Claro como a água
Que cai do céu e se escoa imortalizada nos
“espertos ribeirinhos que riam com os seixos, por entre as patas da
égua e do burro”, que conduziam, para Tormes, Jacinto e Zé
Fernandes. Assim é o discurso de Alberto Gonçalves, puro e duro, de quem
sabe o que o título da sua crónica insinua e que subentende que quem não se
sente não é filho de boa gente.
Não insulta quem quer: insulta quem sabe
Como funcionará o cérebro de quem
sugere Rennie para se convencer de que venceu um debate? Em suma, não funciona.
ALBERTO GONÇALVES Colunista do
Observador
OBSERVADOR, 29
jul. 2023, 00:2110
As opiniões que produzo aqui e na Rádio
Observador levam diversas pessoas a insultar-me, mediante e-mail ou comentário
na net. Acho muito bem. Se eu tenho a liberdade de criticar quem entender, os
demais devem ter a liberdade de me criticar a mim. Claro que, por regra
raramente violada, eu critico criaturas com poder ou influência junto do poder,
enquanto os meus críticos me atacam para defender criaturas com poder ou
influência junto do poder. Também é verdade que estou evidentemente
identificado e os meus críticos se escondem com frequência atrás de pseudónimos
impossíveis de desvendar e, às vezes, até de ler. E não descuro a
diferença entre assinar uma coluna e passar as madrugadas a rastejar por “redes
sociais” alheias de modo a deixar registo da nossa antipatia para com alguém.
Mas nada disso é um problema. O único problema dos insultos que me dirigem é a
qualidade dos mesmos.
Desculpem
dizê-lo, rapaziada: os vossos insultos são fraquinhos. Para ser rigoroso, em
geral roçam a indigência e embaraçam, ou deviam embaraçar, o respectivo
perpetrador. Não se admite que indivíduos presumivelmente adultos (questão que
está por apurar) afrontem o próximo, no caso eu, de maneira tão primitiva. E,
pior, previsível. Sucede que, além de miseráveis, os insultos são repetitivos,
formatados e encaixam sempre em uma de quatro ou cinco categorias, que passo a
enumerar com propósitos pedagógicos e, no limite, humanitários.
O insulto capilar. Um tipo amanha cinco mil e quinhentos
caracteres, por exemplo, acerca das poucas-vergonhas em redor da TAP e o que
recebe em matéria de argumento discordante é a acusação de que é careca.
Assim, literalmente: “Cala-te, que és
careca!”. Meus caros, eu sei que sou careca. Já reparei nisso há uns
dez anos. Possuo acesso a espelhos, fotografias e ao sentido do tacto. Em
contrapartida, vocês não parecem
possuir sentido do ridículo, nem idade para concluir o infantário.
Alertar para a minha calvície não é só redundante (ver razões acima) e
inconsequente (o pormenor não me incomoda): é uma micro-agressão descabelada
a todos os carecas que não o admitem e que apreciam a governação socialista em
matéria da TAP e do que calha. Pensem nisso, se conseguirem pensar.
O insulto gástrico. Um tipo lamenta a devastação programada do alojamento
local ou, sei lá, a viagem do dr. Costa à Nova Zelândia para ver a bola e
recebe inúmeros conselhos para ingerir Rennie, o popular antiácido recomendado
no tratamento da azia e da indigestão. Ocasionalmente, os especialistas,
talvez subsidiados pelo laboratório rival, preferem receitar-me Kompensan.
Em qualquer das hipóteses, este é o “insulto” mais comovente que consigo
imaginar. Usei aspas porque não é bem um
insulto, antes um teste demonstrativo de que o atraso mental é um drama que não
pode ser descurado. Como funcionará o cérebro de quem sugere Rennie para se
convencer de que venceu um debate? Em suma, não funciona. O triste é que
semelhante espécime tem família, amigos e um Estado que, em lugar de lhe
fornecerem o acompanhamento adequado, fornecem-lhe um telemóvel e deixam-no ao
Deus dará, a fazer figuras lastimáveis em público.
O insulto numérico. Um tipo condena a histeria alusiva ao clima
e é esclarecido por um anónimo das “redes” de que a nossa convicção está
destinada à indiferença das massas. A frase habitual é uma variação ligeira do
modelo: “Cala-te, que ninguém te liga!” Desde logo, é interessante que
em oito biliões de indivíduos na Terra a minha crónica tenha sido justa e
unicamente lida pelos indivíduos que detêm informação fidedigna sobre o
desprezo a que sou votado pelos restantes (decerto são accionistas de uma
empresa de sondagens ou membros de um think-tank do PS). É igualmente interessante que eles me
mandem calar, uma inutilidade se partirmos do princípio de que não sou ouvido.
Um dia, deu-me para espreitar a quantidade de seguidores no Twitter de alguém
que me descobriu irrelevante: juro que eram dois. Dois, suponho que a mãe e uma
assistente social.
O insulto genérico. Um tipo nota o desconchavo no SNS ou o
forrobodó na Justiça e é imediatamente apelidado de racista, fascista,
homofóbico, “trumpista” e negacionista de três ou quatro dogmas sortidos. É
a argumentação (tosse) por excelência (tosse, tosse) dos que apenas conhecem
este pacote de ofensas (?) e o atiram para cima da primeira opinião que
detestam. E da segunda. E da terceira. E da octogésima nona. Vai tudo corrido
com idêntico pacote de epítetos, o que se por um lado dispensa o recurso a
neurónios, por outro indicia que nunca por ali houve neurónios a que recorrer.
O insulto remuneratório. Um tipo diz que o ministério da Educação quer
fomentar analfabetos ou que a inflação decorre do dinheiro imprimido pelo BCE
para sustentar os “confinamentos” e, num ápice, irrompe a insinuação: “Nós
sabemos quem te paga…”. A menos que trabalhem na Autoridade
Tributária, aposto que não sabem. Mas eu digo: é este jornal. Agora, se
por acaso souberem de outras empresas, entidades ou particulares a
patrocinar-me, informem-me com detalhes por favor, dado que as verbas não estão
a chegar à minha conta. De resto, eu é que desconfio de quem paga aos moços que
julgam insultar-me através dos exercícios infantis que acabei de enumerar. Isto
presumindo que os moços são pagos. É que se o fazem de borla a coisa é ainda
mais grave e – até que enfim – realmente insultuosa.
REDES SOCIAIS INTERNET TECNOLOGIA LIBERDADE DE
EXPRESSÃO LIBERDADES SOCIEDADE DEBATE
COMENTÁRIOS (de
10):
F. Mendes: A meu ver, e espero sinceramente que seja o caso, o
Alberto Gonçalves deve(ria) estar contentíssimo por toda esta atenção prestada
por tantos imbecis (de resto, presentes em número astronómico, nas
"redes", ou fora delas). Acho que se divertiu mais a escrever este
artigo do que nós a lê-lo. E já não é coisa pouca.
Não há dúvida
que este desconforto provocado por articulistas desalinhados deste regime
abjecto, é a melhor prova que se acerta onde dói mais. Não só pelo
AG, mas por outros colunistas e intervenientes neste jornal. Lembro o recente
artigo do Costa a tentar limpar-se da nódoa que lhe caiu com a questão da
corrupção. A indecência é tal, que já nem o papagaio de Belém o safa, errando
que está entre mudar-lhe as fraldas quando dá na gana, ou ministrar-lhe um
laxativo que cause embaraço. Claro que o resultado disto tudo, está a vista,
ouve-se, apalpa-se e, principalmente, cheira-se com náusea.
Maria Paula Silva : ahahahahah
parti-me a rir... :)) nunca pensei que se debruçasse sobre esta questão.
Entre os vários disparatados e enjoativos insultos que menciona e
que vejo sobretudo na página do Observador no FB, ainda há aquela óbvia
apoiante do sô Costa que invariavelmente lhe chama sempre a mesma coisa:
"salazarento ressabiado". enfim.... as redes sociais são um espelho perfeito da
grande mediocridade predominante. Acho
que eles nem lêem aquilo que escreve :)
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