Alberto Gonçalves, nas suas
análises bem ponderadas , de pessoa arguta e sem ilusões a respeito dos cordéis
com que atamos os nossos sapatos… Brilhante e destemido, como sempre.
Um caso de censura, mil casinhos de miséria
Há umas semanas, quando os publicitários do PS disseram
ao dr. Costa para fingir que o cartaz era “racista”, meio mundo agarrou a deixa
e desatou a exibir o apreço que dedica à liberdade de expressão.
ALBERTO GONÇALVES Colunista do
Observador
OBSERVADOR, 01
jul. 2023, 00:1811
O
autor do cartaz “suíno” do dr. Costa, Pedro
Brito, viu cancelada a sua participação numa exposição
colectiva, que integrava com outro cartaz, crítico do ministro da Educação. A exposição
envolve a Universidade Nova de Lisboa, a Universidade do Porto e uma coisa
chamada espaço comité (com minúsculas, porque é moderno). Após o
lançamento de responsabilidades dali para acolá, apurou-se que a decisão de
excluir o trabalho de Pedro Brito coube ao “comité”, o qual, diz o respectivo
site, “dispõe de diversas salas para
eventos, conferências, recepções e exposições com potencialidade de serem
usadas em conciliação com a sua própria programação”. É capaz de ser
uma espécie de galeria.
O “evento” em causa, ou a “exposição”,
chama-se, de modo involuntariamente adequado, “Inclinação
Para o Proibido”. Segundo o “comité”, a “Inclinação Para o Proibido” saiu de “um repto lançado pelo colóquio
COMbART (?) sobre arte e activismo, questionando a produção, circulação e
visibilidade de práticas criativas que veiculam valores decorrentes de lutas
dos movimentos sociais actuais. Inversamente, desafia-se as práticas
artísticas a resistir a uma potencial reapropriação das mesmas lutas dentro da
economia dominante: a anonimidade do artista e de quem transporta e expõe a
obra serve esse princípio. A mostra conjuga 30 manifestações textuais com
imagens criando processos discursivos que tendem para uma potencial
actualização das linguagens gráficas urbanas.”
Peço desculpa pelo tamanho da citação,
proporcional à beleza da linguagem. Traduzido para português, o texto pretende
informar que a “mostra”
mostrará, entre 3 e 21 de Julho, 30 desenhos ou pinturas de protesto. O que o
texto não informa é que o “comité” possui um entendimento restrito da palavra
“protesto”, e que “as 30 manifestações textuais com imagens” ou eram 31 ou
foram reduzidas a 29. Calculo que haverá achincalhos ferozes e corajosos da
“extrema-direita”, do “negacionismo climático”, do “colonialismo”, da “família
tradicional” e da “transfobia”. Beliscar governantes é que não. Sobretudo se os
governantes são os nossos. Sobretudo se os nossos forem do PS. Sobretudo se o
PS controla as instituições que patrocinam o “comité”: é difícil resistir à reapropriação
das lutas dentro da economia dominante, não é?
Não
quero ser injusto. O “comité” está longe de estar sozinho nas tendências
censórias e nas vénias aos senhores que mandam. Há um par de semanas, quando os
publicitários do Partido disseram ao dr. Costa para fingir que o famoso cartaz
era “racista”, meio mundo agarrou a deixa e desatou a exibir o apreço que
dedica à liberdade de expressão. No meio da turba inquisitória, nem
faltaram colegas de Pedro Brito, desenhadores que se supõem irreverentes embora
reverenciem os poderosos, estes poderosos, sem pingo de vergonha. O
problema dos Torquemadas não era com o nariz de porquinho, os lápis nos olhos,
o racismo imaginário ou o “mau gosto” que nunca se sugeriu no tempo em que o
primeiro-ministro anterior era retratado como Hitler e se levavam coelhos
esfolados para pândegas. Os Torquemadas limitaram-se a responder ao apelo do
Chefe. E é essa subserviência cega, essa
propensão para a espinha curva que não começou ontem e não se espera que
termine amanhã, que assusta.
No
fundo, presumir que os censores e os candidatos a censores agem unicamente por
interesses económicos ou receios profissionais é um consolo e, possivelmente,
um engano. A perspectiva mais terrível e mais provável é que a tal inclinação
para proibir esteja inscrita na natureza humana, e com maior relevo se os
humanos são portugueses. Claro que a ideologia pesa, e que um governo de
esquerda tende a esperar uma obediência geral impensável sob os governos
daquilo que, em Portugal, passa por ser “direita”. Porém, é principalmente o
cheiro a opressão que seduz as massas e as converte à jovial submissão em
curso. Não é preciso ter lido Maquiavel para se ser figurante d’“O Príncipe”:
até certo ponto, uma liderança intolerante e abusiva inspira a fidelidade dos
simples, como a liderança “aberta” e “débil” inspira revoltas súbitas e
valentes espontâneos. A vocação para o autoritarismo e a tradição de sabujice
parece um cenário construído à medida do dr. Costa e de parte substancial dos
meus compatriotas. E é.
Por isso chegamos aqui, ao lugar em que
um cidadão é perseguido à luz do dia por conta de um banalíssimo exercício de
sátira e não acontece nada. Há 30 anos, a rejeição “oficial” de um livrinho de
Saramago deixou o país às portas de uma apoplexia nervosa, com chiliques de
indignação a brotarem de todos os lados. E antes que me acusem de comparar
Saramago com Pedro Brito, esclareço: não comparo. Desde logo, dos
telejornais à “oposição”, Pedro Brito
não tem ninguém a defendê-lo e quase ninguém a noticiá-lo, enquanto Saramago
acabou elevado a mártir a pretexto de um prémio obscuro e uma medida estúpida. Além
disso, Saramago fora ele próprio um conhecido entusiasta da censura, o que no
mínimo lhe dava familiaridade com o ofício e lhe retirava legitimidade para se
queixar do dito. Ignoro se
alguma vez Pedro Brito teve uma carreira a controlar a informação e a sanear
dissidentes a expensas de um poder arbitrário. Mas duvido: se tivesse tido, o
dr. Costa gostaria dele, e ele adoraria o dr. Costa.
LIBERDADE DE
EXPRESSÃO LIBERDADES SOCIEDADE ANTÓNIO COSTA POLÍTICA
COMENTÁRIOS(de 63)
Pedra Nussapato > António Dias: Portanto a academia sueca atribuiu o Nobel a Saramago por
"politiquices". Bonito... José Carvalho: Aplaudo o autor. Apenas lhe pediria que deixe o Saramago em paz.
Saramago foi um artista da palavra, que todo o mundo aprecia. Fora da escrita,
era comunista, é certo, mas qual é o humano que não tem um defeito? Alexandre Barreira: Pois. Por
falar em censura. É
estranho. No
meu comentário "apagado". Nada disse
que " sensibilizasse a virgem"....! Alexandre Barreira > José Carvalho: Pois. É verdade. Quando a "alma" é pequena. O Saramago tem. As "costas largas"....! José Paulo C
Castro: A esquerda não é
livre: é colectivista. Pensar que pode haver liberdade de expressão quando se
defende o primado do colectivo sobre o indivíduo, é um engano típico dos seus
apaniguados. A censura muda de nome mas fica mais forte do que nunca. Coronavirus corona
> Pedra Nussapato: Cruzes credo. Alguma vez a academia sueca
fez tal coisa? Alguém se lembra da academia sueca ter feito coisa semelhante?
Daqui a pouco ainda vão dizer que o facto de ter dado o prémio Nobel da paz a
Obama com alguns meses de presidência foi "politiquice". Nada disso.
Por quem sois.
António Dias: A censura está cada vez mais forte com a conivência da
maioria da CS. Excelente reflexão, lembrando Saramago que foi um dos maiores
censores de jornalistas ao serviço do Partido comunista . Continua a ser uma
das maiores injustiças, ter sido atribuído o Nobel ao Saramago , como
representante da literatura portuguesa . A língua portuguesa tem excelentes
escritores,que por mérito e não por politiquice deveriam ser merecedores deste
prémio. O regime está podre. Maria Tubucci: Excelente AG. É a chamada liberdade de
expressão com trela. Se faz o que o dono não quer, não come a ração. No
fundo o visionário GO tinha razão, “todos os animais são iguais, mas uns são
mais iguais que outros”, isto é tão real em 2023 como em 1945, mantém a sua actualidade.
O pior cego é o que não quer ver! Coronavirus corona: Só faltou fazer menção ao António. O corajoso
cartunista que desenhou o primeiro-ministro de Israel em forma de cachorro e a
ser levado por Trump. Acto corajoso que a nossa Assembleia da República
vangloriou exibindo o desenho lá dentro do palácio roubado à Igreja. Esse mesmo
António disse há dias que estes cartazes do nosso Querido Líder em forma de
porco foram de extremo mau gosto. Não podemos falar de sabujos sem recordar um bola de
ouro nesse desporto. João Angolano: ‘Espinha
curva’ e ‘voz do dono’ ta tudo dito!!! Fernando Cascais: Este governo é como a PIDE do Estado Novo
e tem um agente disfarçado em tudo o que mexe. Cancelaram o homem e deram o
recado para as novas gretas: How Dare You? Os outros desenhistas, de esquerda,
obviamente, de pêlo na venta e testa bem armada, levantaram a cabeça, miraram o
intruso e voltaram a baixá-la para continuarem a ruminar erva. O rabinho, esse,
bem enfiadinho no meio das pernas não vá o comité desconfiar de algum
atrevidote para ter de o amansar. Enfim, somos realmente um povo de cagarolas
de esquerda. João
Floriano: Excelente
crónica. Pequenos grupos, observatórios, associações minúsculas, partidos sem
representatividade, corpúsculos, são a garantia da manutenção do poder por
parte do PS. Tornou-se imediatamente evidente que a questão do cartaz «racista»
foi um golpe teatral bastante bem encenado por sinal. Completamente na mouche a
ida à Régua deve ter sido motivo de celebração no Largo do Rato: 100% de
sucesso, com Galamba e o cartaz. Aqui há anos, em Londres, muitos dos músicos
de rua exibiam um cartaz. Se a memória não me falha rezava o seguinte: «Help
the street musicians! The smallest and largest concert hall in the world!».
Pedro Brito até nem tem necessidade de uma exposição organizada por uns grupos
medíocres para exibir os seus cartazes de protesto. Se o fizer no centro de
Lisboa terá certamente muito mais visibilidade. O que é curioso notar é que
Pedro Brito, excelente caricaturista, é cancelado por «compagnons de route»,
porque imagino-o muito distante da minha direita. E estes companheiros que
agora o rejeitam e lhe negam apoio ( veja-se Mário Nogueira a dar-lhe um
«chega- te para lá» apesar de Pedro Brito pertencer à Fenprof), são os mesmos
que se colocam solidários, solícitos e de mão estendida ao serviço das dores de
AC, tal como Costa já vergou a espinha em frente a Van der Leyen quando
perguntou se já podia ir ao banco. Confuso tudo isto! José Monteiro: O novo termo é INELEGÍVEL Inelegível para eleições Inelegível para conferências Etc Ana Silva: A liberdade de expressão anda pelas ruas
da amargura, com um torniquete ao pescoço que vai apertando as vias
respiratórias lenta e paulatinamente, para o corpo (social) não estrebuchar de
pânico à medida que sufoca. Joaquim Almeida >
José Carvalho: Era comunista e censor pidesco no DN, não
esqueça nem absolva. Carlos Chaves >
José Carvalho: Caríssimo José, sem querer ser advogado de
defesa do Alberto, até porque ele não precisa, o Saramago não foi um “simples”
comunista, foi alguém que contribuiu activamente para que viéssemos a ser uma
Cuba da Europa. Deixar em paz, suponho não criticar, como o José pede parece-me
muito pouco avisado, o que estas sinistras figuras fizeram/defenderam não podem
passar ao esquecimento e muito menos à crítica de quem defende outros valores. Hipo Tanso: A liberdade de expressão é talvez o pilar
mais grosso e mais sólido daquilo que deve entender-se por democracia. Infelizmente esse pilar tem-se adelgaçado
notoriamente nos últimos tempos, na mesma medida em que tem engordado a fome de
poder dos governantes. CENSURA - é o nome que eles não dão a essa pretensa
necessidade de combater as chamadas "fake news", classificação que
eles reservam para eles mesmos. Luís Marques: Liberdade de expressão, só mesmo para
malhar na direita... Por falar em nobel, o Tony Tosta arrisca-se a ganhar o
próximo prémio nobel da economia, a sua explicação da inflação como resultado
dos lucros excessivos das empresas é sem dúvida um contributo revolucionário
para a ciência económica.
klaus mullerklaus muller: E tenho de concordar com A. G. quando diz
que este servilismo perante o trafulha incompetente do Costa não é só uma
questão de "interesses económicos" ou "receios
profissionais". Não, é mesmo genético, algo inscrito no ADN de
alguns indivíduos.
João Floriano > Pedra Nussapato:
Credo António Dias, a heresia tem limites. E desta vez
estou inteiramente ao lado da/do Pedra.(ironia) Alguma vez a Academia sueca se
via envolvida em casos de corrupção e sobretudo em suspeitas de assédio sexual?
Nunquinha! Alguma vez os prémios atribuídos sobretudo na Literatura têm a ver
com modas e pressões políticas? Nunquinha! Todos sabemos que o único critério
exclusivo é a qualidade do escritor. Agora a sério: partilho a opinião do
António e não concordo com o/a Pedra o que já é habitual. Saramago esteve ao
serviço do partido comunista tanto na sua actividade como jornalista como na
admiração que dedicava a ditadores de esquerda, nomeadamente a família Castro.
Foi excelente ter ido para Lanzarote. Se pensou na altura que nos fazia uma
grande ofensa, fez-nos um grande favor. Mais uma vez Cavaco Silva esteve bem
quando não lhe passou cartão.
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