para eles [russos].”
Os caças: como é que começou e as exigências no treino
Após
conseguir obter tanques modernos do Ocidente, a Ucrânia empreendeu várias
iniciativas diplomáticas junto ao Ocidente para conseguir receber os caças. O
desejo ucraniano foi olhado com desconfiança pela maioria dos seus aliados, que rejeitaram imediatamente a proposta, no início de fevereiro.
Aliás, o ministro da Defesa da Alemanha (país que manteve uma grande
resistência ao dar a Kiev de carros de combate), Boris Pistorius, definiu que
as aeronaves seriam uma “linha vermelha” que o país não ultrapassaria.
À medida que o tempo ia passando, o
Presidente da Ucrânia insistia na necessidade de o país receber caças,
sugerindo a criação de uma coligação para o efeito, ainda que a resistência se
mantivesse. No início de maio, altura em que se esperava que a contraofensiva
já tivesse arrancado, Volodymyr Zelensky visitou os Países Baixos, mais
concretamente o Tribunal Internacional de Justiça, em Haia. O tema dos F-16 foi
discutido com o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, que, durante uma conferência de
imprensa, garantiu que o assunto não era “tabu” e que havia apoio no
parlamento do país para enviar os
caças.
A partir desse momento, o tema foi ganhando cada
vez mais destaque. Num périplo por várias
capitais europeias em meados de maio, foi em Londres que Volodymyr Zelensky viu o “sim” do
Ocidente cada vez mais perto, com a oficialização de que haveria uma coligação
de caças — e que seria liderada pelos Países Baixos e pelo Reino Unido. Ainda nessa semana, o Chefe de Estado foi um dos convidados da cimeira
dos G7 e foi aí que Joe Biden lhe
comunicou que Washington estaria disponível não só para treinar pilotos ucranianos,
como também para fornecer os caças, se bem que não tenha estipulado qualquer
prazo.
▲Encontro entre Mark Rutte e
Volodymyr Zelensky GETTY IMAGES
Em declarações à imprensa, o Presidente dos EUA
referiu somente que tinha muitas dúvidas de que os caças seriam empregues
durante a contraofensiva em que se espera que Kiev recupere os territórios
ocupados. Ainda assim, para obter as vantagens que os F-16 podem trazer ao
terreno, a Ucrânia continua a querer
tê-los à sua disposição, no menor tempo possível — e o treino é o maior
entrave, tendo em consideração que os pilotos do país estão sobretudo
habituados a aviões da época soviética.
Como conta o New York Times, que teve acesso a um plano de
treino elaborado nos finais de março (muito antes de haver o ‘sim’ oficial)
pelos Estados Unidos, as principais dificuldades dos pilotos ucranianos residem
na maneira como vão trabalhar com o cockpit, que é muito diferente em
comparação com as aeronaves soviéticas.
“A maior mudança
que eles vão encontrar é o cockpit”, corroborou ao jornal
norte-americano o general na reforma Philip Mark Breedlove, explicando que os
antigos caças soviéticos implicam um controlo praticamente manual dos sensores,
painéis de controlo e sistemas de armamentos. Ora, nos F-16, existe uma tecnologia
mais sofisticada e há vários processos automáticos: “Nunca se tira os olhos do voo. É muito mais intuitivo e muito mas
mesmo muito mais fácil conduzir sob stress”.
Philip Mark Breedlove,
general norte-americano na reforma
De acordo com o plano norte-americano, é necessário quatro a seis meses para que um piloto
experiente ucraniano possa conduzir um F-16. Adicionalmente, o Politico diz que os homens que Kiev vai
enviar têm uma alta proficiência na língua inglesa, a par de terem a ajuda de
simuladores, o que vai permitir reduzir o tempo de treino, que, habitualmente,
pode demorar vários meses.
Por estes
motivos, Oleg Ignatov estima que demorará cerca de seis meses para que os F-16 sejam
utilizados na Ucrânia. “Como vimos em outras ocasiões, os ucranianos fazem
tudo muito rápido. Este é, aliás, um dos aspetos desta guerra: tudo acontece
rapidamente e os ucranianos adaptam-se rapidamente. Aprendem a utilizar armas
do Ocidente de forma veloz”, reforça o especialista.
Os efeitos no campo de batalha
É expectável que apenas em finais de novembro os caças
cheguem a território ucraniano, ainda não sendo claro o número. A Forbes refere que podem ser
entre 50 e 60 aeronaves ocidentais, ao passo que Oleksii
Reznikov é mais ambicioso e aponta para 120 caças — o ministro da Defesa ucraniano já
sublinhou que nem todos teriam de ser caças F-16, podendo ser aeronaves
modernas alemãs ou suecas.
Em qualquer
um dos casos, na opinião de Oleg Ignatov, qualquer reforço na frota ucraniana
seria uma ajuda. “Os ucranianos têm cerca de 200 antigos jactos soviéticos, mas são poucos
para ter impacto no terreno. Kiev precisa de mais, precisa
de centenas para conseguir fazer face à Rússia”, explica, acrescentando que a
Rússia tem “cerca de 500 a 600” apenas nos territórios da Ucrânia que ocupou.
Oleg Ignatov, analista militar russo no think tank Crisis
Group
O especialista
considera, por isso, que os caças “influenciarão” o conflito e poderão trazer
vantagens para a Ucrânia. Mas, vinca Oleg Ignatov, sempre tendo em consideração
que é um “investimento a longo prazo”
para uma “possível operação ofensiva” no
final do ano, se a tão aguardada contraofensiva não obtiver os resultados
pretendidos.
Com uma velocidade na ordem dos 900
quilómetros por hora e possuindo uma grande resistência, os F-16 conseguem
disparar contra alvos em terra e no ar com muito mais precisão do que as
aeronaves soviéticas. Segundo uma descrição no site da
Força Aérea norte-americana, estes caças podem “localizar alvos em todas as condições
meteorológicas e detectar aeronaves em baixa altitude”. “O F-16 pode voar mais
de 860 quilómetros por hora, lançar mísseis com uma precisão superior,
defender-se contra aeronaves inimigas e retornar ao ponto de partida.”
Devido às suas
capacidades, os F-16 poderiam ajudar nas operações ofensivas ucranianas,
conseguindo romper as linhas defensivas russas com maior facilidade. Mas, na óptica de Oleg Ignatov, a Ucrânia
vai usufruir mais de como os caças podem defender o espaço aéreo do país.
Aliás, Volodymyr Zelensky disse, num discurso, que —
sem aeronaves modernas — “nenhum sistema de defesa aéreo seria perfeito”.
Na lógica da narrativa de que a contraofensiva será
forte o suficiente para repelir as tropas russas dos territórios ocupados, Oleg
Ignatov sinaliza que os caças — a chegarem apenas no final do ano — vão
essencialmente aumentar as capacidades defensivas do país. Além do mais, as
Forças Armadas ucranianas estão num processo de transição da “era soviética
para a doutrina da NATO”, tendo em vista uma possível entrada de Kiev na
aliança atlântica.
“É um investimento futuro para as capacidades de
defesa da Ucrânia, para não ficar tão vulnerável aos ataques russos”, reforça o analista think tank
Crisis Group. “Vemos que o exército
ucraniano está a receber armas ocidentais e que vai funcionar segundo os padrões
de armamento do Ocidente. Se o exército
funcionar de acordo com os padrões da NATO, precisa obviamente de caças”,
aclara.
Contudo, os F-16 serão mesmo
decisivos se a guerra ainda durar no final do ano? Oleg Ignatov tem dúvidas, assim como o
chefe das Forças Armadas dos Estados Unidos, Mark Milley: “Não há poções
mágicas na guerra. Os caças não são e não há nada que o seja”. Frisando precisamente o ponto de que aumentará as capacidades de a Ucrânia se defender
(e não atacar), o responsável militar
traçou igualmente um paralelismo com a Rússia, durante uma conferência online citada pelo Político.
“Os
russos têm mil caças de quarta geração [a mesma que os F-16]. Se se vai
enfrentar a Rússia no ar, então será preciso uma quantidade substancial de
caças de quarta e quinta geração”, começou por dizer Mark Milley, expondo
depois os elevados custos das aeronaves. “Se
olharmos para os F-16, dez aeronaves custam mil milhões de dólares [cerca de
939.760.000 euros] e a manutenção custa mais mil milhões de dólares”, nota,
justificando que as aeronaves não foram enviadas logo no início da guerra para
a Ucrânia porque poderiam colocar em causa o envio de outros pacotes de ajuda
militar, estes mais pertinentes para a defesa do país.
"Os
russos têm mil caças de quarta geração [a mesma que os F-16]. Se se vai
enfrentar a Rússia no ar, então será preciso uma quantidade substancial de
caças de quarta e quinta geração. Se olharmos para os F-16, dez custam mil
milhões de dólares [cerca de 939.760.000 euros] e a manutenção custa mais mil
milhões de dólares" Mark Milley, chefe das Forças Armadas
dos Estados Unidos
Tal como Oleg Ignatov refere, esta guerra
utiliza essencialmente meios terrestres. “Esta
guerra tem uma utilização mais intensiva da artilharia e da infantaria e não é
tanto sobre o domínio aéreo”, enfatiza, conjecturando,
por isso, que pode haver “diferenças no terreno” com os caças, mas não serão
significativas.
Em
contraponto, o professor universitário na área dos estudos da guerra no King’s
College London, David J. Betz, considera que os meios aéreos mais avançados “não
farão qualquer diferença na trajetória do conflito”, sinalizando que a Ucrânia
não tem caças “em número suficiente” nem capacidade para, “em teoria”,
sobreviver ao poderio russo. Assim sendo, classifica este acto, ao Observador,
como “sem sentido e estrategicamente errado” por parte do Ocidente.
A resposta russa e a possível agressão
Para além de
Sergei Lavrov, que apontou para uma “escalada”, e de Dmitry Medvedev, que
acenou com o perigo nuclear, o governo russo, pela voz do vice-ministro dos
Negócios Estrangeiros russo, Alexander Grushko, lamentou que a atitude do
Ocidente comporte “riscos colossais” para todos os lados do conflito,
inclusivamente para os parceiros da Ucrânia. “Em qualquer caso, isto será tido em conta em todos os nossos
planos e temos todos os meios necessários para atingir os objectivos que
estabelecemos”, esclareceu.
▲Alexander
Grushko advertiu para uma escalada do conflito RUSSIAN FOREIGN MINISTRY/TASS
Em que moldes
e o que significam esses “riscos colossais” o governo russo nunca detalhou.
Porém, para Oleg Ignatov, as declarações não passam de “retórica” e
dificilmente terão efeitos práticos. “Eles têm de reagir de alguma forma. Não
entendo é como é que eles podem responder”, sublinhou o especialista, assinalando
que a Rússia “não tem qualquer espaço
de manobra” para retaliar.
Assunto diferente seria se os ucranianos invadissem o espaço aéreo russo,
mas isso não se afigura provável. Embora na prática seja
possível, o especialista do think tank
Crisis Group acredita que, tal como acontece com outros equipamentos
militares, a Ucrânia não deverá ter o
aval do Ocidente para o fazer — e os caças deverão trazer algum
mecanismo que impeça que isso aconteça.
Neste contexto, Joe Biden,
após dar a luz verde para o envio dos caças, salientou que, durante uma reunião
com o Presidente ucraniano, obteve a “garantia” de que os F-16 norte-americanos
não entrarão no espaço aéreo russo. “Estamos a mover-nos numa direcção
em que somos capazes de colocar [a Ucrânia] numa posição de se defender de uma
forma mais além do que era capaz”, vincou o líder norte-americano. “Eles não vão utilizar caças para entrar no
território russo adentro. Mas poderão usá-los nos territórios ucranianos onde
estejam as tropas russas.”
Opinião distinta
tem David J. Betz, que antevê um “potencial de escalada” muito “poderoso”, o
que prova que a acção do Ocidente não fez
sentido. “É um grande risco para não
haver qualquer ganho plausível”, reforça.
A coligação dos caças — e Portugal
Neste momento, os
Estados Unidos não estão a treinar pilotos ucranianos, ainda que a Polónia e
Malta tenham começado as actividades preparatórias. Ao abrigo da coligação de
caças, o secretário da Defesa, Lloyd J. Austin, indicou que há “vários países”
que estão a “ajudar a tornar possível o treino” numa “coligação europeia”. O responsável norte-americano agradeceu à
Noruega, à Bélgica, a Portugal e
à Polónia pela sua contribuição, bem como saudou a iniciativa da Dinamarca e
dos Países Baixos na liderança do grupo.
No caso português, fonte do Ministério da Defesa nacional disse esta quarta-feira, ao
Observador, que os pormenores ainda estão a ser discutidos. Assim sendo,
nem está definido “que tipo”, nem “quantos”, nem que “países” é que vão
fornecer treino aos pilotos ucranianos. Há, assim, uma “base de incerteza”
e é necessário, diz a mesma fonte, “aguardar
pela definição de critérios” em termos globais.
Ainda não é
claro, igualmente, que países é que vão fornecer F-16 à Ucrânia: apenas a Dinamarca, a Noruega, os
Países Baixos e os Estados Unidos já assinalaram que estariam disponíveis para
fornecer à Ucrânia aquelas aeronaves. Por sua vez, Portugal e Polónia, entre
outros, já anunciaram que não vão enviar os aviões de combate para território
ucraniano.
Depois de uma
insistência de meses, a Ucrânia quer finalmente ter na sua frota aeronaves
modernas e prontas para combater. Os F-16 não serão uma “poção mágica” para
alterar rumo do conflito (se ele ainda durar daqui a seis meses), mas
ajudarão, pelo menos, o país a defender
o seu espaço aéreo. Ainda
está por desvendar como é que a Rússia vai reagir e se vai colocar em prática
as ameaças.
COMENTÁRIOS:
João Eduardo
Gata: O essencial é expulsar todas as tropas
russas da Ucrânia, incluindo Crimeia, e provocar o Colapso do Regime Russo. Se
a seguir houver uma guerra civil na Rússia, isso é irrelevante.
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