De Teresa de Sousa e de alguns comentadores
relativamente
a D. Trump e às suas políticas de ambição e arrogância sem maneiras, nesta
novela que vamos vivendo expectantes. Como, de resto, acontece relativamente
aos mais, os que têm a faca e o queijo na mão…
OPINIÃO
Houston, Texas
Há alturas em que (quase) dou razão à
obsessão noticiosa dos canais de cabo americanos. Trump torna-se realmente
incontornável e sempre pelas piores razões.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 16 de Junho de 2019
1. Toda
a gente sabe que os americanos levam o desporto muito a sério, a começar
pelas crianças, mesmo as mais pequeninas. De um modo geral, isso é bom. As
minhas netas, que já acabaram o ano escolar, vão para a natação de manhã bem
cedo e para a corrida ao fim da tarde, quando o calor já não é tão intenso.
Divertem-se, convivem e aprendem. Na quinta-feira passada houve competição de
natação. É, talvez, aqui que me parece haver algum exagero: os americanos têm
de competir em tudo, mesmo quando estamos a falar de miúdos. Confesso que, a
dado momento, me deixei envolver pelo ambiente ao ver a minha neta de 4 anos
nadando, com todo o seu esforço e concentração, uma piscina inteira em “free
style” e depois em “backstroke”. Não resisti a fazer como os outros pais
e avós à beira da piscina: “Go Mariana, go”. Vi de respiração
suspensa a minha neta do meio atravessar a piscina a uma velocidade
surpreendente, deixando as outras meninas bem para trás. Mais um inevitável: “Go Sofia,
go”. Dois primeiros prémios. A mais velha limitou-se a terceiros e
quartos lugares mas, felizmente, para ela está sempre tudo bem - nem sequer dá
grande importância ao facto de ter concluído o primeiro ciclo de ensino (cinco
anos) com o prémio de excelência académica concedido pelo... Presidente dos EUA
(os meus amigos dizem-me para não olhar para a assinatura do diploma, porque o
que interessa é a instituição).
2. Estava
eu enredada nestes pensamentos sobre as vantagens e as desvantagens de competir,
quando me lembrei da velha máxima que os americanos transmitem aos filhos: “Se
estudares muito e se te esforçares ainda mais, podes ser aquilo que quiseres,
incluindo Presidente dos Estados Unidos da América”. Não sei se Donald Trump
estudou muito ou se se esforçou o suficiente. Tenho sérias dúvidas. Já a
segunda parte da afirmação é absolutamente verdadeira: qualquer um pode
mesmo chegar a Presidente dos EUA.
Os
últimos dias foram verdadeiramente infernais, sobretudo aqui, quando é
impossível abstrairmo-nos do facto de Trump ser o Presidente americano. Já
escrevi várias vezes que os canais de cabo americanos se tornam por vezes
exasperantes, porque só há um tema em análise durante as 24 horas: o
Presidente. Como se não houvesse mundo lá fora ou, de resto, cá dentro, que
valesse a pena noticiar e debater. Quando há, acaba-se sempre no mesmo sítio:
no actual ocupante da Casa Branca. Mas há alturas em que (quase) dou razão à
obsessão noticiosa das televisões. Trump torna-se realmente incontornável e sempre
pelas piores razões. Os últimos dias são um excelente exemplo.
3. Há
pouco mais de uma semana, através de um tweet, Trump avisou o México de que
iria aplicar taxas às suas exportações para os EUA, caso o país vizinho não
impedisse o fluxo constante de imigrantes que atravessam a fronteira.
Deu-lhe dez dias. Passado o prazo, tudo parecia resolvido, permitindo ao
Presidente anunciar mais uma grande vitória. Na altura em que publicou o seu tweet,
o novo acordo entre os EUA e o México que substituiu o antigo NAFTA (que
rasgou, um entre tantos), estava no Senado mexicano para ratificação. O Governo
mexicano comprometeu-se a enviar mais 6000 guardas para a fronteira da
Guatemala, por onde entra a maioria dos imigrantes com destinos aos EUA, e a
criar novos centros junto à fronteira norte para instalar aqueles que pedem
asilo, de forma a que os seus processos sejam tratados fora do território
americano (nada de especial, se nos lembramos que a Europa quer fazer
exactamente o mesmo). Ficou tudo na mesma, mas Trump anunciou uma grande
vitória no domínio que é a sua arma predilecta (e eficaz) para ganhar votos: os
imigrantes. O que também não nos deve levar a olhar de cima para o outro lado
do Atlântico porque o tema é igualmente a arma preferencial dos partidos
populistas e extremistas europeus que muitas vezes – demasiadas vezes – os
partidos do sistema não resistem a copiar para estancar a hemorragia de votos.
Só
na mesma semana, Trump ameaçou com novas taxas os vinhos franceses, anunciou a
sua intenção de retaliar contra o gasoduto que a Alemanha se prepara para
inaugurar unindo o seu território directamente à Rússia (o Nord Stream II),
voltou a ameaçar os automóveis europeus (isto é, alemães). A “guerra comercial”
com a China não tem fim à vista. Trump chegou mesmo a ameaçar intensificá-la
caso o seu homólogo chinês não aceite encontrar-se com ele na próxima reunião
do G20. Ainda não o ameaçou, no entanto, pelo que se está a passar em
Hong-Kong, trinta anos depois de Tiananmen, onde a população parece disposta a
lutar até ao fim contra mais uma tentativa mal disfarçada de Pequim de matar o
sistema político e económico que vigora na antiga colónia britânica, nos
antípodas daquele que vigora na China sob a mão de ferro de Xi. A
luta pela liberdade e a democracia, tão arredada da agenda externa do Ocidente,
ainda é capaz de renascer em qualquer altura e em qualquer lugar.
Entretanto,
a “guerra” contra o regime iraniano aumenta de intensidade a cada hora que
passa, muito embora o Presidente americano tenha dito que aceitava a
intermediação de Shinzo Abe junto de Teerão. Enquanto o primeiro-ministro
japonês se encontrava de visita, dois petroleiros de propriedade japonesa e
norueguesa foram atacados por forças desconhecidas no Golfo de Omã, junto à
costa iraniana e ao estratégico estreito de Ormuz, uma das principais vias
marítimas do mundo por onde passam dois quintos dos navios que abastecem vários
continentes. Se a escalada continuar, a primeira consequência será a subida do
preço do petróleo, o que já está a acontecer. Mike Pompeo tratou de acusar o
regime de Teerão. Há quem argumente que não tem qualquer lógica, precisamente
quando Abe estava de visita. Mas a lógica dos ayatolas também tem as
suas particularidades: podem estar a querer dizer aos aliados da América que
correm riscos. Enfim, a tensão no Golfo Pérsico é preocupante, sobretudo quando
se sabe que a única estratégia que Trump conhece é a da ameaça do uso da força,
seja ela económica, militar ou tecnológica. Nenhum dos lados
quer uma guerra, mas os acidentes acontecem. A pergunta é sempre a mesma: serão
irreparáveis os danos que este Presidente está a provocar ao que resta, e já
não é muito, da ordem internacional que os Estados Unidos criaram?
4. Finalmente,
o último escândalo interno nesta semana alucinante desafia a imaginação.
Na quarta-feira, numa entrevista televisiva, Trump
resolveu dizer que era absolutamente legítimo receber informações de um governo
estrangeiro sobre um seu opositor político nos EUA. Passou dois anos a negar
que tivesse havido “conluio” com a Rússia na campanha presidencial de 2016.
Agora, diz que houve, sim, mas que isso é a coisa mais normal do mundo. “Esse
país pode ser, por exemplo, a Noruega... Acham que, de cada vez que um líder
estrangeiro me conta uma série de coisas, tenho de ligar para o FBI?”
A
conversa é tão absurda que é difícil descortinar-lhe um sentido. A não ser o
facto de o seu filho mais velho ter sido chamado a depor no Congresso,
justamente por ter sido o intermediário das informações passadas por Moscovo à
campanha do seu pai. A indignação é generalizada. Ainda ninguém se atreveu a
defender as declarações do Presidente publicamente. Trump conseguiu ir
ainda mais longe, ao admitir que acharia normal que o mesmo voltasse a
acontecer nas eleições de 2020.
5. O
que fazer com este Presidente? Nancy
Pelosi tem resistido até agora às crescentes pressões do seu partido para
desencadear o impeachment. Com vários argumentos, o principal dos quais é
que seria oferecer a Trump um presente que ele já nem esconde quanto
agradeceria.
O
problema é que Trump consegue ir tão longe e de forma tão descarada no seu
desrespeito pelo cargo, pelas instituições e pela Constituição, que começa a
ser difícil argumentar em contrário. É este o dilema dos Democratas. É este o
dilema de um grande país que merecia tudo menos este Presidente.
P.S. - Conheço
Vítor Constâncio desde os bancos da universidade. Aprendi imenso com
ele ao longo da vida. A sua capacidade intelectual é invulgar, tal como o
rigor do seu pensamento. Sempre foi um homem probo e sério. Exerceu o cargo de
vice-presidente do BCE com o elogio generalizado das suas qualidades. A
pergunta que me faço a mim própria é, por isso, diametralmente contrária à que
vejo quase toda a gente fazer: o que se passa com o meu país para que esteja a
ser enxovalhado publicamente?
COMENTÁRIOS
Eme R,
Bruxelles 17.06.2019 : Obviamente que não
foram os iranianos quem sabotaram os petroleiros... quem sabe a própria Arábia
Saudita, para fazer subir o preço do petróleo ou os russos, por isso e para se
verem livres do Irão, no Médio Oriente. Quanto ao Trump, é um verdadeiro
traidor aos EUA e ao Ocidente. A única coisa que vê são os (seus) interesses
financeiros e forma de continuar no poder. Para isso tenta cumprir com todas as
tretas que prometeu. E pensa que está acima da lei, e parece que sim porque lhe
são permitidas coisas que a um cidadão normal jamais seriam permitidas. É o declínio
Norte-americano, em todo o seu esplendor.
AndradeQB, Porto 17.06.2019 : A pergunta que
interessa não é "O que fazer com este Presidente?", mas sim o que
deve ser feito para que tipos destes não cheguem a Presidente sem acabar com a
liberdade de voto. No entanto, ninguém parece interessado verdadeiramente em
responder à pergunta que interessa. Preferem resolver isso através do
preconceito de falta de cultura nos EUA. Uma explicação que começa a cair por
terra quando figuras semelhantes começam a colher o voto em países que, pelo
menos até hoje, são considerados marcos da cultura. Trump é passageiro. Seria
melhor que fosse já derrotado para as próximas eleições, não sendo ele o
candidato do Partido Republicano, mas se não for, continuará a ser passageiro.
As razões por que lá chegou é que me parecem manter-se e, até, reforçarem-se.
the.bull.paulo, Lisboa 16.06.2019: Quanto
a Vitor Constâncio: tendo presente que o assunto “CGD” possa ser uma cortina de
fumo para brandir argumentos para eventual privatização (em contrate com a
pouca clarificação no resto da banca), tudo o que sirva para empolar não parece
ser positivo. Dito isto, não devem ser aceites posições tão incoerentes da TdS
quanto a dois enxovalhos públicos – o de Vitor Constâncio e o de Donald Trump.
Efectivamente, após mais de dois anos em que toda a comunicação social norte
americana de referência crucificou na praça pública o seu presidente eleito
sobre o conluio com os russos, veio o relator especial Robert Muller
(ex-diretor do FBI sob a Administração Obama) dizer que não encontrou nada.
Nada se tendo a defender do DT, não deixa de ser estranho tanto antagonismo
contra ele.
Quanto
ao impeachment: a direita em Portugal tem criticado o Presidente Marcelo. Será
que isto legitima que possa ser sujeito a um impeachment? Pois, os fundamentos
quanto a Trump não serão muito mais sustentáveis.
Pela
visualização do programa da ABC News onde foi proferida uma afirmação
“parecida” com aquela, a ilação que se tira não é de que ele aceitou o conluio
com os russos. Apenas foi muito pragmático e refere que, se alguém lhe disser
que tem informações sobre um seu adversário político, talvez ouça, sem
telefonar primeiro para o FBI. Parece lógico, não?
P Galvao, Lisboa 17.06.2019: Absolutamente.
A lógica da batata.
rafael.guerra.www,www 18.06.2019 Parece-lhe lógico
nas mentes dos americanos patriotas, de escutar os Russos sobre a sua política
interna? Os inimigos jurados do império americano e da hegemonia do sistema
capitalista de Wall Street?
the.bull.paulo, Lisboa 16.06.2019: Uma certeza que fica da presidência de
Donald Trump: ainda não iniciou nenhuma guerra. Tem preferido accionar sanções
económicas como arma diplomática que, não sendo inofensivas, são muito mais
aceitáveis e legítimas no Dto Internacional. Posto isto, refira-se que a EU não
quer fazer exactamente o mesmo que os EUA: em vez de levantar sanções aos
países originários dos requerentes de asilo - criando ainda mais dificuldades
financeiras nestes e obrigando-os a “vergarem-se” aos seus ditames políticos,
como optaram os EUA – prefere criar políticas para que as condições nos
países emissores (nomeadamente no Norte de África) melhorem e consigam suster
os seus habitantes. É exactamente o oposto.
rafael.guerra.www www 16.06.2019: Realmente? Num país onde um terço da
população é obesa, o único desporto que levam a sério é a caça ao dinheiro e a
crueldade sobre seres sem defesa. Eric e Donald Trump Jr. posando em África com
elefantes mortos e exibindo os rabos cortados como troféu, com leopardos,
búfalos, etc; todos mortos de forma egoísta e cobarde, mas sempre deixando o
seu papá baboso. Baboso como essa senhora está da sua neta e nem vê a podridão
daquela sociedade. Sugiro que vá fazer o passeio de fim de semana com a sua
linda família nos bairros miseráveis de Houston e arredores para o seu próximo
artigo.
viana,
Porto 16.06: : "Há quem argumente que não tem qualquer
lógica, precisamente quando Abe estava de visita. Mas a lógica dos ayatolas
também tem as suas particularidades (...) Nenhum dos lados quer uma guerra, mas
os acidentes acontecem. " Até que ponto se pode ser cega?!... Que tal,
pelo menos, colocar na 1a fase, também o seguinte: e também pode ter sido um
incidente criado por aqueles que pretendem isolar cada vez mais o Irão, ou
mesmo incitar um conflito com os EUA. Afirmar que ninguém quer uma guerra é absolutamente
anedótico! Trump quer, Israel quer, a Arábia Saudita e o os EAU querem. Porque
é que insiste em ser porta-voz do governo dos EUA, qualquer que ele seja, neste
caso de Trump, em vez de exercer a sua profissão de jornalista de modo
rigoroso? Quer repetir a vergonha pré-invasão do Iraque?!
viana, Porto 16.06.2019: Sugiro ainda o
seguinte exercício diário a Teresa de Sousa: repetir 10 vezes para si própria -
o governo dos EUA também mente e manipula, como ficou várias vezes comprovado
no passado. Verá que se tornará numa jornalista muito melhor!
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