sexta-feira, 7 de julho de 2023

Páginas de História


Sobre a 1ª República, de Luís Soares de Oliveira, páginas que já aqui copiei, em 3 de Julho, mas volto a ler e a transpor, com gosto, desta vez sob o comando fiscalizador do Dr. Salles, precedidas que são dos seus comentários de sagacidade experiente e inquebrável e pontuadas com as observações também sabedoras do seu amigo Carlos Traguelho, em experiências enriquecedoras. Uma vez mais, Bem-Haja aos três:

DA RAZÃO HISTÓRICA

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 06.07.23

Hoje, começo com um quase-enigma que, submetido a breve reflexão, se transforma em quase-axioma:

«A história é a essência da cultura».

E porquê esse «quase-quase»? Porque a explicação é muito simples e porque se fosse axioma não precisava de explicação. E aqui vai ela: Genética e culturalmente, somos herdeiros dos nossos antepassados e, daí, «o chá que bebemos em pequeninos» que é como quem diz, a educação, os conceitos básicos, morais, inerentes à (nossa) Civilização. Mais do que isto é o estudo para se saber como ali se chegou. A cultura é o conhecimento da própria condição e esta resulta dos prolegómenos, ou seja, da História. Eis como esta é a essência da cultura.

Conclusão: se queremos saber o que somos e como aqui chegámos, temos que conhecer os tais prolegómenos, ou seja, a História.

* * *

Na busca perene que muitos de nós fazemos das causas que expliquem os padecimentos (sociais) que nos preocupam, estudamos a nossa História na esperança de encontrarmos essas explicações e, daí, encontrarmos as «chaves» que nos permitam imaginar políticas correctivas, de desenvolvimento.

Com esse propósito, ficou célebre o livro de Antero de Quental intitulado «Causas da decadência dos povos ibéricos» cuja leitura recomendo mas o meu primo Luís Soares de Oliveira enviou-me por e-mail um seu texto que me permito classificar de notabilíssimo. Aínda pensei citá-lo em cada ponto-chave mas decidi não o truncar e transcrevo-o na íntegra para ter a certeza de não lhe perdermos qualquer parcela do enorme valor que nos acrescenta.

Aí vai, com a devida vénia:

«O CONHECIMENTO DOS ERROS PASSADOS É A MELHOR FORMA DE MELHORAR O FUTURO.
A POLITICA PORTUGUESA DOS ANOS 10 DO SÉCULO PASSADO.

(extrato do livro em preparação: " A guerra civil que não aconteceu" Aos políticos do tempo sobrava formação jurídica e faltava cultura económica; o ensino universitário dessa época ainda não distinguia a economia da ciência jurídica. Séculos antes, a Inquisição, tinha-se encarregado de converter o enriquecimento em pecado imediata e cruelmente punível. Diferentemente das democracias nórdicas que foram criadas e orientadas por empreendedores habituados a colaborar entre si para produzir riqueza, a portuguesa foi, através dos tempos, dominada por gente que considerava o enriquecimento pecaminoso e adverso à segurança do Estado. E, de tal forma a ideia persistiu, que acabou com o crescimento do produto. Faltava também civismo: à maneira das peixeiras a uma ofensa respondiam com outra ofensa; a uma
violência com outra violência. Confundiam educação com presunção e humor com sarcasmo e assim nunca aprenderam a arte de dizer o que é preciso sem magoar
.
Eleições havia mas eram garantidamente fraudulentas. O direito de voto era selectivo. controlado pela Maçonaria Apesar da contestação interna, o Partido Republicano ganhava sempre. A ausência de alternância provocou a dificuldade das forças da oposição em aceder aos órgãos do Poder e privou de representatividade e de participação política grande parte da população o que não reforçou a estabilidade do novo regime republicano.

Em Lisboa, predominava a chamada geração do Ultimato[1], gente que havia perdido confiança na Monarquia por esta não ter conseguido impor-se aos ingleses na defesa das Colónias. A transição de regime Monárquico para o republicano fez-se ali sem sobressalto; nas vilas e áreas rurais o povo limitou-se a receber a notícia e tomou conhecimento de que o Rei já não era rei e de que os funcionários públicos seriam permutados oportunamente. Quem regulava a ordem fora de Lisboa era a Igreja e os chamados "trauliteiros" - estes, a soldo dos latifundiários. O resultado era um regime despótico e intrusivo propenso a usar o dinheiro público para sustento de uma classe parasitária de baixaréis formados (ou meros frequentadores ) na Universidade de Coimbra.

Os revolucionários republicanos começavam então a alargar a sua actividade às cidades e vilas provincianas através dos "comités de vigilantes" da Carbonaria-Formiga Branca. Estes perseguiam os reaccionários e prometiam aos locais melhorias, especialmente no domínio fiscal. Os trabalhadores acreditaram e a violência instalou-se. Os bandos armados multiplicavam-se: era a guerra de todos contra todos em que levavam vantagem os mais violentos e imunizados, designadamente os sicários de Afonso Costa.

A Maçonaria seria de fundação francesa, enquanto a Carbonária era tipicamente siciliana e do sul de Itália. Recorria à violência irregular enquanto que, para a primeira, a violência era sistemática. A repressão violenta tornou-se tanto mais frequente quanto maior era a distância entre o conteúdo doutrinário dos revolucionários e o entendimento do povo. Isto explica o crescente e inevitável predomínio de Afonso Costa. Entre os cabecilhas históricos do movimento republicano português seria ele o único preparado para e dispostos a usar a violência  até às suas últimas consequências. Aos restantes faltava qualquer coisa.

A revolução Republicana foi realizada desde início sem dinheiro, poucas armas e mal preparada. Estava pois condenada à dissidência perpétua.  Machado dos Santos - o herói da Rotunda - era o desordeiro puro, totalmente destituído de doutrina. O que o seduzia era acção, não a palavra. Os restantes eram tribunos de mão cheia mas não preenchiam o quadro de exigências do revolucionário. Manuel Arriaga, pioneiro do republicanismo em Portugal, era consciencioso, sincero, responsável, mas demasiado bondoso para a política. O académico Bernardino Machado vivia nas nuvens, sempre pronto a agradar e a enganar. Frases suas "Portugal tem grandeza moral. Isto basta para que nos respeitem"; "É preciso enviar dinheiro a el rei", estando este no exílio; e outrasO tribuno António José de Almeida, médico e humanista, esgotava-se na eloquência; mas não ia além disso. Por fim, mas não de menos importância, o iluminado Brito Camacho, o mais bem orientado de todos, preferia os bastidores ao proscénio. Foi o único que deixou obra. O IST e o ISCEF entre outras instituições de ensino.

Teixeira Gomes homem viajado, comerciante exportador antes de se tornar político, dizia dos seus confrades. "não dão provas suficientes das sua capacidades, nem podiam dar, falhos inteiramente do indispensável tirocínio que somente se alcança em países organizados, tratando com estadistas experientes e conhecedores das suas forças e das suas aspirações … O facto é que o futuro da nacionalidade portuguesa é negro e pesa sobre estes homens uma responsabilidade tremenda, de que a história lhes pedirá pesadíssimas contas". Numa palavra, Teixeira Gomes considerava os seus ilustres colegas altamente incompetentes em matéria de governação.[2] E estes esforçaram-se por não desmentir.

Luís Soares de Oliveira»: Considero este texto absolutamente notável e por isso o republico. Tiremos as ilações que ele nos proporciona.

Julho de 2023

Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIOS:

Francisco G. de Amorim 06.07.2023 14:57: Brilhante, como sempre!

Anónimo 06.07.2023 16:50: Realmente, o teu primo tem um poder de síntese impressionante. Concluis, Henrique, no teu post, que temos de conhecer a História para sabermos o que somos e como aqui chegámos. Pois, o problema é como ensinam a História. Por curiosidade “quase científica”, tenho assistido a um concurso televisivo que, por sessão, envolve uma equipa de 5 pessoas (com laços familiares e, em geral, comportando mais do que uma geração), onde são feitas perguntas sobre diversas matérias, inclusive História de Portugal. Apesar de este tema não ser frequentemente questionado (talvez por timidez), quando o é, a “sinistralidade” tende a ser elevada, quando comparada, por exemplo, com actores ou cantores. Como te recordas Henrique, quando éramos estudantes, a parte final do século XIX era dado superficialmente, com o argumento de que não havia o distanciamento histórico suficiente, e do século XX, nem falar. Em consequência disso e por influência próxima, cresci a imaginar que a 1ª República era democrática, havia liberdade e prosperidade, embora, por vezes, ouvisse a minha avó dizer que, nesse tempo, só havia revoluções e que os políticos republicanos eram mentirosos que prometiam o “bacalhau a pataco”, sem que a promessa fosse cumprida.

Quando já bem adulto, ao ler diversos livros sobre a 1ª República, a desilusão foi grande, como calculas. O que eu pensava ser democrático, era na essência uma ditadura, onde, como diz o teu primo, os votos eram controlados e os resultados os pretendidos. Os interesses pessoais e partidários estavam frequentemente acima dos da Pátria. Ainda hoje não tenho ideia clara se a entrada de Portugal na 1ª Guerra Mundial (em Flandres) foi para defender as Colónias ou para afirmar um recém-regime constituído (não estavam em causa as lutas nas Colónias, que travámos). A turbulência e o crime (a camioneta fantasma, em 1921, em cujo episódio morreram, entre outros, António Granjo, Machado Santos e José Carlos Maia) imperavam. A tudo isto acresceu a instabilidade política expressa pela queda frequente de governos, para além das crises económicas e sociais sucessivas. Talvez isto ajude a perceber o acolhimento favorável que tiveram inicialmente dois movimentos nesse período: um, em 1917 (Sidónio Pais) e outro em 1926 (Gomes da Costa).

Sou dos que entendem que não há Democracia sem Partidos Políticos, mas também entendo que aquela melhora se houver um maior escrutínio dos Políticos por parte dos Cidadãos e aqueles, ou alguns deles, deveriam ser eleitos por forma mais próxima dos eleitores. A recusa de aceitação de círculos uninominais, por parte de alguns grandes Partidos, acabará por ser, a prazo, contraproducente, julgo.

Por outro lado, cabe ao Cidadão ser mais exigente com os Políticos e ter uma postura cívica que evite que erros históricos se repitam. Para isso, é preciso conhecer a História, ter consciência de quem somos, como aqui chegámos e o que queremos para nós e para as gerações subsequentes. Sinto que a alienação da Sociedade é grande. Há mais de meio século apontávamos três factores para essa alienação – os famosos três “efes”: Fátima, Futebol e Fado. Não sei que ponderação eles terão actualmente ou que outros factores existirão que contribuam para um certo alheamento da Sociedade, agora que isso existe, existe. E não vale a pena rotular de “populismo” afirmações ou acções que não agradam, eventualmente, a uns ou a outos. “Populismo” tem conceito, causas e exemplos concretos. Aliás, a Fundação Francisco Manuel dos Santos, editou no ano passado um interessante livro sobre este tema, de José Pedro Zúquete, no qual é feito um sobrevoo sobre a teoria e os “casos práticos” portugueses, na óptica militar, regeneradora e local, não deixando de teorizar sobre o futuro. Importa que cada um de nós, com a Cultura que possui, incluindo o seu conhecimento de História, tenha procedimentos e exija aos outros atitudes e comportamentos que evitem o verdadeiro “populismo”. Abraço amigo. Carlos Traguelho

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