No
nosso país de eternos contos e eternas fugas. Mas se se permite tanta greve no
ensino, não é de estranhar, hoje, as fugas para o privado, no qual dantes, se não
acreditava assim tanto, na crença de que as passagens nos anos sem exame se
deviam, naturalmente, a efeitos pecuniários dos ditos colégios, que, esses sim,
passavam todos os alunos, forma aliciante de manter os colégios cheios. Hoje em
dia, não se põem essas questões, é-se, antes, aliciado pelo desejo de maior
estabilidade disciplinar e de aprendizagem, pois não se permitem aí as greves
desestabilizadoras. E isso reflecte-se nos resultados em exames, que os jornais
e a internet não se coíbem de publicar, comentando, esquecidos de que, para
mais, aquele permite hoje selecção de alunos, ao contrário da massificação no
ensino público, causa-mor do insucesso…
Há
alunos a fugir das escolas públicas?
É exagerado alegar que existe um
movimento nacional de fuga de alunos das escolas públicas. Mas é pertinente
questionarmo-nos sobre se tal não estará a acontecer na Área Metropolitana de
Lisboa.
ALEXANDRE HOMEM
CRISTO Colunista do Observador
OBSERVADOR, 13 jul. 2023, 00:2212
1A percentagem global de alunos
matriculados em estabelecimentos de ensino privado aumentou nos últimos anos. Isto é
particularmente visível no ensino secundário. Em 2021/2022,
24,9% dos alunos do secundário frequentaram um estabelecimento de ensino
privado — o valor mais elevado desde a década de 1960, ou seja, o mais elevado
de sempre em democracia. É particularmente relevante acrescentar que, em
2019/2020, essa percentagem era de 21,5%. Os 3 pontos percentuais que separam
estes dois anos lectivos são uma anormalidade — as oscilações anuais tendem a
ser pequenas. A pergunta inevitável: o que se passou para justificar
este aumento de alunos no ensino privado?
2No debate público,
há duas hipóteses em confronto. Por um lado, seriam os efeitos de falhas nas escolas
públicas, que levariam mais famílias a optar pelo ensino privado. Por outro
lado, seria uma tendência estatística sem relevância política. Esta segunda opção corresponde à adoptada pelo
Ministro da Educação. Em entrevista ao Expresso (30 Junho 2023), à pergunta
“entre os alunos, há mais idas para o privado, tendo em conta a situação vivida
na escola pública?“, João Costa respondeu simplesmente que “os dados não o indiciam“. Qual
das duas hipóteses está certa? Em bom rigor, ambos os lados têm alguma razão.
E, para o perceber, há que mergulhar no detalhe dos dados.
3Facto 1: não há oscilações relevantes na
percentagem de alunos na rede pública ou na rede privada quando olhamos para os
dados nacionais do ensino secundário geral (os cursos cientifico-humanísticos).
Aqui, nos últimos cinco anos, a percentagem de alunos a frequentar escolas
privadas manteve-se à volta dos 11% (em 2017/2018 era 11,3%; em 2021/2022 era
de 11,2%). Ou seja, no secundário geral, está tudo estabilizado. São estes dados que o Ministro da Educação tem como
referência quando rejeita a ideia de que há uma fuga de alunos da rede pública
rumo às escolas privadas. E, se olhássemos apenas para estes dados, o Ministro
teria razão.
4Só que, olhando para dados regionais destes cursos
gerais do ensino secundário (cientifico-humanísticos), parece haver algo de
interessante a acontecer — e que corrobora a suspeita de aumento de alunos no
privado especificamente na Área
Metropolitana de Lisboa (AML).
É esse o facto 2: a
frequência de escolas privadas no secundário está a crescer na AML há vários
anos. Em 2013/2014, havia 11,8% de alunos matriculados em escolas privadas na
AML. Em 2021/22, eram 16,5%. Mesmo que o período de tempo seja de 9 anos, são
quase 5 pontos percentuais de diferença e, proporcionalmente (para a dimensão
do ensino privado), é muito significativo.
5Facto 3: a AML
está em contraciclo com o resto do país, o que torna o caso ainda mais curioso.
No Porto, as oscilações anuais são suaves (no sentido da diminuição do sector
privado) e há actualmente estabilização da percentagem (13%) de alunos a frequentar
colégios. Na região
Centro, a queda na frequência do ensino secundário privado é enorme: de
2015/2016 (12,8%) para 2021/2022 (6,7%) reduziu-se para cerca de metade (menos
6 pontos percentuais), havendo aqui uma relação directa com o fim de dezenas de
contratos de associação, que forçaram o encerramento de vários colégios
(matando a oferta privada em vários concelhos). Nas
restantes regiões, o peso do sector privado é (e sempre foi) tão residual que
não interfere no balanço. Ora, na perspectiva dos indicadores nacionais, o
balanço é este: os aumentos na AML estão a ser compensados pelas diminuições na
região Centro (e um pouco na região Norte), razão pela qual os níveis nacionais
ficaram mais ou menos na mesma. Ora, essa estabilidade é mera aparência e,
pelos vistos, esconde movimentações muito relevantes a nível regional.
6Dúvida: o que
justifica a tendência de crescimento do sector privado na AML? Tendo em
conta que essa tendência começou em 2013/2014, não se pode
associar directamente às políticas específicas dos governos PS, muito menos a
efeitos de instabilidade mais recente (covid-19 ou greves). Assim,
parece-me que uma resposta possível deverá estar alicerçada na combinação de
três fenómenos: uma desconfiança crescente sobre as escolas
públicas, o crescimento demográfico na AML (com desafios educativos e
linguísticos impostos pela imigração) e esta ser uma região do país com maior
poder de compra e diversidade de oferta de escolas privadas. Ou seja, na
soma destes três fenómenos, o que distingue Lisboa do resto do país é isto: há
muitas opções educativas por onde escolher e mais capacidade económica para
pagar as mensalidades de colégios, pelo que não surpreende que haja também cada
vez mais famílias a matricular os filhos no sector privado.
7Volto à pergunta inicial do artigo: se
não é no ensino secundário geral, como se explica então que, nos
indicadores globais, haja um aumento súbito da frequência de estabelecimentos
privados no ensino secundário, entre 2019/2020 e 2021/2022? A resposta localiza-se nos alunos matriculados em
Cursos de Aprendizagem — uma oferta de secundário que atribui certificação
escolar e profissional, com vista à inserção no mercado de trabalho. Em
2019/2020, a oferta de Cursos de Aprendizagem era 100% pública. Em
2021/2022, essa oferta passou a ser 60% do sector privado (correspondente a 10
mil alunos). Ou seja, nos valores globais vistos no ponto 1 deste artigo,
aqueles 3 pontos percentuais têm aqui explicação: a fatia do ensino privado
está a aumentar à boleia do ritmo imposto pelos Cursos de Aprendizagem — é o
facto 4.
8A soma destes factos diz-nos várias
coisas. Fundamentalmente, diz-nos que é exagerado alegar que existe um
movimento nacional de fuga de alunos das escolas públicas, mas também que é
pertinente questionarmo-nos sobre se tal estará a acontecer especificamente na
Área Metropolitana de Lisboa. De resto, a ideia de que tal se
poderia dever a uma reacção das famílias a episódios recentes (pandemia ou
greves/ instabilidade) não transparece nos dados. Mas também não transparece
nada que suporte a convicção de que tudo corre bem, quando na Grande Lisboa a
rede pública está a perder espaço continuamente há quase 10 anos. A
raiz da explicação parece-me mais profunda e relacionada com o contexto: onde
exista variedade de oferta educativa, maior pressão demográfica e um nível de
poder económico acima da média nacional, também haverá aumento da frequência do
ensino privado. Talvez isto soe lógico e não surpreenda ninguém. Mas, a ser
assim, este será um indicador social e político muito forte acerca de uma nova
tendência de elitização da educação: nos contextos mais urbanos e pressionados
demograficamente, quem tem meios para matricular os filhos no privado cada vez
mais tende a fazê-lo.
COMENTÁRIOS:
Ricardo Pinheiro Alves: Primeiro, não
se deve esquecer que a queda do privado no centro e em alguns casos concretos
de Lisboa e Norte se deve ao encerramento de colégios forçado pelo Ministro,
pelo que não foi uma escolha dos pais mas uma imposição. Segundo, seria
interessante perceber qual a razão para uma desconfiança crescente sobre as
escolas públicas. No meu caso pessoal, deve-se ao facto de não ter confiança
nos valores que os professores das escolas públicas possam passar aos meus
filhos. É como a lotaria, podem ser bons professores ou podem ser professores
que deseducam os meus filhos. Nos colégios posso exigir que o ensino seja de
acordo com a educação que quero dar aos meus filhos, na escola pública não
posso porque vivem sob o jugo de um tiranete e da sua equipa no Ministério da
Educação. E os valores deste tiranete estão muito distantes dos valores que eu
quero para os meus filhos. Rui Pedro Matos > Ricardo Pinheiro Alves: Muito bem. Sou docente na escola pública, porque tenho
confiança nela, mas desde 2015 e em períodos de governação socialista o sistema
de ensino tem-se depauperado e este Ministro é mesmo muito mau, tal e qual como
o anterior, que era o Secretário de Estado, de nome João Costa! Maria Augusta Martins: O sr ministro da educação também se anda a meter no
moscatel! Carlos
Bárria: Não existe fuga das escolas públicas,
porque o Estado fica com o dinheiro todo das pessoas.
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