«E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.»
É certo que Camões não se referia às
mudanças climáticas, causadoras de consequências apocalípticas, segundo os profetas
das desgraças, mas a constatações do foro social e moral, que era o que mais se
impunha aos humanistas daqueles tempos, e de todos os tempos, afinal, nessas
questões mutacionais. Mas os humanistas destes nossos tempos, como Alberto
Gonçalves, têm pano para mangas nas suas pistas de conceitos e de
tudo fazem ramalhetes para as suas concepções do mundo, no virtuosismo do seu pensamento
sarcástico, de racionalismo misantropo, ou apenas impaciente da tolice humana.
Ai Jesus, que está calor em Julho!
Eu não nego coisa nenhuma. Limito-me a
constatar o imenso ridículo em que há meio século incorrem as profecias do
ramo, recorrentemente desmentidas pela realidade, a autêntica negacionista
disto tudo.
ALBERTO GONÇALVES Colunista do
Observador
OBSERVADOR, 22
jul. 2023, 00:217
Foi só em 1967 ou 1968 que vimos a
Terra a cores, no caso o azul porque essa é a luz que os oceanos reflectem. A Terra já era “azul” há uns quatro mil
milhões de anos, e continuou a sê-lo por mais cinquenta e pico. De
repente, aí por 2020 ou 2021, deixou de o ser. O planeta mudou de “pantones”, pelo
menos a acreditar nos mapas meteorológicos nos meses de Verão, que passaram a
mostrá-lo laranja,
vermelho, púrpura e, presume-se que para os territórios carbonizados, preto, de
acordo com as temperaturas de cada lugar. Antes, os mesmos mapas, e
para as mesmas temperaturas, mantinham-se fiéis ao azul, intercalado com o
verde para distinguir os continentes do mar. Agora é o inferno. Um
inocente que consulte as previsões do tempo a fim de averiguar se amanhã pode
ir à praia é imediatamente atacado por imagens retiradas do Livro da Revelação,
com um fogo perpétuo (ou de Junho a Setembro, vá) no lugar do areal, do país e
do hemisfério inteiro. As temperaturas máximas, informam os meteorologistas, atingirão os trinta e tal graus, fenómeno
sem precedentes desde a última vez que aconteceu.
A causa disto são as alterações climáticas. Corrijo: a causa disto é
o medo que se deseja suscitar a propósito das alterações climáticas. Há por aí a ideia de que é urgente que a
humanidade viva aterrorizada com as consequências da sua própria existência.
Idealmente, a humanidade nem devia existir, com excepção das ilustres cabeças
que alcançaram semelhante conclusão. Com fastio, e vasta generosidade, as
ilustres cabeças lá permitem a nossa sobrevivência, mas sem os luxos a que a
tecnologia nos acostumou, como carros e comida. Bicicletas e larvas chegam
perfeitamente. Com regularidade, os senhores do mundo viajam em jactos privados
para reuniões onde, em redor de mesas frequentadas por foie gras, condenam o
uso de combustíveis fósseis e as refeições. E depois mandam pechisbeques espalhar a
mensagem pelos ímpios: pequenas
Gretas, celebridades sortidas, “líderes” (tosse) políticos, Guterres e
portentos em geral discursam enojados com os excessos de quem ganha mil e
poucos euros e mal consegue pagar a casa (a qual, não tarda, vai parar ao
Estado).
A Covid demonstrou que os esforços para salvar a Terra e arruinar os
respectivos habitantes não se reduzem às questões do clima. Porém, o “imaginário”
apocalíptico transforma o clima no instrumento perfeito. Não é à toa que há
décadas nos massacram com previsões do iminente Juízo Final, que nunca finda
nem é muito ajuizado. Descontados os inúmeros antecedentes históricos, a
actual vaga de histeria começou na alvorada dos anos 1970, ou seja logo após a
publicação das tais fotografias do planeta “azul”. Coincidência? Provavelmente.
Certo é que de então para cá se multiplicaram profetas empenhados em informar
as massas de que as massas não iriam longe. Motivos? A fome, que dizimaria
metade da espécie em 1974. O buraco do ozono, que nos pulverizaria em 1980. As
chuvas ácidas, prontinhas em 1985. A nova idade do gelo, a entrar em 2000. Os
dilúvios, despejados em 2010. O desaparecimento do Árctico, consumado em 2015.
A boa notícia é que os
especialistas na matéria parecem apenas especializados em falhar sempre. A má notícia é que isso não os impede de
voltar a tentar – e voltar a falhar. Há centenas, talvez milhares, de
exemplos de espalhanço. Gosto em particular do de Stephen Schneider,
cientista britânico que em 1976 escreveu The Genesis Strategy, livrinho em
que, à conta do arrefecimento global, anunciava o sumiço quase completo dos
cereais cerca de 1979. A tese foi levada a sério por investigadores, estadistas
e os “media”, que se lançaram num recomendável pânico até que, em 1977, uma
série de outros estudos inabaláveis indicava que, afinal, o verdadeiro
perigo vinha do aquecimento global. Schneider não
demorou a inverter a marcha e abraçou com o fervor do costume a novidade. Nos
trinta anos seguintes, serviu a Casa Branca em seis administrações, sendo um
dos maiores peritos em alertar para as catástrofes decorrentes do aumento das
temperaturas. Morreu em 2010. Num momento de rara pertinência,
reflectiu sobre a necessidade de assustar as populações e de distorcer
informação: “Cabe a cada um de
nós encontrar o equilíbrio entre a eficácia e a honestidade”.
A tendência para se
desvalorizar a honestidade em prol da eficácia é uma das razões que me levam a
desvalorizar o cataclismo climático em prol de uma modesta indiferença ao
assunto. Não aprecio proselitismos, nas religiões tradicionais ou naquelas que
substituíram o marxismo arcaico. De Jonestown a Waco, do
Templo do Sol aos terraplanistas de Oliveira do Hospital, não sou propenso a
cultos. E o clima, do modo excitado que nos é vendido pelos governos e pelas
televisões, tornou-se um culto. Um culto com gurus, santinhos, dogmas,
sacrifícios, fanáticos e, claro, hereges, que o catecismo designa por
“negacionistas”.
Eu não nego coisa nenhuma.
Pelo contrário, limito-me a constatar o imenso ridículo em que há meio século
incorrem as profecias do ramo, recorrentemente desmentidas pela realidade, a
autêntica “negacionista” disto tudo. Por azar, nos cultos milenaristas o
falhanço das profecias não diminui a crença nas ditas: os gurus arranjam
maneira de fintar os factos, e os devotos arranjam maneira de prosseguir a
devoção. Ao segundo exercício, os psicólogos chamam
redução da dissonância cognitiva. Ao primeiro, os juristas chamam fraude. E
quando, ainda esta semana, um
estudioso local afirma que a Irlanda – e suponho que Portugal – está a sofrer
um “aquecimento global assintomático” (não faz lembrar nada?), uma boa dose de
fraude parece evidente.
Por mim, não sei se o mundo está a
aquecer ou a arrefecer. Não sei se qualquer das hipóteses nos é alheia ou
provocada pelo homem, essa excrescência que convém extirpar à natureza. Não sei
se, a provar-se, a influência antropogénica tem retorno, e o que é que,
descontado o folclore, o retorno implica. Sei que não faz sentido
abdicar do relativo conforto adquirido, e regressar ao Paleolítico ou ao
maoismo, a pretexto de um Apocalipse constantemente adiado e a troco de uma
salvação claramente duvidosa. E sei que, após berrarem que se farta, os cultos
terminam em suicídio colectivo, no fundo a confirmação possível das profecias.
Fica a sugestão.
ALTERAÇÕES
CLIMÁTICASCLIMA AMBIENTE CIÊNCIA ACTIVISMO SOCIEDADE
COMENTÁRIOS:
Alexandra Ferraz: Boa Alberto,
como sempre !!! Alguém disse um dia que ' quando o Homem deixou de ter medo de
Deus passou a ter medo de tudo' ... este estranho mundo está cheio de profetas
da desgraça que nos infernizam a vida todos os dias. Valha-nos o seu bom humor
.🙌 Paulo
Doutel: Então este mês
de Julho está mesmo um calor que não se pode! Maria Cordes:
O mês mais quente, ahahah. Tem razão, um
novo culto manuel santos:
"Por mim, não sei se o mundo está a
aquecer ou a arrefecer". Sugiro-lhe que se informe antes de escrever sobre
o assunto, então. Passou literalmente o mês mais quente de sempre, que será
provavelmente ultrapassado por este mês. Os insectos - que são a base da cadeia
alimentar dos vertebrados - estão todos a morrer. Isto é visível por qualquer
pessoa que viva no campo ou perto dele. Nunca, em milhões de anos, houve um
ritmo de aquecimento como o que temos agora. E se não quer saber do planeta,
queira ao menos saber das pessoas que nele vivem. José Paulo C
Castro: Belíssima sugestão. Maria
Paula Silva: Fartei-me
de rir e ainda estou a rir e adoro rir antes de ir dormir :) Delicioso!!! Adorei a "“aquecimento global
assintomático”" e a sugestão final..... ahahahah O que eles não sabem é que o planeta sempre esteve em
"alterações climáticas" , nada disto é novo, que o
digam os dinossauros. Curiosamente, uma amiga minha postou ontem uma memória
(no FB) de há exactamente 2 anos, uma imagem da meteorologia do dia que dizia
"20/7/2021 dia fresco"..... Obrigada, AG. PENSADOR: AG , sem dúvida, um dos melhores cronistas cá da santa
terra! Uma escrita imaculada, um pensamento irreverente e um espírito crítico
mal empregue neste triste país. Estivéssemos num Reino Unido ou nuns EUA e
seria considerado um "senador da escrita". Por cá, é ignorado e
ostracizado por uma gentinha acéfala, que chegou ao cúmulo de o despedir por
ser "inconveniente"... Pode-se não concordar com tudo o que escreve
(como é por vezes o meu caso), mas que a sua escrita é de uma subtileza e
beleza difícil de igualar, é uma certeza! Caro AG, não se canse com "os
cães" pois a sua caravana passa, se bem que eles ladrem muito... É o que
se chama: dar pérolas a porcos! Bem haja. Clavedesol:
Obrigado Alberto Gonçalves! Tudo o que eu penso e jamais conseguiria passar para o
papel! Para isso é preciso talento . E você tem-no “para dar e vender “ ! Bem
haja!
Nenhum comentário:
Postar um comentário