Muito amiga de dizer coisas, direi “Pois!” a este texto elucidativo de Luís Rosa.
Rui Rio, o 'idiota útil' do PS e de José Sócrates
A reforma Rio mais não é do
que o controle político da Justiça, tal como a ascensão da violação do segredo
de justiça a problema do regime significa a promoção da opacidade e cidadãos
menos informados
LUÍS ROSA Redator
Principal e colunista do Observador
OBSERVADOR, 18
jul. 2023, 06:31
1Vamos começar pelo óbvio: as críticas
às buscas à sede nacional do PSD e às buscas domiciliárias a um ex-líder do
maior partido da oposição face à suspeita de alegados crimes de peculato e
abuso de poder são equilibradas e aceitáveis. Mais ainda quando, a acreditar no ex-secretário-geral do PSD (Hugo Carneiro), o
Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa já tinha começado a ouvir
diferentes protagonistas do caso.
Com a informação disponível neste
momento, as críticas de Rui Rio, de Luís Montenegro e de muitos outros
comentadores de que terá ocorrido o uso desproporcionado de meios por parte do
DIAP de Lisboa parecem fazer sentido.
O tipo de crime aqui em causa e a
documentação que se procurava não aconselhava buscas domiciliárias ou buscas à
sede PSD.
2Também me parecem claramente
fundamentadas as críticas a
Lucília Gago, após esta
ter afirmado que a procuradora-geral não “despacha processos” ou “define
estratégias investigatórias nem os seus tempos ou os seus modos”. São os
titulares dos inquéritos que são os “responsáveis pela investigação que,
obviamente, seguirão uma linha e pô-la-ão em prática.”
E são fundamentadas porque a procuradora-geral Lucília Gago optou deliberadamente
por uma postura passiva e opaca desde que tomou posse em outubro 2018. Apesar
de a lei lhe oferecer poderes muito vastos (alguns deles, até discrionários) na
gestão da hierarquia do Ministério Público, Gago não os quer exercer — nunca
quis, melhor dizendo.
Dou só um exemplo: tendo em conta os alvos das buscas (a
sede nacional do PSD e o ex-líder da oposição), Lucília Gago teve de ser
informada antecipadamente do que iria acontecer. Enquanto líder de uma
magistratura hierarquizada, Gago não só tem o direito, como a obrigação de ser
informada.
Se tiver sido informada — como espero
que tenha acontecido —, a procuradora-geral podia, e devia, ter feito um
escrutínio interno sobre as buscas que iriam ser realizadas, nomeadamente
solicitando informação à diretora do DIAP de Lisboa (através da
procuradora-geral distrital) sobre o que estava em causa.
Nada disto foi feito, o que não me
surpreende. Há muito que Lucília Gago se demitiu funções — e ainda ninguém
deu por nada. Nomeadamente quem a nomeou (Presidente Marcelo Rebelo de Sousa) e
quem a indicou (primeiro-ministro António Costa).
3Dito isto, vou ser igualmente claro sobre
o que penso sobre a “reforma da Justiça” que Rui
Rio exigiu no seu melhor estilo populista porque o “Ministério Público atacou a democracia”, porque
o que o MP quer é “dizer que os políticos são todos uns gatunos, são todos uns
aldrabões”. Daí que a “actuação”que Rio defende é “ao nível
da justiça, do Ministério Público, pôr ordem nisto.”
As intenções de Rui Rio são muito
transparentes — mais até do que na altura em que propôs um famoso pacto para a
Justiça (ao qual nenhum partido ligou) para ensinar os juízes a escrever sentenças,
entre outras ideias extraordinárias.
Rio
quer controlar politicamente a investigação criminal e promover de forma pro-activa
a politização do sistema judicial, visando nomeadamente a redução (ou a
extinção) da autonomia do Ministério Público (MP). É isso que significa “pôr
ordem nisto”.
Rui Rio anda há anos a querer “pôr
ordem” na Justiça porque simplesmente teve vários problemas pessoais enquanto
presidente da Câmara do Porto com várias decisões do MP. Num caso foi constituído arguido e
noutro foi mesmo acusado por difamação. Mas houve
mais casos em que Rio não ficou satisfeito.
Isto
é, o MP — uma magistratura autónoma do poder político e que faz parte do poder
judicial — não fez aquilo que Rui Rio queria. E é precisamente isso que é a
autonomia do titular da acção penal.
Todo o pensamento de Rio sobre esta
matéria é bem reveladora dos perigos e dos efeitos perniciosos para a
democracia de propostas como esta.
E o que é “pôr ordem nisto”? Rui Rio nunca o diz mas é acabar com a
autonomia do MP e torná-lo orgânica e funcionalmente dependente do Ministério
da Justiça, retirando-o constitucionalmente do Poder Judicial e integrando-o na
administração.
Os procuradores deixariam assim de ser
magistrados e passaria a ser meros funcionários. É assim que começa a politização
da Justiça: com a funcionalização dos magistrados.
4Quando a Justiça tem sido cada vez
mais eficiente na descoberta dos lados ocultos da política, é quando Rui Rio a
quer controlar para combater a ideia de que todos os políticos são corruptos. Será que a condenação de Isaltino Morais, de Armando
Vara (por duas vezes), de Duarte Lima de todos os arguidos do Face Oculta, dos
arguidos do caso BPP e BPN são exageros da Justiça? Será que tudo o que foi
descoberto na Operação Marquês
sobre Ricardo Salgado, José Sócrates, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava e
outros não tem qualquer relevância pública?
Será que tudo o que conhecemos sobre José Sócrates, devido às investigações judiciais,
fazem com que o ex-líder do PS seja, como o próprio proclama, uma vítima do
abuso do Estado? No que é a suprema ironia de alguém que teve o poder
absoluto nas mãos e tentou subjugar todos os contra-freios à vontade e desejo
do poder executivo.
É isso que nós queremos: ter um
soberano absoluto que tudo comanda e subjuga? Um homem forte como Putin, como
Orban, como Trump, como Bolsonaro — todos um pouco à imagem de José Sócrates?
5Conjugada com essa ideia do
soberano absoluto temos
também o ataque à comunicação social — outro ódio de estimação de Rui Rio. Se o controlo político da investigação criminal levará
à eliminação do escrutínio do poder judicial, também o controlo dos media,
eliminado pela raiz, solidificará com a ausência de meios de escrutínio e de
eficiência.
Para tal é necessário equiparar o problema da violação do segredo de
justiça a problema do regime democrático — como Francisco Assis e outros
socialistas e social-democratas de renome fizeram.
Sendo a violação do segredo de justiça muito
mais importante do que a má gestão
pública, do desaproveitamento colossal dos fundos europeus que já recebemos
desde 1986, dos desvios financeiros milionários
das obras públicas, da incapacidade de Portugal conseguir investimento directo
estrangeiro com escala, dos baixos salários, da perda de poder compra, da
subida de juros, etc…
Sendo, portanto, os jornalistas os
principais culpados pelos males do país, qual é a solução face à questão da alegada violação de segredo?
Aumentar as penas de prisão da violação do segredo de justiça para que o
crime já admita a autorização das escutas telefónicas a jornalistas? Passar a
fazer buscas domiciliárias e às redacções para descobrir as fontes dos
jornalistas? Impor multas milionárias a órgãos de comunicação social que violem
o segredo de justiça?
Nada disto faz sentido. Tal como na
Justiça, o principal objectivo de Rui Rio é partir a espinha aos jornalistas —
para os controlar de forma clara. Como tentou fazer no tempo em que foi
presidente da Câmara do Porto.
6Quer o princípio da separação
de poderes (que Rui Rio se recusa a compreender), quer a liberdade de imprensa (que é absolutamente desprezada por Rio são princípios
estruturantes do Estado de Direito. É daquelas questões que se ensinam às criança desde
novos para que interiorizem o que é a democracia.
É por isso que pensadores, como Popper, sempre viram
a liberdade de imprensa como uma defesa da democracia representativa e o
jornalismo como um aliado natural do respetivo sistema de freio e contra-freios
que tenta encontrar o equilíbrio entre o Executivo, o Legislativo e o
Judiciário que marca a democracia liberal.
O mesmo se diga do escrutínio judiciário
— essencial na busca do tal equilíbrio do sistema de freio e contra-freios.
A destruição desse equilíbrio seria
sempre o resultado de uma reforma judicial ‘à la’ Rui Rio — e a concretização
de um objectivo claro para José Sócrates. É por isso que Rio é uma espécie de
‘idiota útil’ de Sócrates mas também de uma minoria ruidosa no PS que partilha
algumas das ideias do ex-líder do PSD.
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