É só mais um inconveniente, a tal
desigualdade na matemática de que trata Helena Garrido, neste nosso mundo de atropelo que parece ser da
conveniência de quem governa, gerindo há muito números de importação
financeira, sem preocupação pelo saldar das contas, que libertem o país desse
escândalo de quase meio século, sem reconstrução que valha, e, pelo contrário,
se lê – (Público de 16/7) - que “Procuradoria Europeia investiga fraudes no
PRR em Portugal”, sintomáticas de que o que cá conta mesmo é a irregularidade
nas contas aritméticas, como genérico, sendo isso de igualdades pura balela
para entreter parolos.
A desigualdade na matemática
A falta de exigência no ensino da
matemática está a contribuir para a desigualdade e iliteracia financeira.
HELENA GARRIDO Colunista
OBSERVADOR, 25 jul. 2023, 00:21
Há umas décadas, logo no início do
euro, um aluno adulto percebe que a sua prestação da casa, comprada com crédito
e taxa variável, pode subir quando as taxas de juro aumentarem e entra em
pânico. Passaram mais de duas décadas e continuamos a encontrar pessoas que
ficam espantadas por verem aumentar a sua prestação com a subida dos juros.
Mais recentemente, confrontando uma jovem
que dizia não saber fazer contas básicas, mas que trabalhava numa loja,
pergunta-se como faz o troco. Não é preciso, quando alguém paga em dinheiro, a máquina
faz as contas.
Contas básicas de aritmética,
aprendidas nos primeiros anos da escola, são espantosamente consideradas, com
muita frequência, como matemática superior por quem tem em torno de 20 anos.
Conceitos como taxas de juro, lucros e receitas, défice e dívida, acções de
empresas ou mercados de capitais em geral são um mundo completamente desconhecido
para a maioria dos jovens e até adultos. Ainda
que os jovens se maravilhem com as criptomoedas ou se deixem envolver no conto
do vigário do que chamam “forex” e que mais não é do que um jogo de Ponzi como
aconteceu por aqui com a Dona Branca.
Apesar de instituições como o Banco de
Portugal e a CMVM anunciarem programas de literacia financeira, pouco ou nada
se nota de progressos na compreensão do mundo financeiro, com lacunas muito
graves de raciocínio para calcular simples variações, sejam em valor ou percentagem.
O Eurobarómetro recentemente
publicado com o tema Literacia Financeira retrata
bem essa deficiência em questões básicas, como compreender o impacto da
inflação ou dos juros. Portugal está na penúltima posição em matéria de
conhecimentos financeiros simples. Num aspecto básico como o efeito da
inflação no poder de compra, há 9% a responderem que os mesmos mil euros
compram mais daqui a um ano do que hoje, perante uma inflação de 2%. Resta-nos
a consolação de que mais de metade percebe que perdeu poder de compra.
Fonte: Eurobarómetro (https://europa.eu/eurobarometer/surveys/detail/2953)
Com este retrato, o Governo
decide facilitar a avaliação da Matemática e acabar com o exame nacional,
apesar dos alertas do Presidente. Ficaremos a
saber menos sobre as deficiências nacionais numa fase da vida, o secundário, em
que ainda é possível fazer correcções. E na perspetiva de uma sociedade em que
a Inteligência Artificial vai fazer parte da vida desses jovens, não os
preparar para o raciocínio matemático é condená-los nas suas capacidades de
lidar com o mundo, é contribuir para o reforço de uma tendência que já hoje se
desenha de agravamento das desigualdades.
A Matemática básica é uma ferramenta fundamental para a vida em
geral e para o mínimo de capacidade de gestão financeira pessoal. Sem a
matemática e sem um ensino básico sobre o funcionamento do mundo económico e
financeiro estamos a criar uma geração sem capacidade para gerir a sua vida. Ou
antes, estamos a perpetuar e a agravar as desigualdades e a avariar ainda mais
o elevador social. Todos os que estiverem inseridos em famílias de mais baixos
recursos, sejam financeiros sejam educacionais, estarão condenados a tarefas
menores, muitas delas em riscos de desaparecerem. E expostos a contos do
vigário.
Podem existir muitas teorias
sobre os problemas dos exames e das avaliações, mas os seus efeitos negativos
superam seguramente os positivos. Estas decisões levam a reforçar a convicção
de que o objetivo do Governo não é formar e educar cidadãos de corpo inteiro,
contribuindo para o desenvolvimento e a redução das desigualdades. O objetivo
do Governo parece ser ter boas estatísticas de Educação nos relatórios da OCDE. Esta
instituição terá aliás de repensar as suas avaliações, para que esses estudos
não possam ter os efeitos perversos que se começam a verificar.
A geração mais preparada de sempre, frase feita que dificilmente se
entende, pode ter dentro dela um grupo pequeno de super-preparados e um
batalhão de iletrados. Mais uma vez e também neste domínio, como na Saúde e na
Justiça, as desigualdades agravam-se, há “uns mais iguais do que outros”.
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