Sobre a 1ª República, de Luís Soares de Oliveira, páginas que
já aqui copiei, em 3 de Julho, mas volto a ler e a transpor, com gosto, desta
vez sob o comando fiscalizador do Dr.
Salles, precedidas que são dos seus comentários de sagacidade
experiente e inquebrável e pontuadas com as observações também sabedoras do seu
amigo Carlos Traguelho, em
experiências enriquecedoras. Uma vez mais, Bem-Haja aos três:
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 06.07.23
Hoje, começo com um quase-enigma que, submetido a breve reflexão, se
transforma em quase-axioma:
«A história é a essência da cultura».
E porquê esse «quase-quase»? Porque a
explicação é muito simples e porque se fosse axioma não precisava de
explicação. E aqui vai ela: Genética e
culturalmente, somos herdeiros dos nossos antepassados e, daí, «o chá que
bebemos em pequeninos» que é como quem diz, a educação, os conceitos básicos,
morais, inerentes à (nossa) Civilização. Mais do que isto é o estudo para se
saber como ali se chegou. A cultura é o conhecimento da própria condição e esta
resulta dos prolegómenos, ou seja, da História. Eis como esta é a essência da
cultura.
Conclusão: se queremos saber o que
somos e como aqui chegámos, temos que conhecer os tais prolegómenos, ou seja, a
História.
* * *
Na busca perene que muitos de nós fazemos das causas que expliquem os
padecimentos (sociais) que nos preocupam, estudamos a nossa História na
esperança de encontrarmos essas explicações e, daí, encontrarmos as «chaves»
que nos permitam imaginar políticas correctivas, de desenvolvimento.
Com esse propósito, ficou célebre o livro de Antero de Quental
intitulado «Causas da decadência dos
povos ibéricos» cuja leitura recomendo mas
o meu primo Luís Soares de Oliveira enviou-me por e-mail um seu texto que me
permito classificar de notabilíssimo. Aínda pensei citá-lo em
cada ponto-chave mas decidi não o truncar e transcrevo-o na íntegra para ter a
certeza de não lhe perdermos qualquer parcela do enorme valor que nos
acrescenta.
Aí vai, com a devida vénia:
«O CONHECIMENTO DOS ERROS
PASSADOS É A MELHOR FORMA DE MELHORAR O FUTURO.
A POLITICA PORTUGUESA DOS ANOS
10 DO SÉCULO PASSADO.
(extrato do livro em preparação:
" A guerra
civil que não aconteceu" Aos políticos do tempo sobrava formação jurídica e faltava cultura económica;
o ensino universitário dessa época ainda não distinguia a economia da ciência
jurídica. Séculos
antes, a Inquisição, tinha-se encarregado de converter o enriquecimento em
pecado imediata e cruelmente punível. Diferentemente das democracias
nórdicas que foram criadas e orientadas por empreendedores habituados a
colaborar entre si para produzir riqueza, a portuguesa foi, através dos tempos,
dominada por gente que considerava o
enriquecimento pecaminoso e adverso à segurança do Estado. E, de tal forma a ideia persistiu, que
acabou com o crescimento do produto. Faltava também civismo: à maneira das peixeiras a uma ofensa
respondiam com outra ofensa; a uma
violência com outra violência. Confundiam educação com presunção e humor com
sarcasmo e assim nunca aprenderam a arte de dizer o que é preciso sem magoar.
Eleições
havia mas eram garantidamente fraudulentas. O
direito de voto era selectivo. controlado pela Maçonaria Apesar da
contestação interna, o Partido Republicano ganhava sempre. A
ausência de alternância provocou a dificuldade das forças da oposição em aceder
aos órgãos do Poder e privou de representatividade e de participação política grande
parte da população o que não reforçou a estabilidade do novo regime
republicano.
Em Lisboa, predominava a chamada
geração do Ultimato[1], gente que havia perdido confiança na
Monarquia por esta não ter conseguido impor-se aos ingleses na defesa das
Colónias. A transição de regime Monárquico para
o republicano fez-se ali sem sobressalto; nas vilas e áreas
rurais o povo limitou-se a receber a notícia e tomou conhecimento de que o Rei
já não era rei e de que os funcionários públicos seriam permutados
oportunamente. Quem
regulava a ordem fora de Lisboa era a Igreja e os chamados "trauliteiros"
- estes, a soldo dos latifundiários. O resultado era um regime despótico e intrusivo propenso a usar o dinheiro
público para sustento de uma classe parasitária de baixaréis formados (ou meros
frequentadores ) na Universidade de Coimbra.
Os revolucionários
republicanos começavam então a alargar
a sua actividade às cidades e vilas provincianas através dos "comités de vigilantes" da Carbonaria-Formiga
Branca. Estes perseguiam os reaccionários e prometiam aos locais
melhorias, especialmente no domínio fiscal. Os trabalhadores acreditaram e a
violência instalou-se. Os bandos armados multiplicavam-se: era a guerra de
todos contra todos em que levavam vantagem os mais violentos e imunizados, designadamente
os sicários de Afonso Costa.
A Maçonaria seria de fundação francesa, enquanto a Carbonária era tipicamente
siciliana e do sul de Itália. Recorria
à violência irregular enquanto que, para a primeira, a violência era
sistemática. A repressão violenta tornou-se tanto mais frequente quanto
maior era a distância entre o conteúdo doutrinário dos revolucionários e o entendimento
do povo. Isto explica o crescente
e inevitável predomínio de Afonso Costa. Entre os cabecilhas
históricos do movimento republicano português seria ele o único preparado para
e dispostos a usar a violência até às
suas últimas consequências. Aos restantes faltava qualquer coisa.
A revolução Republicana foi realizada
desde início sem dinheiro, poucas armas e mal preparada. Estava pois condenada à dissidência perpétua. Machado
dos Santos - o
herói da Rotunda - era o desordeiro puro,
totalmente destituído de doutrina. O
que o seduzia era acção, não a palavra. Os restantes eram tribunos de mão
cheia mas não preenchiam o quadro de exigências do revolucionário. Manuel
Arriaga, pioneiro
do republicanismo em Portugal, era consciencioso, sincero, responsável, mas
demasiado bondoso para a política. O académico Bernardino
Machado vivia nas
nuvens, sempre pronto a agradar e a enganar. Frases suas "Portugal tem grandeza moral. Isto basta
para que nos respeitem"; "É
preciso enviar dinheiro a el rei", estando este no exílio; e
outras… O tribuno António José de Almeida, médico e humanista, esgotava-se na
eloquência; mas não ia além disso. Por fim, mas não de menos
importância, o iluminado Brito
Camacho, o mais bem orientado de
todos, preferia os bastidores ao proscénio. Foi o único que deixou obra. O IST
e o ISCEF entre outras instituições de ensino.
Teixeira Gomes homem
viajado, comerciante exportador antes de se tornar político, dizia dos seus
confrades. "não dão
provas suficientes das sua capacidades, nem podiam dar, falhos inteiramente do indispensável
tirocínio que somente se alcança em países organizados, tratando com estadistas
experientes e conhecedores das suas forças e das suas aspirações … O facto é
que o futuro da nacionalidade portuguesa é negro e pesa sobre estes homens uma
responsabilidade tremenda, de que a história lhes pedirá pesadíssimas contas".
Numa
palavra, Teixeira Gomes considerava os seus ilustres colegas
altamente incompetentes em matéria de governação.[2] E estes esforçaram-se por não
desmentir.
Luís Soares de Oliveira»: Considero este texto
absolutamente notável e por isso o republico. Tiremos as ilações que ele nos
proporciona.
Julho de 2023
Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS:
Francisco G. de Amorim 06.07.2023 14:57:
Brilhante, como sempre!
Anónimo 06.07.2023 16:50: Realmente, o teu primo tem um poder de síntese impressionante.
Concluis, Henrique, no teu post, que temos de conhecer a História para
sabermos o que somos e como aqui chegámos. Pois, o problema é como ensinam a História. Por curiosidade “quase científica”, tenho
assistido a um concurso televisivo que, por sessão, envolve uma equipa de 5
pessoas (com laços familiares e, em geral, comportando mais do que uma
geração), onde são feitas perguntas sobre diversas matérias, inclusive
História de Portugal. Apesar de este tema não ser frequentemente
questionado (talvez por timidez), quando o é, a “sinistralidade” tende a ser
elevada, quando comparada, por exemplo, com actores ou cantores. Como te
recordas Henrique, quando éramos estudantes, a parte final do século XIX era
dado superficialmente, com o argumento de que não havia o distanciamento
histórico suficiente, e do século XX, nem falar. Em consequência disso e por
influência próxima, cresci a imaginar que a 1ª República era democrática, havia
liberdade e prosperidade, embora, por vezes, ouvisse a minha avó dizer que,
nesse tempo, só havia revoluções e que os políticos republicanos eram
mentirosos que prometiam o “bacalhau a pataco”, sem que a promessa fosse cumprida.
Quando já bem
adulto, ao ler diversos livros sobre a 1ª República, a desilusão foi grande,
como calculas. O que eu pensava ser democrático, era na essência uma ditadura,
onde, como diz o teu primo, os votos eram controlados e os resultados os pretendidos. Os interesses pessoais e
partidários estavam frequentemente acima dos da Pátria. Ainda hoje não tenho
ideia clara se a entrada de Portugal na 1ª Guerra Mundial (em Flandres) foi
para defender as Colónias ou para afirmar um recém-regime constituído (não
estavam em causa as lutas nas Colónias, que travámos). A turbulência e o crime
(a camioneta fantasma, em 1921, em cujo episódio morreram, entre outros,
António Granjo, Machado Santos e José Carlos Maia) imperavam. A tudo isto
acresceu a instabilidade política expressa pela queda frequente de governos,
para além das crises económicas e sociais sucessivas. Talvez isto ajude a
perceber o acolhimento favorável que tiveram inicialmente dois movimentos nesse
período: um, em 1917 (Sidónio Pais) e outro em 1926 (Gomes da Costa).
Sou dos que entendem que não há Democracia sem Partidos Políticos, mas
também entendo que aquela melhora se houver um maior escrutínio dos Políticos
por parte dos Cidadãos e aqueles, ou alguns deles, deveriam ser eleitos por
forma mais próxima dos eleitores. A recusa de aceitação de círculos
uninominais, por parte de alguns grandes Partidos, acabará por ser, a prazo,
contraproducente, julgo.
Por outro lado, cabe ao Cidadão ser mais exigente com os Políticos e ter
uma postura cívica que evite que erros históricos se repitam. Para isso, é
preciso conhecer a História, ter consciência de quem somos, como aqui chegámos
e o que queremos para nós e para as gerações subsequentes. Sinto que a
alienação da Sociedade é grande. Há mais de meio século apontávamos três factores
para essa alienação – os famosos três “efes”: Fátima, Futebol e Fado. Não sei
que ponderação eles terão actualmente ou que outros factores existirão que
contribuam para um certo alheamento da Sociedade, agora que isso existe, existe. E não vale a pena rotular de “populismo”
afirmações ou acções que não agradam, eventualmente, a uns ou a outos.
“Populismo” tem conceito, causas e exemplos concretos. Aliás, a Fundação Francisco Manuel dos Santos, editou no ano passado um interessante livro
sobre este tema, de José Pedro Zúquete, no qual é feito um sobrevoo sobre a
teoria e os “casos práticos” portugueses, na óptica militar, regeneradora e
local, não deixando de teorizar sobre o futuro. Importa
que cada um de nós, com a Cultura que possui, incluindo o seu conhecimento de
História, tenha procedimentos e exija aos outros atitudes e comportamentos que
evitem o verdadeiro “populismo”. Abraço amigo. Carlos Traguelho
Nenhum comentário:
Postar um comentário