No
tempo em que eu também andei em
Coimbra, sabia que havia uma Associação
Académica onde se discutia o regime. Como eu fora para Coimbra para tirar
um curso, ida de África, sentindo que esse encargo de me educarem pesava na
bolsa dos meus pais, (apesar da breve bolsa estatal e da isenção das propinas que
as condições do ensino então me proporcionaram, como razoável estudante
ultramarina, no caso), nunca me interessei pela tal Associação, preferindo
envolver-me com os livros que os meus prazeres ansiavam, sobretudo os clássicos,
que as bem abastecidas bibliotecas da Faculdade de Letras ou dos Gerais proporcionavam.
Por isso achei graça às referências desfeiteadoras de Salles da Fonseca ao ensino
universitário português, e ao seu conhecimento sobre o que se passava nos
vários ramos de Ensino e Faculdades, tendo eu seguido livremente “os meus próprios passos, como, no seu “Cântico
Negro”, disse José Régio que fez. Não, nunca fui “por ali”, não frequentei a
Associação, limitei-me a cumprir as minhas funções na vida, sem medos de maior.
Nunca esqueci, no entanto, que um dia fui interpelada por um colega que me viu
levar para uma aula a “História da
Literatura Portuguesa” de António
José Saraiva e Óscar Lopes, por
ser livro proibido então, apesar da qualidade de reflexão e estudo analítico
que o superiorizavam e que desejei revelar aos alunos. Sim, eu sabia do
anquilosamento e marasmo político em que vivíamos, mas íamos cumprindo e íamos vivendo,
dizia-se que em santa pasmaceira, o que não era totalmente verdade. Mesmo hoje,
que vivemos abertos a outros ventos menos cálidos, de participação e luta por
direitos, julgo bem que a pasmaceira não é menor. Porque o direito se sobrepôs
ao dever, e esta nossa sociedade da tal Ofiuza
aprendeu a exigir, mais do que a praticar, para merecer. E isso é feio.
Mas esperemos pela continuação dos “Filhos dos
ventos cálidos”, para nos apercebermos melhor do pensamento e da
sabedoria de Salles da Fonseca, felizmente,
parece-nos, em plena forma física, como, do coração, lhe desejamos.
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 01.06.19
Continuamos
em Ofiuza (https://pt.wikipedia.org/wiki/Ofi%C3%BAssa), suas adjacências e descendências mas sempre “a
terra da serpente”, o símbolo da sabedoria, como lhe chamavam os gregos mais
antigos. E eles, gregos sábios, sabiam por que é que nós já então tínhamos
tanta sabedoria. Sim, eles bem sabiam… Nós, ainda hoje duvidamos da plena
validade do epíteto.
Feito
o liceu, lá nos encaminhámos praticamente todos para as Universidades em
busca do saber, não ainda da sabedoria. E fomos muitos que, em Lisboa,
procurámos a Universidade Técnica, não
mais a Clássica, a bafienta e anquilosada pela
endogamia corporativa das togas medievais de tradição fabricada à pressa depois
da implantação da República à imagem e semelhança da então bem retrógrada
Academia de Coimbra. Ou seja, se a Universidade de Lisboa
(a dita “Clássica”) poderia ter sido uma chicotada no marasmo científico e
formativo nacional, quase se limitou a fazer mais do mesmo que já existia. Com
a do Porto, instituída pela República também, aumentou-se a cobertura nacional
pelo ensino superior, mas em qualidade tudo se manteve quase na mesma. Coimbra
fazia então algum humor com piadas ao estilo de que era ela que tinha a
verdadeira Faculdade de Direito e que Lisboa
se limitava a ter uma Escola Superior de Leis.
E foi nestas confabulações histórico-universitárias que me lembrei daquele
episódio em que o Rei D. João V teve que impor à Universidade de Coimbra a
defesa do dogma da Imaculada Concepção de Maria,
tema em que a Academia parecia não se mover nos conformes da Doutrina...
Mas
voltemos a terra firme.
Foi,
portanto, a Universidade Técnica de Lisboa que
trouxe algum dinamismo ao ensino superior em Portugal e foi a ela que muitos da
minha geração acorremos. Sem desprimor para outras Escolas que agora me
escapem, refiro-me especialmente ao Instituto Superior Técnico
(engenharias), a Económicas, a Agronomia e a Veterinária.
E
assim foi que, uns por aqui e outros por ali, nos fomos licenciando e fazendo à
vida. Com uma particularidade: nós, os homens, tínhamos o Serviço Militar Obrigatório (SMO) que nos ocuparia nada menos de
3 ou 4 anos, logo à saída da Universidade donde resultava que, quando
regressávamos à vida civil e entrávamos mesmo na actividade profissional por
que optáramos, as nossas colegas, Senhoras, já levavam esses 3 ou 4 anos de
avanço profissional. Muito possivelmente, passariam a ser as nossas chefas, as
matriarcas profissionais. Nada disso aconteceu comigo e nunca tive o gosto de
trabalhar com colegas do mesmo ano de licenciatura.
Cosmopolitismo
alargado aos sertões africanos e às cidades tropicais por que passáramos,
alguns fomos os que nos apaixonámos por essas paragens e para lá voltámos uma
vez regressados à vida civil. Era o tempo da guerra ganha, da corrida do
desenvolvimento, da alegria de viver.
Éramos jovens adultos quando, nas
nossas costas, as colónias portuguesas foram passadas para a esfera soviética,
assumiu foros de verdade o que até então era falso, a paz foi substituída pelas
guerras civis[i], os povos
– todos os povos – se sentiram desnorteados, apenas as nomenklaturas dos Partidos
controlados por Moscovo se sentiram donos e senhores das situações locais.
Ruía assim mais um sonho, o das
independências harmónicas numa linha de continuidade entre o colonialismo
anacrónico e a subida ao poder das elites genuinamente autóctones, preparadas
para a governação sem atropelos nem tropelias. E, sobretudo, sem mais guerras e
suseranias neo-colonialistas abjectas.
Assim
foi que Portugal regressou ao território estaminal, o anterior à conquista de
Ceuta em 1415. Seria nesse espaço que deveríamos viver. Era o tempo da
sabedoria…
(continua)
Maio de 2019
Henrique
Salles da Fonseca
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