domingo, 16 de julho de 2023

Perplexidade existencial


A razão das crenças religiosas. Mas a imposição destas, na tentativa de compreender o incognoscível – um universo do espanto contínuo - serve de espírito orientador, no Bem, como ajudante definidor de solidariedade e gratidão, no Mal, como refreador dos costumes e isso seria um Bem também. Mas nem sempre o refrear se aplica, talvez por falta de crença. Ou de indiferença apenas – não a Deus mas aos Homens, aos animais, às plantas, à Terra e ao resto do Universo, que, aliás, parece ter espírito e se manifesta, não se sabe da parte de quem, a Luz e as Trevas sendo, e o Amor e o resto… Muitas vezes a religião manifesta-se em convenções, caso dos casamentos, baptizados, funerais, mas tudo isso tem a ver com Amor, também, mesmo que falte a Fé… Mas tudo se resume ao Ser e ao Nada, apenas, da nossa perplexidade, pese embora tudo o que passamos na nossa existência …

Fé e futuro: a religiosidade dos jovens portugueses

Não só 56% dos jovens portugueses são crentes, como 90% deles são católicos.

P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA, Colunista

OBSERVADOR, 15 jul. 2023, 00:1711

A religiosidade é uma dimensão importante da vida dos jovens em Portugal e cerca de 90% dos que se afirmam religiosos são católicos.” Esta é uma das conclusões do estudo “Jovens, Fé e Futuro”, que o Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, da Universidade Católica, desenvolveu para a Conferência Episcopal, e que foi apresentado, no passado dia 6 de Julho, em Lisboa.

Apesar do laicismo dominante, não apenas nas escolas estatais, mas também nos meios de comunicação social, que tendem a dar uma visão distorcida da religião e, em particular, da Igreja católica que, geralmente, só é notícia pelos piores motivos, 56% dos jovens portugueses, entre os 14 e os 30 anos, são crentes, e 49% são católicos. Dos que se dizem religiosos, 34% pratica, ou seja, participa com regularidade em actos de culto. Outras confissões, nomeadamente as cristãs não-católicas, como as evangélicas, ditas protestantes, têm também alguma expressão entre a juventude nacional.

É significativo que mais de um terço dos jovens do nosso país pratique a sua fé, quer rezando individualmente, quer participando, pelo menos com frequência mensal, em actos de culto, ou outras actividades religiosas.

A principal razão que 44% dos inquiridos indicam, como justificação para a não prática da religião, é a sua falta de compromisso e empenho, o que leva a crer que os mais novos, se não pertencerem a uma família crente, não frequentarem uma escola católica, nem estiverem inseridos em estruturas eclesiais, tendem a descurar a sua vida religiosa. De facto, a fé, que há-de ser pessoal, só pode ser vivida comunitariamente, ou seja, em Igreja.

Em relação à não-prática religiosa, este estudo distingue duas faixas etárias: dos 14 aos 17 e dos 18 aos 30 anos. A primeira etapa da juventude parece ser mais rebelde em relação ao pensamento politicamente correcto e, também, mais assertiva na afirmação da fé, enquanto os crentes com idade superior tendem a ser menos radicais e, por isso, mais transigentes com as novas modas. Os mais novos, através das estruturas eclesiais que frequentam, como as catequeses paroquiais, os grupos e movimentos, têm mais hipóteses de esclarecer a sua fé, enquanto os fiéis já imersos na vida profissional têm menos disponibilidade para actividades de aprofundamento da doutrina.

Com efeito, concluiu-se que 44% dos católicos, entre os 18 e os 30 anos, desculpam-se da falta de prática religiosa por razões de ordem doutrinal, nomeadamente por “desacordo com algumas normas da prática religiosa, revelando” – segundo este estudo – “uma reflexão mais aprofundada sobre a sua posição relativamente à dimensão espiritual da vida.” Pode-se, portanto, supor que estes jovens adultos manifestam lacunas na sua formação religiosa, que os levam a tomar atitudes de incoerência religiosa. É provável que alguns se tenham afastado por causa do escândalo da pedofilia no clero que, embora gravíssimo nos poucos, mas mesmo assim excessivos, casos verificados, foi exageradamente ampliado pela comunicação social.

Um dos aspectos mais polémicos, ou controversos, da doutrina católica é, decerto, a sua moral sexual. A fé cristã é taxativa na exclusão do aborto voluntário e da eutanásia, porque são homicídios, violações gravíssimas do 5º mandamento da Lei de Deus, que proíbe matar, salvo em legítima defesa. A doutrina católica também implica a indissolubilidade matrimonial e a fidelidade conjugal, bem como a paternidade e a maternidade responsáveis, sem esquecer a exclusão dos métodos não naturais de anticoncepção e das relações sexuais fora do casamento. Estes comportamentos decorrem do Evangelho, mas requerem uma adequada formação. Neste sentido, São João Paulo II, quer através das suas catequeses sobre a ‘teologia do corpo’, quer através do Catecismo da Igreja Católica, deu a estas questões a necessária fundamentação teológica. Contudo, estes seus ensinamentos, que são magistério da Igreja, nem sempre chegam a todos os crentes que, em consequência, têm dificuldade em os compreender e praticar.

É igualmente digno de menção que 28% dos crentes, entre os 18 e 30 anos, aponte, como razão para a sua não-prática religiosa, as “demasiadas atitudes e comportamentos negativos noutros praticantes”, justificação decerto compreensível, mas insuficiente, pois expressa uma certa imaturidade racional e espiritual.

Com efeito, deixar de praticar porque há quem o faça e não seja perfeito, faz tanto sentido como não ir à escola, por causa dos ignorantes que a frequentam, ou recusar-se a ir ao hospital, porque está cheio de doentes! Com certeza que os crentes que praticam a fé não são ainda santos, mas se vão ao templo é, precisamente, porque têm esse propósito e, por isso, não só confessam a sua condição de pecadores – como sempre acontece nas Eucaristias – como pedem a Deus, e aos seus irmãos na fé, que os ajudem a melhorar. Os que nada fazem e criticam os que se esforçam, são réus do seu próprio julgamento, porque maior é a hipocrisia dos que não praticam, à conta de que entre os praticantes há hipócritas, do que a dos que, sabendo-se pecadores, querem sinceramente deixar de o ser e, por isso, praticam a sua religião. A prática religiosa é sempre um convite à conversão pessoal, pela relação com Deus e a comunhão com os irmãos.

Este estudo também é ilustrativo dos principais interesses dos jovens portugueses: para 63%, é a guerra; 55% estão apreensivos em relação às alterações climáticas; e 54% interessam-se pela equidade e não discriminação. Entre os crentes, a família ocupa o primeiro lugar, enquanto os outros interesses reflectem a ideologia dominante, mas também provam que, ao contrário do que alguns supuseram, a religião não só não aliena como, pelo contrário, consciencializa e compromete os cidadãos, porque lhes recorda a obrigação cívica, mas também religiosa, de construírem um mundo melhor.

Menos positiva é a constatação de que “a intenção de participação [nas JMJ] é baixa, sendo que apenas 13% declararam certeza relativamente à sua participação e 22% consideram que ‘provavelmente’ irão participar.” A fraca adesão explica-se pelo facto de o inquérito ter sido realizado mais de um ano antes deste evento e antes da peregrinação dos símbolos das JMJ por todas as dioceses do país, com efeitos muito animadores no que respeita à mobilização dos jovens fiéis. Pode ser que a tentativa de desvalorizar a sua natureza católica, em prol de uma abrangência ecuménica, inter-religiosa e, até, não-religiosa, tenha desmotivado alguns jovens crentes, que esperavam que o encontro de Lisboa, tal como as anteriores JMJ, fosse uma experiência de aprofundamento da fé católica. Esta aposta numa vaga fraternidade universal não parece ter tido grande êxito: 86% dos não crentes declarou que não vai participar nas JMJ.

Por último, é chamativo que 18% dos jovens já sofreram “alguma discriminação”, por causa das suas convicções religiosas, nomeadamente no seu grupo de amigos, na escola e na universidade. Não é de estranhar, porque é conhecida a perseguição estatal a uma família católica de Vila Nova de Famalicão, por causa da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. Pelos vistos, nessas aulas não se ensina aos jovens a mais-valia da religião, nem se lhes inculca a virtude da tolerância em relação aos crentes, embora se lhes exija a aceitação de doutrinas anticristãs sem qualquer fundamento científico, como a ideologia de género.

O Estado laicista, como o nacional-socialista e o comunista, aposta na formatação da juventude e, por isso, encara com desconfiança e temor a religiosidade dos mais novos: a formação cristã dá razão e força para manter viva a chama da liberdade e, por isso, os jovens crentes são indesejáveis para os regimes totalitários. Mas, graças à sua fé e generosidade, eles são, sobretudo, a razão da esperança numa sociedade mais justa e humana, porque mais de acordo com o desígnio de Cristo, o Salvador do mundo (Jo 4, 42).

CRISTIANISMO     RELIGIÃO    SOCIEDADE     JMJ 2023

COMENTÁRIOS:

Boris Pasternak: Se a minha Matemática estiver correcta, apenas 16.6% dos jovens portugueses são verdadeiramente Católicos (na assunção de que um Católico é necessariamente praticante). Citando o Sr Pe. PdA, “56% dos jovens portugueses, entre os 14 e os 30 anos, são crentes, e 49% são católicos. Dos que se dizem religiosos, 34% pratica, ou seja, participa com regularidade em actos de culto.” Esta % pode ser ainda menor, dado que os crentes de religiões minoritárias são tradicionalmente mais “praticantes” do que os Católicos portugueses - que o são apenas passivamente, por inércia ou tradição. Não sei por que o Sr. Pe PdA estará tão contente com os resultados deste estudo. Os mesmos são catastróficos num país que se diz de matriz Católica. Lúcio Monteiro: Aldous Huxley prefaciou aquele que é, talvez, o livro mais importante de Jiddu Krishnamurti, O Sentido de Liberdade”. Ele soube captar a súmula do pensamento do filósofo e pensador indiano, que transcrevo parcialmente a seguir. «Para compreendermos a infelicidade e a confusão que existem dentro de nós, e consequentemente no mundo, temos primeiro de encontrar clareza dentro de nós, e essa clareza surge através do pensamento correcto. Essa clareza não se pode organizar, porque não pode ser passada a outro. O pensamento organizado e em grupo é meramente repetitivo. A lucidez interior não é resultante de palavras mas sim de intenso autoconhecimento e de pensamento correcto. O pensamento correcto não surge do uso intensivo do intelecto nem é conformidade com um padrão, por mais valioso ou nobre que este seja. O pensamento correcto nasce do autoconhecimento. Sem uma compreensão de nós mesmos, não temos uma base para o pensamento correcto; sem autoconhecimento, aquilo que pensamos não é verdadeiro. Este tema fundamental é desenvolvido por Krishnamurti passagem após passagem. «Há que confiar no homem, não na sociedade, não em sistemas, não nas religiões organizadas, há sim que confiar em cada um de nós». As religiões organizadas, com os seus intermediários, os seus livros sagrados, dogmas, hierarquias e rituais, oferecem somente falsas soluções para os problemas básicos. «Quando citamos o Bhagavad Gita, ou a Bíblia, ou algum livro sagrado chinês, é óbvio que estamos meramente a repetir, não é? E aquilo que repetimos não é a Verdade. É uma mentira; porque a Verdade não pode ser repetida.» Uma mentira pode ser aumentada, proposta e repetida, e a Verdade não; e quando repetimos a Verdade, ela deixa de o ser, e assim os livros sagrados não são importantes. É através do autoconhecimento, não através do acreditar nos símbolos de quem quer que seja, que o ser humano atinge a Realidade Eterna, na qual o seu ser está enraizado. Acreditar na completa adequação ao supremo valor de um qualquer sistema de símbolos conduz, não à libertação, mas à história (history), a mais dos mesmos velhos problemas. «A fé inevitavelmente separa. Se temos fé, ou se procuramos segurança na nossa crença particular, separamo-nos daqueles que procuram segurança em qualquer outra forma de crença. Todas as crenças organizadas estão baseadas na mesma separação, mesmo que preguem a fraternidade.» (Prefácio de Aldous Huxley do livro “O Sentido da Liberdade”, de Jiddu Krishnamurti.               Lúcio Monteiro: Aquele que é, para mim, o Príncipe dos Poetas, Fernando Pessoa, um Poeta plural que teve que se transbordar nos seus heterónimos, para exteriorizar e verbalizar todo o seu complexo mundo interior. Quem lê um poema de Fernando Pessoa pode ser tentado a pensar que ele terá sido inspirado pelos deuses. O mesmo Poeta considera que qualquer religião organizada, como a Igreja Católica, longe de contribuir para redimir o ser humano, pelo contrário, escraviza-o.

 

"Não acredito em Deus porque nunca o vi.

Se ele quisesse que eu acreditasse nele,

Sem dúvida que viria falar comigo

E entraria pela minha porta dentro

Dizendo-me, Aqui estou!

 

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos

De quem, por não saber o que é olhar para as coisas,

Não compreende quem fala delas

Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

 

Mas se Deus é as flores e as árvores

E os montes e sol e o luar,

Então acredito nele,

Então acredito nele a toda a hora,

E a minha vida é toda uma oração e uma missa,

E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

 

Mas se Deus é as árvores e as flores

E os montes e o luar e o sol,

Para que lhe chamo eu Deus?

Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;

Porque, se ele se fez, para eu o ver,

Sol e luar e flores e árvores e montes,

Se ele me aparece como sendo árvores e montes

E luar e sol e flores,

É que ele quer que eu o conheça

Como árvores e montes e flores e luar e sol.

 

E por isso eu obedeço-lhe,

(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?)

Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,

Como quem abre os olhos e vê,

E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes

E amo-o sem pensar nele,

E penso-o vendo e ouvindo.

E ando com ele a toda a hora.

Pensar em Deus é desobedecer a Deus,

Porque Deus quis que o não conhecêssemos.

Por isso se nos não mostrou...

 

Sejamos simples e calmos,

Como os regatos e as árvores,

E Deus amar-nos-á fazendo de nós

Belos como as árvores e os regatos,

E dar-nos-á verdor na sua primavera,

E um rio aonde ir ter quando acabemos!..». 

(Fernando Pessoa, in Mensagem                 

Zé das Esquinas o Lisboeta: Católicos? Depende do que se entenda por ser católico. Jovens? De e até que idade são os 'tais' jovens que refere? São os que 'não pensam'?                     Lúcio Monteiro: A espectacularidade desta estatística pode ter mais de ostensivo, de altissonante, do que de essencial e real. Esses 90% de jovens católicos portugueses, o que significa na realidade? Esse número não representará, antes, algo de folclórico, de entretenimento e de espectáculo? Alguém, mesmo que seja um ateu, mas que é capaz de viver em comunhão com seus semelhantes, nos seus problemas e nas suas limitações, não terá uma vida espiritual bem mais rica e profunda do que aqueles que se contentam com uma religiosidade baseada essencialmente em rituais? E os que comungam com a Natureza, através da contemplação de um mágico pôr-de-sol, ou da beleza estonteante de um arco-íris, não serão possuídos de uma genuína espiritualidade? O famoso sábio e filósofo indiano, Jiddu Krishnamurti, deixou bem claro que crer em Deus é algo de muito problemático e aleatório, na medida em que, em se tratando de um Ser Absoluto, “ipso facto”, impossibilita que seja conhecido, já que se trata de uma Realidade absolutamente desconhecida. Só se conhece o que é limitado, finito, delimitado. O Absoluto está fora dessa esfera. E é nesse equívoco que incorre todo o crente religioso. O que o crente acredita conhecer, não passa de uma projecção subjectiva, logo, só existindo na sua mente de crente, sem qualquer objectividade, portanto. Segundo o pensamento de Krishnamurti, “A crença é a negação da Verdade; a crença impede a Verdade; acreditar em Deus é não encontrar Deus. Nem o crente nem o não-crente encontram Deus; porque a Verdade é o desconhecido, e acreditar ou não no desconhecido é uma simples projecção pessoal e portanto não é real. Há muita gente crente; milhões acreditam em Deus e nisso obtêm consolo. Primeiro que tudo, por que é crente? É crente porque isso lhe dá satisfação, consolo, esperança e dá significado à vida. De facto, o seu acreditar tem muito pouco significado, porque acredita e explora os outros, acredita e mata, acredita num Deus universal e aceita que os homens se matem uns aos outros. O homem rico também acredita em Deus, ele explora sem piedade, acumula riqueza, e depois constrói um templo ou torna-se filantropo. Os homens, que largaram a bomba atómica em Hiroshima, disseram que Deus estava com eles; aqueles que voaram de Inglaterra para destruir a Alemanha afirmavam que Deus era o seu copiloto. Os ditadores, os primeiros-ministros, os generais, os presidentes, todos eles falam de Deus, têm imensa fé em Deus. E estarão eles a fazer o que deviam fazer, construindo uma vida melhor para os seres humanos? As pessoas que afirmam acreditar em Deus já destruíram metade do mundo, e este planeta está uma completa desgraça.”( Jiddu Krishnamurti", “O Sentido da Liberdade”, pg.192).                    Alexandre Barreira: Pois. Quer queiramos. Quer não. A juventude é o futuro. Para o bem ou para o mal.....!               José Miranda: Excelente a análise. O apelo à razão de muitos não crentes, tem aqui uma resposta inequívoca.                Madalena Sa: Muito bom!               Pedra Nussapato: Quero ver quantos aqui vão colocar em causa a credibilidade e a imparcialidade deste estudo, tal como acontece com outros estudos e sondagens que aqui são divulgados.                  Meio Vazio: De assinalar no texto do Pe. de Almada também a não cedência à perversão semântica promovida, até, pelos responsáveis católicos: JMJ é plural (uma "jornada" de vários dias é claramente uma contradição nos termos).                       Rui Pedro Matos: Muito bem!

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