Sobre uma época e sobre gentes de que levemente se falou, na época dos
nossos estudos liceais, cujos nomes apareciam às vezes, nas lembranças
maternas, pelo entrosamento que havia entre a minha mãe e o seu pai, meu avô,
que no seu Carregal criara uma escola, onde a minha mãe estudou. Da História, que
aprendemos já na Segunda República, sabíamos os nomes dos presidentes na sua
sucessão, a morte de Sidónio Pais, que a minha mãe lamentava, e finalmente a
Revolução de 28 de Maio que nos antecedera. Mas também a minha primeira sogra, alfacinha
de gema, se referia à Primeira República com repulsa, pela desordem e miséria
constantes, em que “não se podia sair à
rua” com medo das balas. Quanto aos livros de histórias desse tempo, que o
meu pai tinha e que guardei, nunca os li, mas o texto que segue, de LUÍS SOARES
DE OLIVEIRA, de que gostei a valer - um belo contributo para melhor ficarmos a
conhecer uma época de miséria como nunca (onde sobressaiu a geração futurista
do Primeiro Modernismo, seguida da do Segundo – fez-me despertar a curiosidade
sobre esses velhos livros, fechados no seu cantinho, de relíquias sagradas, que
interessaram o meu pai. Todavia creio que já não irei a tempo, outros livros
povoando interesses, mais, de resto, em releituras incompletas, num mundo que
vai rodando farfalhudo e atroz, por aí.
Agradeço ao Dr. Luís Soares de Oliveira, o seu texto aclarador dos tais
erros passados que já não aperfeiçoarão os presentes, num terreno como o nosso,
uma vez mais rodeado do arame farpado da nossa irresponsabilidade vivencial
permanente – descontados os que sobressaem pelo seu saber “sem armas”, mas de
um comando mais racional e mais frutífero, caso fosse, entre nós, aplicado.
O CONHECIMENTO DOS ERROS DO
PASSADO É A MELHOR FORMA DE APERFEIÇOAR O FUTURO.
A POLÍTICA PORTUGUESA DOS ANOS 10 DO
SÉCULO PASSADO.
( extracto do livro em
preparação. "A guerra
civil que não aconteceu")
Aos políticos do tempo sobrava
formação jurídica e faltava cultura económica; o ensino universitário não
distinguia então a economia da ciência jurídica. No seu tempo, a Inquisição tinha-se
encarregado de transfigurar o enriquecimento em pecado cruelmente punível,
noção que perdurou. Diferentemente
das democracias nórdicas criadas e orientadas por empreendedores habituados a
colaborar entre si para produzir riqueza, a sociedade portuguesa foi, através
dos tempos, dominada por gente que considerava o enriquecimento pecaminoso e
adverso à segurança do Estado. E de tal forma a ideia persistiu que acabou com
o crescimento do produto. Faltava também civismo aos maiorais: à
maneira das peixeiras, a uma ofensa respondiam com outra ofensa; a uma
violência com outra violência. Confundiam educação com presunção e humor com
sarcasmo e assim nunca aprenderam a arte de dizer o que é preciso sem magoar.
Eleições havia mas eram
garantidamente fraudulentas. Apesar
da contestação, o Partido Republicano ganhava sempre. A ausência de alternância
provocou a dificuldade das forças da oposição em aceder aos órgãos do Poder e
privou de representatividade e de participação política grande parte da
população o que não reforçou a legitimidade e estabilidade do novo regime
republicano.
Em Lisboa, predominava a chamada geração do Ultimato, gente que havia perdido confiança na
Monarquia por esta não ter conseguido impor-se aos ingleses na defesa das
Colónias. A transição de regime Monárquico para o republicano fez-se
ali sem sobressaltos; nas vilas e áreas rurais, o povo limitou-se a receber a
notícia de que o Rei já não era rei e de que os funcionários públicos seriam
permutados oportunamente. Quem
regulava a ordem fora de Lisboa era a Igreja e os chamados
"trauliteiros" - estes, a soldo dos latifundiários. O resultado era um regime despótico e
intrusivo propenso a usar o dinheiro público para sustento de uma classe
parasitária de bacharéis formados na (ou meros frequentadores da ) Universidade
de Coimbra.
Os revolucionários republicanos começavam então a alargar a sua
actividade às cidades e vilas provincianas através dos "comités de
vigilantes" da Carbonária-Formiga
Branca. Estes perseguiam os reaccionários e prometiam aos
locais melhorias, especialmente no domínio fiscal. Os trabalhadores acreditaram e a violência instalou-se. Os bandos
armados multiplicavam-se: era a guerra de todos contra todos, em que levavam
vantagem os mais violentos e imunizados, designadamente os
sicários de Afonso Costa.
A Maçonaria seria de fundação
francesa, enquanto a Carbonária era tipicamente siciliana e do sul de Itália.
Recorria à violência irregular
enquanto que, para a primeira, a violência era sistemática. A
repressão violenta tornou-se tanto mais frequente quanto maior era a distância
entre o conteúdo doutrinário dos revolucionários e o entendimento do povo. Isto
explica o crescente e inevitável predomínio de Afonso
Costa e João Chagas. Entre
os cabecilhas históricos do movimento republicano português seriam eles os
únicos preparados para e dispostos a usar a violência até às suas últimas
consequências. Aos restantes faltava qualquer coisa. Machado dos
Santos - o herói da Rotunda - era
o desordeiro puro, totalmente destituído de doutrina. O que o
seduzia era acção, não a palavra. A revolução Republicana foi realizada desde
início sem dinheiro, poucas armas e mal preparada. Estava pois condenada à
dissidência perpétua. Os restantes eram tribunos de mão cheia mas não
preenchiam o quadro de exigências do revolucionário. Manuel
Arriaga, pioneiro do republicanismo
em Portugal, era consciencioso, sincero, responsável, mas demasiado bondoso
para a política. O académico Bernardino Machado vivia nas nuvens, sempre pronto a agradar e
a enganar. Frases suas "Portugal
tem grandeza moral. Isto basta para que nos respeitem"; "É preciso
enviar dinheiro a El rei", estando este no exílio; e outras…
O tribuno António José de Almeida,
médico e humanista, esgotava-se na eloquência; mas não ia além disso.
Por fim, mas não de menos importância, o iluminado
Brito Camacho, o mais bem orientado de todos, preferia os
bastidores ao proscénio.
Teixeira Gomes homem
viajado, comerciante exportador antes de se tornar político, dizia dos seus
confrades. "não dão provas suficientes das sua capacidades, nem podiam
dar, falhos inteiramente do indispensável tirocínio que somente se alcança em
países organizados, tratando com estadistas experientes e conhecedores das suas
forças e das suas aspirações … O
facto é que o futuro da nacionalidade portuguesa é negro e pesa sobre estes
homens uma responsabilidade tremenda, de que a história lhes pedirá
pesadíssimas contas". Numa palavra, Teixeira Gomes considerava os seus
ilustres colegas altamente incompetentes em matéria de governação. E estes
esforçaram-se por não o desmentir.
LSO
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