sábado, 1 de junho de 2019

“In illo tempore”



No tempo em que eu também andei em Coimbra, sabia que havia uma Associação Académica onde se discutia o regime. Como eu fora para Coimbra para tirar um curso, ida de África, sentindo que esse encargo de me educarem pesava na bolsa dos meus pais, (apesar da breve bolsa estatal e da isenção das propinas que as condições do ensino então me proporcionaram, como razoável estudante ultramarina, no caso), nunca me interessei pela tal Associação, preferindo envolver-me com os livros que os meus prazeres ansiavam, sobretudo os clássicos, que as bem abastecidas bibliotecas da Faculdade de Letras ou dos Gerais proporcionavam. Por isso achei graça às referências desfeiteadoras de Salles da Fonseca ao ensino universitário português, e ao seu conhecimento sobre o que se passava nos vários ramos de Ensino e Faculdades, tendo eu seguido livremente “os meus próprios passos, como, no seu “Cântico Negro”, disse José Régio que fez. Não, nunca fui “por ali”, não frequentei a Associação, limitei-me a cumprir as minhas funções na vida, sem medos de maior. Nunca esqueci, no entanto, que um dia fui interpelada por um colega que me viu levar para uma aula a “História da Literatura Portuguesa” de António José Saraiva e Óscar Lopes, por ser livro proibido então, apesar da qualidade de reflexão e estudo analítico que o superiorizavam e que desejei revelar aos alunos. Sim, eu sabia do anquilosamento e marasmo político em que vivíamos, mas íamos cumprindo e íamos vivendo, dizia-se que em santa pasmaceira, o que não era totalmente verdade. Mesmo hoje, que vivemos abertos a outros ventos menos cálidos, de participação e luta por direitos, julgo bem que a pasmaceira não é menor. Porque o direito se sobrepôs ao dever, e esta nossa sociedade da tal Ofiuza aprendeu a exigir, mais do que a praticar, para merecer. E isso é feio.
Mas esperemos pela continuação dos “Filhos dos ventos cálidos”, para nos apercebermos melhor do pensamento e da sabedoria de Salles da Fonseca, felizmente, parece-nos, em plena forma física, como, do coração, lhe desejamos.

HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 01.06.19
Continuamos em Ofiuza (https://pt.wikipedia.org/wiki/Ofi%C3%BAssa), suas adjacências e descendências mas sempre “a terra da serpente”, o símbolo da sabedoria, como lhe chamavam os gregos mais antigos. E eles, gregos sábios, sabiam por que é que nós já então tínhamos tanta sabedoria. Sim, eles bem sabiam… Nós, ainda hoje duvidamos da plena validade do epíteto.
Feito o liceu, lá nos encaminhámos praticamente todos para as Universidades em busca do saber, não ainda da sabedoria. E fomos muitos que, em Lisboa, procurámos a Universidade Técnica, não mais a Clássica, a bafienta e anquilosada pela endogamia corporativa das togas medievais de tradição fabricada à pressa depois da implantação da República à imagem e semelhança da então bem retrógrada Academia de Coimbra. Ou seja, se a Universidade de Lisboa (a dita “Clássica”) poderia ter sido uma chicotada no marasmo científico e formativo nacional, quase se limitou a fazer mais do mesmo que já existia. Com a do Porto, instituída pela República também, aumentou-se a cobertura nacional pelo ensino superior, mas em qualidade tudo se manteve quase na mesma. Coimbra fazia então algum humor com piadas ao estilo de que era ela que tinha a verdadeira Faculdade de Direito e que Lisboa se limitava a ter uma Escola Superior de Leis. E foi nestas confabulações histórico-universitárias que me lembrei daquele episódio em que o Rei D. João V teve que impor à Universidade de Coimbra a defesa do dogma da Imaculada Concepção de Maria, tema em que a Academia parecia não se mover nos conformes da Doutrina...
Mas voltemos a terra firme.
Foi, portanto, a Universidade Técnica de Lisboa que trouxe algum dinamismo ao ensino superior em Portugal e foi a ela que muitos da minha geração acorremos. Sem desprimor para outras Escolas que agora me escapem, refiro-me especialmente ao Instituto Superior Técnico (engenharias), a Económicas, a Agronomia e a Veterinária.
E assim foi que, uns por aqui e outros por ali, nos fomos licenciando e fazendo à vida. Com uma particularidade: nós, os homens, tínhamos o Serviço Militar Obrigatório (SMO) que nos ocuparia nada menos de 3 ou 4 anos, logo à saída da Universidade donde resultava que, quando regressávamos à vida civil e entrávamos mesmo na actividade profissional por que optáramos, as nossas colegas, Senhoras, já levavam esses 3 ou 4 anos de avanço profissional. Muito possivelmente, passariam a ser as nossas chefas, as matriarcas profissionais. Nada disso aconteceu comigo e nunca tive o gosto de trabalhar com colegas do mesmo ano de licenciatura.
Cosmopolitismo alargado aos sertões africanos e às cidades tropicais por que passáramos, alguns fomos os que nos apaixonámos por essas paragens e para lá voltámos uma vez regressados à vida civil. Era o tempo da guerra ganha, da corrida do desenvolvimento, da alegria de viver.
Éramos jovens adultos quando, nas nossas costas, as colónias portuguesas foram passadas para a esfera soviética, assumiu foros de verdade o que até então era falso, a paz foi substituída pelas guerras civis[i], os povos – todos os povos – se sentiram desnorteados, apenas as nomenklaturas dos Partidos controlados por Moscovo se sentiram donos e senhores das situações locais.
Ruía assim mais um sonho, o das independências harmónicas numa linha de continuidade entre o colonialismo anacrónico e a subida ao poder das elites genuinamente autóctones, preparadas para a governação sem atropelos nem tropelias. E, sobretudo, sem mais guerras e suseranias neo-colonialistas abjectas.
Assim foi que Portugal regressou ao território estaminal, o anterior à conquista de Ceuta em 1415. Seria nesse espaço que deveríamos viver. Era o tempo da sabedoria…
(continua)
Maio de 2019
Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIO
 Francisco G. de Amorim  01.06.2019: Gostei da análise

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