quarta-feira, 19 de julho de 2023

Ele não é de escritas


Mas de falas sim. Bota-as boas e sorridentes, ele, o Costa, acompanhando-as com os trocos da nossa submissão, ponto final. Quanto a Passos Coelho… quem dera que ele fosse uma espécie de Zelensky, de igual fervor como amante da sua pátria espezinhada, rodeando-se de um conjunto de patriotas como ele, apesar das dificuldades no convencimento de um povo que gosta essencialmente de folia…

Mudar?

Um dia Passos Coelho disse-me que não sabia porque haveria de voltar à política. “Continuo com as maiores dúvidas que o país queira mudar estruturalmente qualquer coisa de importante”. Hoje também diz.

MARIA JOÃO AVILLEZ Jornalista, colunista do Observador

OBSERVADOR, 19 jul. 2023, 00:2051

1A litania perseguiu-nos incansavelmente. Ao princípio, soava-nos como uma reacção política que podia ser verosímil; depois ia sendo cada mais igual, e finalmente, isto é, 14 meses depois (!) tornou-se inaguentável: “deixemos a justiça funcionar”, António Costa dixit.

Apetecia perguntar a Costa, primeiro-ministro de Portugal há oito anos, a qual Justiça se refere. A que aí está? A que dá pelo nome mas não está? A que se foi estilhaçando por entre esta governação já longa? A ladainha incomoda por mais de uma razão: primeiro porque não haver Justiça; depois porque fazer crer que ela existe faz de nós um bando de imbecis; e finalmente porque a política — e por isso a governação — não pode confundir-se com repetições monocórdicas de frases feitas e clichés inconsequentes. Umas e outros atirados para o ar da media como a melhor — ou devia dizer a “única”? — resposta para situações duvidosas e/ou obscuras e já lá vai um bom par delas. Quando um chefe de governo mais nada tem a dizer ao seu país após a décima terceira ou décima quarta demissão do seu governo senão uma frase que ele sabe sem futuro, nem destino, que se pode esperar ainda dele? A menos que se dê por satisfeito (?) com um tardio texto que publicou há dias aqui no Observador. Pouca sorte: o escrito não aqueceu, nada arrefeceu, a ninguém convenceu: o seu autor ficou a meio de uma ponte que não apetece atravessar.

2Qual era o delito que não percebemos bem? Buscas de supetão às sete da manhã em casa de um cidadão de cuja seriedade nunca levantou suspeitas? Computadores, papéis, telemóveis que de também de supetão abalam da sua morada? Televisões que, se não estavam avisadas, parecia que estavam? Alarido, conversas de varanda, espectáculo? Quanto mais ele durava mais o nível da água da democracia descia. Que tem de estar a acontecer no país para o Ministério Público ter caído disto abaixo? Lucília Gago, Procuradora Geral da República sabia desta operação relâmpago? E concordou com ela? Ou não sabia e… pior?

Rio defendeu-se com o humor – não faz, digamos, o meu género preferido de intervenção política - mas a sua perplexidade, que se imagina imensa, levou-o para isso. Humor tristíssimo, num caso perigoso. Ou que — modestamente e sem formação jurídica — assim me parece. Os sinais vermelhos políticos são para ser accionados. É o caso: expliquem-nos o delito e o comportamento.

3Percebi, tardiamente aliás, que ninguém jamais nos explicará o que ocorreu com o SIS há semanas: eis um sinal vermelho que nunca será accionado, o que prevaleceu foi o mistério e o mutismo. Mau sinal. Mas que dizer também das notícias que vamos tendo sobre o estado de eficácia e responsabilidade do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), quando sabemos a vital importância de um serviço público com estas características? Se lhe juntarmos a recente derrapagem do Ministério Público e o obstinadamente opaco silêncio do SIS, quantas portugueses normalmente constituídos dirão que estamos bem entregues?

4Esta mistura insalubre, ou melhor, esta articulação insalubre entre factos, silêncios, abusos de poder, comportamentos irresponsáveis, desconfianças, suspeitas e — sim, sim – corrupção a granel está a tornar-se tão tóxica que me interrogo, a sério, sobre quem ainda queira um dia, quando o vento rondar, pegar “nisto”. Quem acredite que consegue protagonizar a recusa de uma prática política que não provou — nem no desígnio, nem no resultado – para um entendimento dela norteado pela responsabilidade e pelo serviço. Os estragos operados por esta governação não iludem ninguém. E nalguns casos — Educação — são devastadores; noutros – Justiça –, sulfúricos.

E no entanto… mais importante do que saber quem se propõe combater e inverter o “downgrading” a todos os níveis, ocorrido no país, importa muito mais saber se há portugueses disponíveis para corresponder a tão ciclópica empreitada. Haverá?

Um dia, lembro-me bem, Passos Coelho havia de me dizer — e eu tomei boa nota — que não sabia porque haveria de voltar à política se os portugueses não queriam nada do que ele teria de fazer para mudar as coisas, (“continuo com a maior das dúvidas que o país queira realmente mudar estruturalmente qualquer coisa de importante”). Por mim gostaria de um país — e não de um sítio — onde não se (sobre)vivesse entre as “garantias” da pertença ao funcionalismo público e as esmolas externas.

No estado da arte será pedir demais? Ou Passos Coelho tem razão?

POLÍTICA    ANTÓNIO COSTA    JUSTIÇA

COMENTÁRIOS ( de 51)

Ana Luis da Silva:  “Misturar”? Alhos com bugalhos… Pelo intróito pensei que se fosse falar de um possível regresso de Passos Coelho (uma centelha da esperança?) à política, o que não tinha mal nenhum, bem pelo contrário, daria finalmente crédito a um PSD desmoralizado, para afinal ficar a ler umas linhas que me encheram de fastio acerca de uma busca domiciliária levada a cabo pelo MP a um ex-dirigente partidário de má memória e que bem poderá ter motivos sérios para acontecer, com críticas nada veladas e acusações de manipulação política, com recurso selectivo a outros momentos infelizes (menos da administração da Justiça do que da actuação encapotada e mafiosa dos socialistas que nos governam), e ao chavão de um António Costa sempre pronto a ser igual a ele mesmo… para quê? Porquê misturar a actuação do MP no caso Rio, que os portugueses ainda não perceberam completamente, com o que já sabemos da vergonhosa actuação política deste governo? Com isto não estou a dizer que o MP tenha actuado bem ou mal (mais tarde saberemos), mas a suspeição sobre os órgãos da justiça sem provas irrefutáveis tem que parar, se de facto queremos continuar a acreditar na separação de poderes. Que os políticos sempre tentarão manipular, claro. Mas assim, deste modo, não há jornalismo sério.             Eduardo Horta: Passos Coelho tem obviamente razão. Captar esse desejo de conservadorismo, talvez réstea do regime anterior foi o maior mérito de António Costa. Ele leu o país como ninguém e deu-lhe o que queria. Só isso explica a sua durabilidade e a nossa indiferença.                  João Floriano: Passos Coelho está coberto de razão. Mudar vai exigir sacrifício e sobretudo tocar em interesses instalados, vai ser doloroso e em breve o governo que venha substituir Costa vai ser confrontado com uma oposição feroz. A herança deixada por AC acolitado por Marcelo Rebelo de Sousa é pesadissima . O dia a dia da nossa política é feita de banalidades, anedotas, clichés como aquele que o governo mais aparecia:«estamos a trabalhar na resolução dos problemas dos portugueses.», sondagens, interferências grosseiras do PR, tudo o que possamos imaginar, menos o que de facto interessa. E uma notícia de todo o interesse é que o PM, vai dar a volta ao mundo para ver a estreia da selecção feminina de futebol. Estamos tão felizes com um PM que aprecia futebol, mas tão felizes, que estou aqui a sar saltos de alegria.                     Carlos Chaves: Caríssima Maria João, sim, sim e sim. O Passos Coelho tem toda a razão! Na minha opinião existem três factores fundamentais para os Portugueses não quererem mudar mesmo quando vivem nesta hipocrisia onde todos (menos os corruptos que vivem à nossa conta) sabem e sentem que tudo ou quase tudo está mal e muito mal, a Justiça, a educação, a saúde, os transportes, a segurança, a defesa, as finanças públicas, a segurança social, a cultura, os serviços públicos… até a democracia está em perigo. A dependência do Estado que o socialismo alimenta, e não é só o aumento dos funcionários públicos são também as “esmolas” que ardilosamente arranja, extorquidas dos impostos de quem trabalha no privado, para convencer os menos avisados da “bondade” do socialismo. A política da Comissão Europeia e do Conselho Europeu, que vão financiando acriticamente estas políticas de “adormecimento” do povo, ao contrário do que aconteceu durante o dificílimo consulado de Passos Coelho. O envelhecimento da população e a não aceitação deste estado de coisas por parte dos mais jovens e mais bem formados, levando-os a abandonar o país. Na física de Newton aprendemos que todos “corpos” tendem para o seu estado de repouso, ou seja, com uma população mergulhada nas condições acima descritas, não lhe peçam para mudar, pois seria pedir-lhes que saíssem do “repouso” e como já alguém disse os “velhos” não fazem revoluções!                                              Fernando CE: Passos Coelho tinha e tem razão. Na maioria, somos um povo sem ambição, sem exigência pessoal e individual, adepto e acomodado da cunha , do jeitinho, dos “ conhecimentos” , algo hipócrita, lambe-botas, que não gosta de se esforçar nem activamente mudar o que está mal. Exemplos: se precisa de uma consulta médica rápida, arranja um conhecimento, fala com um amigo que conhece outro amigo para arranjar um emprego para o filho, no trabalho apoia o chefe apesar de saber que ele é menos honesto, no restaurante caro conhece alguém a passar à frente dos outros, etc etc. . Poderia dar dezenas de exemplos. Este país não tem solução. Não existe “coragem civil” pela maior parte dos cidadãos. Voto em branco comentando o Passos Coelho, o país quer mudar, por isso é que lhe deu a vitória nas eleições após ele ter implementado uma subida enorme de impostos. Agora, está claro que as televisões, a imprensa, os comentadores, os sindicatos (dos profs, da CP, dos funcionários judiciais, dos enfermeiros, etc) e o PSD, nenhum deles quer realmente mudar estruturalmente qualquer coisa de importante, porque todos são mamões do povo oprimido              Miguel Ramos: Este País não é do Passos Coelho, é do António Costa, do Galamba, do Pedro Nuno Santos e do Medina.             Ana Maia: Pois é cara Maria João, os portugueses querem mudar alguma coisa? Aparentemente, a ver pelos últimos anos, não, estão óptimos como estão pois têm um governo que dá enquanto o Passos tirou. E ter sido o PS a causa, não os demove, nem o PSD alguma vez se mostrou particularmente interessado em explicá-lo. Eu pessoalmente, e não sou garantidamente a única teria todo o gosto e prazer em votar no Passos Coelho, mas sejamos honestos, a maioria dos portugueses tem o que quer, gosta e escolheu, e continuaria a escolher a acreditar nas sondagens. Repito pela enésima vez, o pais não merece um Passos, merece o Costa e todos os Costas que se lhe seguirem.                Mario Bastos: Passos Coelho tem razão. Os resultados eleitorais das últimas legislativas que deram uma maioria absoluta do PS são disso prova.

 

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