segunda-feira, 3 de julho de 2023

Uma análise historiográfica

 

Sobre uma época e sobre gentes de que levemente se falou, na época dos nossos estudos liceais, cujos nomes apareciam às vezes, nas lembranças maternas, pelo entrosamento que havia entre a minha mãe e o seu pai, meu avô, que no seu Carregal criara uma escola, onde a minha mãe estudou. Da História, que aprendemos já na Segunda República, sabíamos os nomes dos presidentes na sua sucessão, a morte de Sidónio Pais, que a minha mãe lamentava, e finalmente a Revolução de 28 de Maio que nos antecedera. Mas também a minha primeira sogra, alfacinha de gema, se referia à Primeira República com repulsa, pela desordem e miséria constantes, em que “não se podia sair à rua” com medo das balas. Quanto aos livros de histórias desse tempo, que o meu pai tinha e que guardei, nunca os li, mas o texto que segue, de LUÍS SOARES DE OLIVEIRA, de que gostei a valer - um belo contributo para melhor ficarmos a conhecer uma época de miséria como nunca (onde sobressaiu a geração futurista do Primeiro Modernismo, seguida da do Segundo – fez-me despertar a curiosidade sobre esses velhos livros, fechados no seu cantinho, de relíquias sagradas, que interessaram o meu pai. Todavia creio que já não irei a tempo, outros livros povoando interesses, mais, de resto, em releituras incompletas, num mundo que vai rodando farfalhudo e atroz, por aí.

Agradeço ao Dr. Luís Soares de Oliveira, o seu texto aclarador dos tais erros passados que já não aperfeiçoarão os presentes, num terreno como o nosso, uma vez mais rodeado do arame farpado da nossa irresponsabilidade vivencial permanente – descontados os que sobressaem pelo seu saber “sem armas”, mas de um comando mais racional e mais frutífero, caso fosse, entre nós, aplicado.

 

LUIS SOARES DE OLIVEIRA

O CONHECIMENTO DOS ERROS DO PASSADO É A MELHOR FORMA DE APERFEIÇOAR O FUTURO.

A POLÍTICA PORTUGUESA DOS ANOS 10 DO SÉCULO PASSADO.

( extracto do livro em preparação. "A guerra civil que não aconteceu")

Aos políticos do tempo sobrava formação jurídica e faltava cultura económica; o ensino universitário não distinguia então a economia da ciência jurídica. No seu tempo, a Inquisição tinha-se encarregado de transfigurar o enriquecimento em pecado cruelmente punível, noção que perdurou. Diferentemente das democracias nórdicas criadas e orientadas por empreendedores habituados a colaborar entre si para produzir riqueza, a sociedade portuguesa foi, através dos tempos, dominada por gente que considerava o enriquecimento pecaminoso e adverso à segurança do Estado. E de tal forma a ideia persistiu que acabou com o crescimento do produto. Faltava também civismo aos maiorais: à maneira das peixeiras, a uma ofensa respondiam com outra ofensa; a uma violência com outra violência. Confundiam educação com presunção e humor com sarcasmo e assim nunca aprenderam a arte de dizer o que é preciso sem magoar.

Eleições havia mas eram garantidamente fraudulentas. Apesar da contestação, o Partido Republicano ganhava sempre. A ausência de alternância provocou a dificuldade das forças da oposição em aceder aos órgãos do Poder e privou de representatividade e de participação política grande parte da população o que não reforçou a legitimidade e estabilidade do novo regime republicano.

Em Lisboa, predominava a chamada geração do Ultimato, gente que havia perdido confiança na Monarquia por esta não ter conseguido impor-se aos ingleses na defesa das Colónias. A transição de regime Monárquico para o republicano fez-se ali sem sobressaltos; nas vilas e áreas rurais, o povo limitou-se a receber a notícia de que o Rei já não era rei e de que os funcionários públicos seriam permutados oportunamente. Quem regulava a ordem fora de Lisboa era a Igreja e os chamados "trauliteiros" - estes, a soldo dos latifundiários. O resultado era um regime despótico e intrusivo propenso a usar o dinheiro público para sustento de uma classe parasitária de bacharéis formados na (ou meros frequentadores da ) Universidade de Coimbra.

Os revolucionários republicanos começavam então a alargar a sua actividade às cidades e vilas provincianas através dos "comités de vigilantes" da Carbonária-Formiga Branca. Estes perseguiam os reaccionários e prometiam aos locais melhorias, especialmente no domínio fiscal. Os trabalhadores acreditaram e a violência instalou-se. Os bandos armados multiplicavam-se: era a guerra de todos contra todos, em que levavam vantagem os mais violentos e imunizados, designadamente os sicários de Afonso Costa.

A Maçonaria seria de fundação francesa, enquanto a Carbonária era tipicamente siciliana e do sul de Itália. Recorria à violência irregular enquanto que, para a primeira, a violência era sistemática. A repressão violenta tornou-se tanto mais frequente quanto maior era a distância entre o conteúdo doutrinário dos revolucionários e o entendimento do povo. Isto explica o crescente e inevitável predomínio de Afonso Costa e João Chagas. Entre os cabecilhas históricos do movimento republicano português seriam eles os únicos preparados para e dispostos a usar a violência até às suas últimas consequências. Aos restantes faltava qualquer coisa. Machado dos Santos - o herói da Rotunda - era o desordeiro puro, totalmente destituído de doutrina. O que o seduzia era acção, não a palavra. A revolução Republicana foi realizada desde início sem dinheiro, poucas armas e mal preparada. Estava pois condenada à dissidência perpétua. Os restantes eram tribunos de mão cheia mas não preenchiam o quadro de exigências do revolucionário. Manuel Arriaga, pioneiro do republicanismo em Portugal, era consciencioso, sincero, responsável, mas demasiado bondoso para a política. O académico Bernardino Machado vivia nas nuvens, sempre pronto a agradar e a enganar. Frases suas "Portugal tem grandeza moral. Isto basta para que nos respeitem"; "É preciso enviar dinheiro a El rei", estando este no exílio; e outras

O tribuno António José de Almeida, médico e humanista, esgotava-se na eloquência; mas não ia além disso. Por fim, mas não de menos importância, o iluminado Brito Camacho, o mais bem orientado de todos, preferia os bastidores ao proscénio.

Teixeira Gomes homem viajado, comerciante exportador antes de se tornar político, dizia dos seus confrades. "não dão provas suficientes das sua capacidades, nem podiam dar, falhos inteiramente do indispensável tirocínio que somente se alcança em países organizados, tratando com estadistas experientes e conhecedores das suas forças e das suas aspiraçõesO facto é que o futuro da nacionalidade portuguesa é negro e pesa sobre estes homens uma responsabilidade tremenda, de que a história lhes pedirá pesadíssimas contas". Numa palavra, Teixeira Gomes considerava os seus ilustres colegas altamente incompetentes em matéria de governação. E estes esforçaram-se por não o desmentir.

LSO

 

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