terça-feira, 4 de julho de 2023

Uma boa crónica

 

Sobre as trocas e baldrocas entre CDS e CHEGA. Para mim, o CDS significou o reconhecimento do mesmo patriotismo que sempre me acompanhou, feito também de uma educação que o Chega não parece possuir, se se deixa embarcar nas convulsões altissonantes do seu líder. Um texto elucidativo de Inês André Figueiredo, que gostei bem de ler, e me fez retornar a velhos tempos de protesto inútil sobre uma pátria definitivamente estilhaçada.

Orgulho e arrependimento. As razões de quem trocou o Chega pelo CDS e de quem fez o caminho contrário

O que leva um militante a sair do CDS para se filiar no Chega? E o que leva um membro do Chega a regressar à enfraquecida casa-mãe? As histórias de quem trocou o Chega pelo CDS. E vice-versa.

INÊS ANDRÉ FIGUEIREDO: Texto

ANA MOREIRA: Ilustração

OBSERVADOR, 03 jul. 2023, 19:211

Era um êxodo aparentemente insólito. O CDS revelou, no início do ano, que cem ex-militantes tinham regressado ao partido após passagens pelo Chega e pela Aliança. Na altura, Nuno Melo justificava que muitos “foram ao engano” e que tinham percebido que o CDS era um “espaço de democracia” e a “grande casa das direitas“. Se era público que muitos antigos militantes centristas saíram para o Chega, aquela centena de novos democratas-cristãos mostrou que, afinal, o caminho tem duas vias. O Observador falou com quem abandonou o Chega para se juntar (ou melhor, voltar) ao CDS, mas também quem fez o caminho mais comum e saiu de um partido em queda para um partido em crescimento.

Os argumentos divergem dos dois lados da barricada. Há quem considere que trocar o Chega pelo CDS é seguir no sentido inverso do actual contexto político português, mas também há quem veja no CDS uma segunda oportunidadena política. Também há os militantes que fizeram o caminho oposto por acreditarem que o Chega é o futuro da direita em Portugal. As razões são diferentes e marcam o fosso entre os dois caminhos: se de um lado se aponta à falta de democracia interna do Chega; do outro há a certeza de que o CDS que em tempos “entusiasmava”, dificilmente volta.

“O que me separa do Chega é o facto de não se admitir democracia interna”

Fernando Arriscado está na política desde os 14 anos, começou na Juventude Centrista (CDS), manteve-se 20 anos no seio dos democratas-cristãos e acabou por sair por considerar que o partido estava a “fazer pouco” e que tinha ficado “muito ligado ao poder” — a decisão surgiu por volta de 94/95, quando Manuel Monteiro era presidente.

"O Chega não é um partido, é uma seita, demorámos a perceber, mas o grande problema vem de cima."

O bichinho renasceu com o Chega, que o levou a filiar-se em 2020, e rapidamente se desvaneceu quando começou a encontrar entraves a nível interno. A questão das nomeações para as concelhias — uma regra que se mantém inalterada no partido — iria alegadamente sofrer alterações após o Congresso de Évora. Fernando Arriscado interessou-se pelo tema, pretendia a realização de eleições e não só foi mal sucedido como se começou a “sentir pressionado” dentro do partido: “No Chega perceberam o problema: as bases estavam a ganhar poder.”

A descrença cresce, o afastamento acontece paulatinamente e o ex-militante do Chega começa a aperceber-se de que há mais descontentes, no seio dum partido que descreve como “mais democrático”. Contudo, estranha que haja pessoas que “não acordem”: “As concelhias não existem, não há trabalho, a distrital está desfeita…” A ideia de que a esmagadora maioria aceita tudo o que é imposto não é compreensível para Fernando Arriscado.

 O que me separa do Chega é o facto de não se admitir democracia interna. Não se permitem opositores, ideias diferentes”, ataca, enquanto faz um termo de comparação com outras realidades: “Qualquer partido, se cair o chefe, o partido mantém-se. Se no Chega Ventura cair, no dia seguinte não há nada — é um vazio de poder, secou tudo à volta.” E prossegue na crítica: “Não é um partido, é uma seita, demorámos a perceber, mas o grande problema vem de cima.”

Mais do que uma visão “preocupante” quanto à forma como o partido é gerido internamente, Fernando Arriscado projecta um Chega que, no caso de alcançar o poder, será “ditactorial” e capaz de “impor tudo e mais alguma coisa”. E acusa o partido de “não ter doutrina” e de “todos os dias dizer coisas diferentes”, dando o exemplo da TAP e do SNS. Saiu desiludido com a democracia interna, com a forma como André Ventura gere o partido e com as ideias que tem para o país que, reitera, mudam consoante a necessidade de falar para as pessoas.

“Arrependo-me profundamente pela angariação de muitos militantes”

João Leitão fez um percurso idêntico, esteve dez anos no CDS e saiu há quatro anos quando viu no Chega um “projecto diferente”. Decidiu filiar-se no partido liderado por André Ventura após um período de tempo sem ligação à política. “Pareceu-me que havia um partido de direita e na altura não o identifiquei como extremista”, reconhece.

Esteve no Chega quase dois anos, é um dos mais arrependidos e não poupa nas palavras: “Apercebi-me de que o Chega e o André Ventura são um perigo para Portugal e para a democracia e arrependo-me profundamente porque fui responsável pela angariação de muitos militantes.”

Recorda o momento em que não havia concelhia na Maia, em que “deu a cara” pelo partido, levou pessoas a “acreditar no Chega” e, em retrospetiva, lembra também a altura em que tudo aquilo a que deu crédito se foi desfazendo. “Começou a ser tudo menos democrático, não havia eleições, se alguém confrontasse decisões era expulso”, conta, enquanto fala numa “seita” e em “pessoas sem competência” que utilizam “slogans vazios” e que “apelam às emoções das pessoas sem solução concreta”.

João Leitão percebeu que “dentro do Chega qualquer pessoa que tenha a capacidade de pensar e contestar o que André Ventura diz, não interessa ao partido” e decidiu mudar de rumo por não ver uma luz ao fundo do túnel num partido onde “é tudo à volta do líder”. A desilusão levou-o à casa-mãe: “Gosto da política e quero ser militante num partido onde haja liberdade, onde possa eleger e ser eleito. No Chega é tudo à volta do líder. Se alguém disser algo contra Ventura, é exonerado.”

“André Ventura é um perigo para a democracia”

João Almeida, da Maia, esteve cinco anos no CDS e optou pelo Chega em 2019 quando sentiu que os democratas-cristãos “perderam quadros” e que o partido “não estava bem”. Nessa altura viu no recém-formado Chega “algumas ideias” com que se identificava e na “oratória” de Ventura um bom presságio.

Depressa se desiludiu. Esperava “um partido democrata e aberto a ideias” e foi-se apercebendo que André Ventura, segundo acusa, é uma “mão cheia de nada”, com “falácias populistas” e “promessas em que se contradiz”. E atira: “André Ventura é um perigo para a democracia interna e para a democracia em Portugal. A ditadura que se vive no partido e falta de democracia interna é inacreditável.”

Uma das razões para a saída foram os casos de nepotismo que existem no partido e a discrepância entre as palavras e a realidade, nomeadamente pelo facto de Ventura “estar sempre a bater no PS” pelas relações pessoais no partido e por “estar a fazer o mesmo”. A questão da falta de eleições nas concelhias contribuiu para o descontentamento, mas a gota de água foi considerar que o “Chega é uma unipessoal” e que o líder “é um ditador” — “imagine-se se chegar ao poder”, alerta.

A esperança dos retornados

A esperança e a ideia de que é possível contribuir para o regresso do CDS ao campeonato dos grandes move todos os que regressaram para o partido. Apesar de considerar que nem tudo o que o levou a sair do CDS está resolvido (“o partido cai quando resolve ser um partido liberal e de centro esquerda”), Fernando Arriscado considera que os democratas-cristãos servem mais os interesses do país do que o Chega. “O CDS está caído na desgraça, mas tem história, raízes, quadros técnicos”, relembra, crente de que é possível reavivar a força de outrora.

Sabendo que é imprescindível “trabalhar muito para salvar o partido”, o ex-militante do Chega retornado ao CDS acredita também num regresso do partido à Assembleia da República, que perdeu a representação parlamentar nas últimas eleições legislativas quando Francisco Rodrigues dos Santos estava à frente do CDS. “Acredito no renascer do CDS como uma fénix”, ressalva, enquanto reconhece que o partido agora liderado por Nuno Melonunca será um partido para encabeçar tudo, mas “não deixa de ser um partido de massas e com tradição na democracia em Portugal”.

João Leitão tem a mesma visão, fala do CDS como um “partido com história” e tem a ambição de “fazer no CDS o que ajudou a fazer no Chega”: eleger um deputado ao Parlamento. Sabe que é um “trabalho árduo”, tendo em conta que o partido não tem representação parlamentar, mas acredita que o CDS tem “estruturas e bases” para o conseguir, especialmente por também estar “bem representado autarquicamente”.

Acredito que vamos conseguir reerguer o CDS. Quanto ao Chega, é uma questão de tempo, a ideia de falta de democracia interna vai espalhar-se rapidamente. Cresceu muito rapidamente e acredito que vai cair a pique”.

No mesmo sentido, João Almeida sabe que o Chega “absorveu muitos dos militantes que eram do CDS” na altura em que “existiu uma debandada”, mas tem esperança que “o CDS vá recuperar muito dos que interessam porque vão começar a perceber que o Chega não tem pernas para andar e não tem quadros para governar”.

Mas há também o outro lado: de quem saiu do CDS para o Chega. E não espera voltar.

O CDS é um partido sem conteúdo

As ligações de Bruno Mascarenhas ao CDS são longas. Foi militante durante 30 anos com um pequeno interregno de “dois ou três anos”, chegou a ser assessor na câmara de Lisboa, foi coordenador autárquico local e membro da concelhia de Lisboa. Em 2021 acabaria eleito deputado municipal em Lisboa, eleito pelo Chega.

Deixou de se sentir representado num partido que acusa de se ter “aburguesado” e “vendido ao sistema”. Critica aquela que descreve como uma “liderança miserável” de Francisco Rodrigues dos Santos e que contribuiu para que se sentisse “totalmente descontente” com o rumo do partido e não se arrepende da escolha que fez.

Tinha no Chega um amigo que o desafiou e, crente de que “toda a ala conservadora do CDS se perdeu” e que muitos dos que acreditavam nela “saíram para o Chega”, decidiu “apostar” no partido liderado por André Ventura. Recusa a ideia de que os quadros e fundadores do Chega sejam racistas ou xenófobos e reconhece que “há uma franja da extrema-direita”, mas distingue-a da “direita conservadora que não se revê na extrema-direita” e que acredita ser a esmagadora maioria.

Só entende regressos ao CDS numa “expectativa de interesse”. “O CDS hoje não tem uma ideia, não se conhece uma bandeira, um objetivo, um ideal. É um partido sem conteúdo. O CDS de 93/95 entusiasmava as pessoas porque vendia os valores da defesa dos portugueses, da soberania e, hoje, revejo isso no Chega”, justifica.

O deputado municipal do Chega garante não estar preocupado com a ideia de que o partido possa ter falta de quadros, assegura que os que existem são “incomparavelmente superiores aos quadros de outros partidos, inclusivamente de PS e PSD” e garante que há um trabalho constante para que no futuro haja equipas “mais bem preparadas” para todos os cargos.

“Chega, com Ventura, pode devolver Portugal a outros tempos”

Actualmente assessor de comunicação do Chega, a vida política de Nuno Valente é marcada pela presença no CDS. Esteve de 1995 a 2011 no partido, saiu por não concordar com o rumo político que estava a tomar, mas regressou nos tempos de Assunção Cristas e viu em Francisco Rodrigues dos Santos aquilo a que chama “o meu CDS”. Foi com Paulo Portas que se afastou por sentir uma “desilusão completa”, principalmente por ter “desvirtuado o partido ao levá-lo para o Governo”.

 

“O Francisco Rodrigues dos Santos representava um CDS com os valores antigos da democracia-cristã” e foi exactamente isso que voltou a ver no Chega. Admite não ter sido fácil “afastar-se” do CDS por ser um partido que lhe diz tanto, porém começou a ser desafiado por várias pessoas do Chega, nomeadamente por Pedro Pinto, actualmente membro da direção nacional. Acabou a saltar praticamente de um partido para o outro.

E rapidamente começou a trabalhar, tendo preparado a candidatura autárquica a Alcochete já como coordenador do núcleo local. Foi-se apercebendo, principalmente nas questões locais, que o Chega tem muita gente “inexperiente” politicamente, alguns até sem qualquer filiação partidária anterior. E vai mais longe: “Alguns vieram por oportunismo político.”

Nuno Valente vinha do CDS, relembra que estava “habituado à democracia interna” e reconhece que “no início foram tomadas algumas decisões” que dividiram opiniões, mas justifica-as com a entrada de “muita gente menos saudável” para o partido e que o podia “encaminhar para bandeiras que não são verdade”.

“O partido é recente, o processo da democracia interna está a seguir o rumo normal, ainda não há condições para haver concelhias numa boa parte do país, mas estamos a reestruturar-nos para que haja eleições”, argumenta.

Depois de ter tomado a decisão de embarcar no desafio do Chega diz que esta é a sua “última oportunidade” na política. Voltou ao CDS “porque acreditava que ainda podia haver formas de mudar as coisas” e actualmente acredita que “o Chega com André Ventura tem essa força, essa dinâmica para poder devolver Portugal a outros tempos”.

“Não conheço ninguém com vontade de ir para o CDS”

Paulo Freitas Lopes teve 27 anos cartão de militante do CDS. Saiu para a Nova Democracia, de Manuel Monteiro, e regressou pouco tempo depois. Abandonou de vez o partido no dia em que decidiu ir para o Chega, em 2019. Na visão do ex-conselheiro nacional, “o CDS não correspondia às expectativas e estava muito acomodado ao sistema”, o que o levou a sentir-se desconfortável e a sair.

Compara as duas realidades, alega que tanto o Chega como o CDS são “partidos de terreno” e “próximos das populações, sobretudo a nível autárquico” e que, na sua génese, tendem a afastar-se de PS e PSD, que considera “mais elitistas”. Por outro lado desvaloriza o facto de André Ventura ser o rosto incontornável do Chega, dizendo não ter dúvidas de que vão “aparecer outras figuras de destaque”. E o atual líder do Chega leva-o até a recordar um outro momento da política de que fez parte: “Vivi o problema do homem único na Nova Democracia, com Manuel Monteiro.”

Ao contrário de outros membros do partido, Paulo Freitas Lopes reconhece que há falta de quadros no Chega, acredita que irão aparecer e que, a médio prazo, este não será um problema para o partido. E traça o paralelo com os democratas-cristãos: “O CDS tem muitos quadros, mas ninguém fala no CDS. É mais do mesmo e neste momento não difere do PSD.” O regresso ao CDS — algo que já fez quando deixou a Nova Democracia — era hoje praticamente impossível. “Agora nunca voltaria”, garante

Confrontado com os regressos de vários membros do Chega ao CDS pelo desencanto e pelas críticas ao partido, Freitas Lopes desvaloriza por completo: “Tenho muitos amigos do CDS com vontade de vir para o Chega e não conheço ninguém com vontade de ir para o CDS.”

Há quem recuse voltar ao CDS e há quem veja nesse caminho a única saída para uma vida na política. Com a liderança renovada e Nuno Melo à frente dos democratas-cristãos, os cadernos de militantes voltam a agitar-se e a esperança do “renascer da fénix” é cada vez mais um motivo para arriscar. Por outro lado, com o crescimento do Chega (em resultados e em sondagens), a ideia de que o partido de André Ventura é o futuro são os argumentos de quem agora está no Chega e não pensa voltar ao CDS. Entre trocas de militantes, Chega e CDSapesar de serem ambos partidos e direita e, por base, conservadores, partilham ideias muito diferentes. Isso não impediu, no entanto, que militantes tenham vindo a saltar de um partido para o outro.

POLÍTICA    CDS-PP    PARTIDO CHEGA

Comentários:

joaquim zacarias: Há militantes e há carreiristas. Os primeiros servem o partido, os outros querem servir-se dele, para benefício próprio.

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