sexta-feira, 16 de junho de 2023

Liberdade, liberdade

 

Quem na tem chame-lhe sua: Eu não tenho liberdade nem de pôr o pé na rua”.

Para além dos protestos de Inês Pereira, fechada em casa “como panela sem asa que sempre está num lugar”, e que por isso se rebela, ou a explosão pessoana no “Ai que prazer não cumprir um dever”, ou o próprio Ricardo Reis a garantir à sua Lídia, que o factor humano voluntarioso de enlaçar ou não as mãos com ela era despiciendo, dada a irrefutável condição de seres condenados, tal como o rio que passa, e que por isso mais vale não nos ralarmos tanto com as convenções, ou as imposições, fazendo apenas o que nos dá na gana, livremente, não podemos deixar de referir o apelo, já eivado de romanticismo, de Bocage à Liberdade, como algo que a humanidade infeliz preza, e muito mais quem dela esteve privado, como foi o seu caso:

Liberdade querida e suspirada,
Que o Despotismo acérrimo condena;
Liberdade, a meus olhos mais serena,
Que o sereno clarão da madrugada!

Atende à minha voz, que geme e brada
Por ver-te, por gozar-te a face amena;
Liberdade gentil, desterra a pena
Em que esta alma infeliz jaz sepultada;

Vem, oh deusa imortal, vem, maravilha,
Vem, oh consolação da humanidade,
Cujo semblante mais que os astros brilha;

Vem, solta-me o grilhão da adversidade;
Dos céus descende, pois dos Céus és filha,
Mãe dos prazeres, doce Liberdade
!

Mas o Dr Salles não vai em filmes sobre animais livres, nem, provavelmente, nos sentimentalismos ditados, ontem, pelas sensibilidades mais ou menos boémias e revoltosas, hoje, pelas convenções democráticas que defendem a liberdade, e não só como norma que iguala todos os homens, numa solidariedade dos bem formados destes tempos de fraternidade, sabendo bem quanto são falsas as teorias que escondem por vezes intenções perversas. Mas estou a defender o meu ponto de vista, que contradiz um pouco o do Dr. Salles, apoiado na Constituição. Essa de que os homens nascem livres e iguais em direitos, é bem utopia, indeed, pura convenção racional, apoiada em Ética, mas sofisma político, que a realidade contradiz.

BORN FREE

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 15.06.23

Anda aí pelas televisões uma publicidade que usa o belíssimo tema musical do filme «Born free» que me levou a puxar pela memória.

História contada como verdadeira, de um casal americano residente no Quénia, que adopta uma leoa infantil órfã e cria-a como animal doméstico, de companhia. Só que a «gatinha» cresceu e transformou-se numa leoa que nunca passou fome nem sede e…deixou de caber na vida doméstica. Vai daí, os «pais adoptivos» decidem mandá-la para a floresta porque «she was born free» (tinha nascido livre). Segue-se todo o processo de aprendizagem da vida selvagem até ao tipicamente americano «happy end» com a heroína da festa a lamber as suas próprias crias e com as Senhoras na plateia do cinema a puxarem dos lencinhos com que secam a emoção. O filme acaba ao som do tema musical que agora foi despromovido a anúncio de um qualquer «sabão macaco». Pelo menos, continua na selva…

Belo filme que recomendo aos meus netos.

* * * *

Silenciados cantor e violinos, creio que isso de se nascer livre tem que se lhe diga, politicamente livre mas geneticamente vinculado à respectiva herança. Refiro-me ao que vulgarmente se chama de instintos que, salvo erro, são uma parte do software instalado no hardware a que chamamos código genético. Essa herança é condicionante de todo o comportamento e, daí, eu afirmar que o título do filme é romântico, sim, mas falso pois a única liberdade à nascença é de índole política, apenas aplicável humanos e não a uma leoa.

E se refiro liberdade política, faço-o para me enquadrar na «Declaração Universal dos Direitos Humanos» (ONU 1948) porque o meu entendimento abarca sobretudo à capacidade de gestão do livre arbítrio o que implica o domínio de conceitos tão básicos como o bem e o mal. E estes, por sua vez, integram códigos tão sofisticados como Ética e Moral.

Evidentemente, nada disto se aplica a uma leoa assim como não se aplica a uma amiba ou a uma alforreca.

CONCLUSÕES

Todos, humanos e outros, somos geneticamente condicionados e apenas as pessoas nascem politicamente livres;

A liberdade é condição essencial do ser humano.

Junho de 2023

Henrique Salles da Fonseca

Tags: filosofia

 

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