Do Governo, são outros, já muitas vezes
se disse e se vai repetir com constância inamovível, nem vale já a pena frisar,
mas todos nós continuamos a frisar, numa de incontinência verbal, por não
termos emenda também, nosotros, amigos
da diversão, da paz e do remedeio, que somos um povo de remediados e os
governantes sabem disso, que conhecem um pouco os ditos da Bíblia, explicando
que os pobres terão o reino celeste, como compensação da falta de reino terreno
mais emparelhado com o deles, o que sairia catastrófico até mais não, um tal
alargamento paradisíaco terrenal a todas as classes sociais, mesmo na plena democracia em que vigoramos. Miguel
Pinheiro, contudo, insiste – e bem – nessa característica do “estado a que chegou o Estado, sob a aparente
cegueira dos seus representantes máximos“ e não vamos contestá-lo, pois o
constatamos nos noticiários diários, que pretendem ser escrupulosos a contar os
factos, tanto os estrangeiros como os nacionais, com imagens visuais e
acústicas comprovativas das mazelas que aquele contextualizou comentando,
bastante depreciativamente, mas com rigor analítico, que se nos impôs.
O governo do "faz de conta que não vê"
Os professores não ensinam, os médicos
não curam e os oficiais de justiça não trabalham, mas o PS governa — e isso, no
fundo, é a única coisa que realmente interessa.
MIGUEL PINHEIRO, Director
executivo do Observador
OBSERVADOR, 01 jul. 2023, 00:2254
É
a frase mais conhecida de Salgueiro Maia
e reflecte a forma ligeiramente fatalista e profundamente desiludida como os
portugueses olham para as recorrentes fragilidades do país: “Há diversas modalidades de Estado: os estados
socialistas, os estados corporativos e o estado a que isto chegou”.
Passaram-se
muitas décadas, mas, por mais boa vontade que tenhamos, somos forçados a
reconhecer que o estado a que isto chegou não é exactamente brilhante. Em
especial quando concluímos, como aconteceu nesta semana deprimente, que,
inacreditavelmente, há áreas fundamentais do Estado em que estamos pior do que
estávamos durante a pandemia, que foi o evento mais disruptivo desta geração.
Na Justiça, por exemplo. Os
números mostram, com inequívoca clareza, que a greve dos funcionários
judiciais, que se tem prolongado com incompreensível discrição, já provocou
mais adiamentos do que aqueles que aconteceram no período da pandemia: estão
em causa cinco milhões — atenção: cinco milhões — de actos processuais e 60 mil
diligências que ficaram por fazer.
Nos hospitais, idem aspas.
Ficámos a saber por estes dias que, no ano passado, o número de utentes em
lista de espera aumentou e que o número de utentes sem médico de família também. Segundo o Conselho das Finanças Públicas, 2022
“caracterizou-se pela agudização de determinados constrangimentos já patentes
no período pré-pandemia”. E, agora, foi anunciado esta sexta-feira, vem aí uma
greve geral de médicos, a que se soma uma greve regional, a que se adiciona uma
greve às horas extraordinárias nos cuidados de saúde primários, a que acresce
uma greve à produção adicional nos hospitais.
Nas escolas, há especialistas
a avisar que as greves, protestos e paralisações dos professores tiveram
consequências piores do que as da pandemia porque, desta vez, não existe uma
mobilização generalizada dos cidadãos para arranjar soluções que diminuam os
efeitos das paragens na aprendizagem.
Com uma paciência teimosa e inamovível, o governo faz de conta que
não vê nada disto. O objectivo supremo de António Costa é convencer o
país e a Europa de que não existe contestação na sociedade portuguesa. Porque,
na sua cabeça, se não existe contestação, é porque não existe conflito; e, se
não existe conflito, é porque não existem problemas.
Havendo
greves com efeitos pesados nas três áreas mais sensíveis do Estado — Justiça,
Saúde e Educação —, um governo que não simulasse sonambulismo teria duas formas
possíveis de actuar para resolver os problemas.
Uma hipótese seria ceder. O
primeiro-ministro podia aumentar significativamente os salários dos
funcionários judiciais; podia aplicar uma pequena fortuna a criar as condições
para os médicos quererem trabalhar no SNS; e podia entregar aos professores a
contagem do tempo de serviço que reivindicam. Mas António Costa antecipa as
consequências de uma distribuição massiva de dinheiro. Conhecendo a história
recente do PS, sabe que iria de cedência em cedência até à troika final.
Outra hipótese seria combater. Um
governo de maioria absoluta cercado por sindicatos poderosos poderia explicar
aos eleitores as razões para a resistência aos seus interesses particulares e
poderia criar dificuldades àqueles que o pretendem fazer vergar. Mas António Costa tem horror a isso porque
prospera com uma imagem política que o apresenta como o homem dos consensos
que, para usar as metáforas da praxe, derruba muros e constrói pontes. Ele é o
anti-Cavaco e o anti-Passos. Combater os sindicatos levaria à destruição dessa
imagem propagandística — e isso, para o primeiro-ministro, é impensável. Por duas razões. Primeiro, porque é ela que tem
sustentado sempre o discurso de legitimação do governo, mesmo quando faltaram
os votos (em 2015) ou quando faltaram os apoios (em 2021, com o fim da
geringonça). Sem essa imagem, António Costa perde o seu propósito político. A segunda razão que leva o primeiro-ministro a querer
fazer de conta que o país não tem conflitos é porque essa é a imagem que lhe dá
força e poder “na Europa”. António Costa é considerado para um cargo europeu
porque é socialista e o grupo dos socialistas tem direito a cargos — mas também
porque é visto como o homem dos consensos, que tanto fala com o esquerdista
Alexis Tsipras como com o nacionalista Viktor Orbán.
Por tudo isto, António Costa
precisa de poder dizer que reina a paz e a tranquilidade no país, mesmo que
essa tranquilidade e essa paz sejam uma fantasia. Os professores não ensinam,
os médicos não curam e os oficiais de justiça não trabalham, mas o PS governa —
e isso, no fundo, é a única coisa que realmente interessa.
COMENTÁRIOS (de 54)
Manuel Martins: Existe aqui um factor que, em
minha opinião, não pode ser menosprezado: os funcionários públicos não
recuperaram da pandemia. A pandemia foram tempos "bons" para
professores e funcionários da justiça: ficar em casa a receber, afectou muito a
motivação e hábitos de trabalho. Na saúde a pandemia foi para médicos e
enfermeiros tempos de enriquecer: o valor de horas extra foi brutal, e os
vencimentos nunca foram tão elevados: agora custa voltar atrás. O que vemos
agora é a chantagem de aumentos perante um governo que determinou o fim da
austeridade e que não quer problemas... Nuno
Borges: Os professores
não ensinam, os médicos não curam e os oficiais de justiça não trabalham, mas o
PS governa. Benvindos ao socialismo. Mario Bastos: Na mosca. Maria Eduarda Vaz Serra: De repente os jornalistas descobrem quem é antonio
costa. Que engraçado, foi preciso chegar até aqui para só começarem a ver quem
é realmente esta personagem. Antes o Sócrates: tinha um plano para o país e por
muito mau que fosse era um anjinho ao pé deste maquiavel! Fernando CE: Muito bem argumentado e bem escrito como sempre. Como
disse João César das Neves, Costa atingiu o seu princípio de Peter: as suas
“skills” não são necessárias nesta fase de governação. E vê-se pela composição
dos seus governos, com os ministros mais fracos e incompetentes de todos os
governos constitucionais desde o 25 de Abril, tirando uma ou duas
honrosas excepções. No fundo, ele tem
medo de ministros com peso político e técnico da área respectiva porque não
saberia como gerir políticas a sério. Procura governar dando umas esmolas ao
povo de quando em quando para garantir a simpatia do eleitorado. Até hoje não
fez uma única reforma digna desse nome, empurrando os problemas com a barriga. Rui Castro: O grande problema desta
situação é que o povo Português gosta de ouvir coisas bonitas e desculpa sempre
qualquer coisinha. Tem tendência a contemporizar com quem gosta. E o povo
aaaama o PS. Estamos tramados, portanto. Maria
Tubucci: Muito bem, MP,
olhar para a realidade com lentes reais e não com lentes cor-de-rosa. A
“empresa” governo tem muitas classes, de esquerda, que têm de andar sempre na
luta por melhores condições de: vencimentos, de emprego, subsídios. É o que
sabem fazer dividir para reinar. Assim, vão-se entretendo uns e outros, o
serviço público que deveriam prestar não é feito, simultaneamente, o governo
passa por entre os pingos da chuva não sendo escrutinado. Por alturas das
eleições, o PS irá distribuir as migalhas há muito prometidas, de um bolo que
reservou para si, satisfazendo a luta e ganhando o seu voto. O problema
verdadeiramente problemático é que se hoje houvesse eleições, os descontentes e
indignados, juntamente com os sabujos votariam PS outra vez e a abstenção
deixaria o PS ganhar outra vez. Em terra de cegos quem tem olho é rei. Se na
altura de votar, os votantes soubessem comparar o rendimento bruto com o
rendimento líquido, teriam consciência que andavam a ser roubados há muito
tempo. E não votariam em trafulhas, que seriam remetidos para caixote do lixo
da história. E em vez disso, dão-lhe a “maioria” absoluta e o leme do país, que
eles aproveitam para afundar, reinando a paz dos cemitérios.
Nada é feito ao acaso! José Alves: Só não concordo quando Miguel
Pinheiro afirma que o governo, “governa”. Este governo só é governo no nome de
resto desgoverna em tudo o que toca, habitação, controle de fronteiras,
agricultura, família, etc.. Não temos governo temos uma comissão liquidatária.
Cumprimentos. Carlos
Chaves: Ou seja, em
poucas palavras, mantêm-se esta figura e o seu séquito no poder à custa da
degradação dos serviços públicos, do Estado de direito e da própria democracia,
e nós assistimos de bancada alimentados pelo que a CS nos quer impingir! João Ramos > Amigo do
Camolas: Certíssimo!!! Diogo Tovar: Parabéns, bela análise, simples
e clara, e infelizmente tão real.
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