sábado, 29 de junho de 2019

Que importa?



Ambas as crónicas – de Alberto Gonçalves e de Alexandre Homem Cristo – afinal, se complementam - a hilaridade do primeiro transformada antes em um esgar de raiva incontida, ante a ineficácia da sua crítica para cegos, surdos e mudos, a seriedade do segundo, desmascarando o jogo histriónico do Governo, de alarde sobre falsos êxitos económicos, que engolimos, papalvos e abúlicos que somos - tendo ambos os textos idêntico propósito de alertar para o caminho de uma destruição sem retorno, mau grado os que vão cumprindo, para bem de si próprios e da Nação, que tanto precisa de gente séria e responsável. Tempo não de gargalhada mas de luto, o optimismo como sintoma de candura. Ou hipocrisia. Ou de indiferença, o que é pior, apática e desinteressada. Excepto pelos pontapés na bola, única obsessão permitida, como alienante e sintomática do resto, da nossa idiossincrasia de papalvismo e subserviência…
Esta não é uma crónica sobre o prédio Coutinho /premium
OBSERVADOR, 29/6/2019
Portugal para os portugueses. Nenhum estrangeiro mentalmente equilibrado aguentaria isto mais do que um fim-de-semana. A apatia perante os selvagens que mandam no país não é para todos os paladares.
Tomem lá uma anedota para descontrair. Conhecem a do cigano, do cavalo e da deputada municipal do PAN na Moita? É gira: a senhora do PAN criticou os maus-tratos dispensados aos cavalos por parte dos ciganos da região. A assembleia acusou a senhora de “xenofobia”. O PAN forçou-a a demitir-se. Os ciganos continuam a sobrecarregar os cavalos de trabalho e pancada. Os cavalos continuam a sofrer. O PAN continua a ser o partido que defende os bichos. E, desde que inspire uma boa indignação, a xenofobia tem costas largas.
Parecendo que não, até por causa do significado das palavras e doutras minudências, sempre é preferível que a xenofobia diga respeito à aversão a estrangeiros, e que os crimes não se castiguem ou perdoem de acordo com a “etnia” dos perpetradores. Os crimes variam. Os estrangeiros são os do costume. Chegam aí exaustos, desorientados, vindos de lugares remotos, exprimem-se em línguas diferentes, vestem roupas esquisitas, exibem costumes estranhos, interpelam transeuntes com pedidos inconvenientes, atafulham ruas e pracetas, vêem-se frequentemente explorados por gente sem escrúpulos e, de brinde, acabam insultados onde calha. Falo, é claro, dos turistas.
Há dias, a propósito do São João no Porto, o “Público” publicou um artigo acerca do São João no Porto. É um artigo preguiçoso e mal escrito, sem função ou tema, que se resume a meia dúzia de depoimentos de feirantes em volta das vendas e da “tradição”. Entre os feirantes, um vendedor de “pipocas vermelho garrido” queixa-se das modernices e, em particular, do turismo. O “Público” aproveitou a deixa e elevou o drama a título:O São João do Porto já não é o que era? ‘Há turistas a mais’”.
Não importa que deixem dinheiro. Não importa que criem emprego. Não importa que façam a exacta figura que fazemos quando visitamos os países deles. Para boa parte da esquerda, uns pedaços da “direita” e inúmeros indecisos, os turistas constituem uma praga atentatória da “vida portuguesa”, a erradicar com urgência. Além disso, promovem um milagre: em tempos de ofensa fácil e vigilância apertada, os turistas concedem-nos a liberdade de ofender forasteiros com uma violência que o PNR não ousaria dedicar a refugiados sírios. E, ao contrário do que agora é moda, sem aborrecimentos profissionais, morais ou legais. Para cúmulo, o ódio aos turistas encontra um alvo, ou cinco, literalmente em cada esquina, enquanto o ódio do PNR a refugiados e afins se vê à rasca para descobrir destinatários (excepto, talvez, nos aeroportos, a caminho da Europa que lhes interessa). Aliás, convém evitar quaisquer confusões com sentimentos de intolerância: se o sr. Trump não permite que as populações integrais da Guatemala, El Salvador, Nicarágua e México penetrem confortavelmente o Texas, o sr. Trump é fascista. Se desejarmos enxotar 17 alemães do Chiado, somos patriotas. Em suma, descontados os que chegam na penúria, que servem a demagogia e o escarcéu, os estrangeiros são essencialmente desprezíveis e, em prol da higiene pública, reclamam a acção das autoridades.
A boa notícia é que as autoridades já começaram a agir. Na pequena escala, multiplicam as taxas, as taxinhas, os regulamentos, as restrições, as coimas e o geral inferno burocrático que, grão a grão, transformam as actividades ligadas ao turismo em suplícios que indivíduo algum suportará. Ao nível “macro” (perdão), temos os benefícios fiscais ou os 6500 euros que o Estado oferece aos emigrantes que regressem à terrinha e contribuam para diluir a sujidade turística e afinar a pureza da “portugalidade”. Apenas se estranha um pouco que, dado o fulgurante sucesso económico dos drs. Costa e Centeno, os emigrantes necessitem de incentivo material para voltar aqui. A acreditar nos peritos amestrados do governo, a pujança de Portugal é tanta que os outrora foragidos da “troika” deviam esgadanhar-se para alcançar Vilar Formoso. Pelos vistos, não se esgadanham. E nem os incentivos convencem esses traidores.
Felizmente, há excepções. Decerto desiludido com a fraca resposta dos emigrantes indiferenciados, o governo passou a apostar no regresso dos especializados. Em particular, os funcionários do Estado Islâmico. É uma ideia radiosa, a de recuperar “jihadistas” em fase indefinida das respectivas carreiras. Trata-se de trabalhadores altamente motivados, assíduos e dotados de competências raras nos sectores dos rebentamentos e das decapitações. É verdade que não são muitos. Mas são muito empenhados e propensos a provocar impacto junto dos que os rodeiam. Um único terrorista (certificado) é capaz de, sozinho, eliminar directamente dezenas de turistas e indirectamente afugentar milhares.
Portugal para os portugueses, pois – mesmo porque nenhum estrangeiro mentalmente equilibrado aguentaria isto mais do que um fim-de-semana. A apatia perante os selvagens que mandam no país não é para todos os paladares. O que está a acontecer no prédio Coutinho, que deliberadamente não invoquei para não chamar os selvagens pelo seu autêntico nome, é um reles, bastante reles, exemplo do que acontece diária, impune e discretamente entre o poder e um povo que se quer orgulhosamente só. É uma sorte: um povo assim orgulhoso de enxovalhos seria péssima companhia.
COMENTÁRIOS:
Ahfan Neca: É como aquela anedota dos existencialistas. Perguntaram a um governante quem vive no prédio Coutinho. Este respondeu que eram existencialistas. Existencialistas? Sim, teimam em existir!
José Paulo C Castro: Mas a crónica é sobre um país megalómano a ser demolido pelos seus e onde só ficam os tugas idosos que não fugiram daqui. Um prédio Coutinho na beira-mar da Europa.
chints CHINTS: Muito bom!
 Ping PongYang: Vamos a ver se o Sr. Goebells das conservas percebe melhor assim: Der Kaninchen ist tot! Die Kaninchen sind verloren kaputt !
De fininho: portugal humilhado na europa e a censura de extrema esquerda do observador apaga apaga.

Portugal na liga dos últimos /premium
OBSERVADOR, 27/6/2019
A economia pouco cresce. Mas o discurso oficial ignora a existência dos desafios económicos e não reage ao facto de, comparativamente aos seus parceiros europeus, Portugal estar a ficar para trás.
Apenas 7 países europeus têm um PIB per capita (em paridades de poder de compra) abaixo do português – Bulgária, Croácia, Roménia, Grécia, Letónia, Hungria e Polónia. Este resultado refere-se a 2018, o segundo ano consecutivo em que o país se afastou da média europeia neste indicador. Desde 2015, Portugal foi ultrapassado por três países – Estónia, Lituânia e Eslováquia. A perspectiva para 2019 é que o fosso português se continue a cavar. A Comissão Europeia estima que a economia portuguesa cresça cerca de 1,7%. Na Europa dos 28 países, há 9 que crescerão menos. O ponto é que esses 9 são as economias mais fortes do continente europeu, como a Alemanha (0,5%), a França (1,3%), a Itália (0,1%), a Holanda (1,6%) ou a Áustria (1,5%). Isto alerta para dois problemas iminentes. Primeiro, o crescimento frágil dos países que são o motor económico da UE pode ser o anúncio de uma eventual crise. Segundo, o nosso país continuará a ser ultrapassado no PIB per capita pelos países do leste acima referidos, na medida em que todos (repito: todos, sem excepção) estão a crescer mais depressa do que nós. Aliás, alguns estão a crescer o dobro (Bulgária – 3,3%; Roménia – 3,3%; Hungria – 3,7%) e há quem já não esteja longe de crescer num ano aquilo que Portugal demora três anos a crescer (Polónia – 4,2%). Facto indesmentível: Portugal segue acelerado para a cauda da tabela europeia e pertence cada vez mais à liga dos últimos.
Por um lado, o crescimento económico em Portugal é muito insuficiente, nomeadamente quando comparado ao dos países com que Portugal disputa posições nas hierarquias europeias – como os dados acima demonstram. Mas, por outro lado, o discurso oficial aponta completamente noutro sentido. Basta escutar o primeiro-ministro. Primeiro, assinala estar-se acima da média europeia em taxa de crescimento do PIB – o que, sendo verdade, se deve ao mau desempenho das economias mais fortes, como as da Itália e da Alemanha, que puxam a média europeia para baixo. Depois, afirma que as metas portuguesas têm sido ambiciosas, por estarem acima da média europeia – o que é sobretudo enganador, porque não há nada de ambicioso em crescer a metade do ritmo da Roménia, da Bulgária ou da Polónia. Ou seja, o discurso oficial não reage ao facto de, comparativamente aos seus parceiros europeus, Portugal estar a ficar para trás – antes prefere manter ilusões de pujança da economia portuguesa.
Note-se que os últimos lugares europeus não são um exclusivo do desempenho da economia portuguesa. Num outro caso comparado, foi recentemente divulgado que Portugal é o país europeu que menos cumpre as recomendações do Conselho da Europa no combate à corrupção. Os números portugueses são péssimos e a comparação internacional um autêntico sinal de alarme. No final de 2018, a Portugal faltava cumprir com 73% das recomendações europeias – um desempenho ainda pior do que Turquia (70%), Sérvia (59%) ou Roménia (44%), por exemplo. De resto, Portugal nem sequer ratificou a Convenção sobre Corrupção e Lei Criminal, demonstrando de forma explícita a sua falta de compromisso quanto a esta questão.
Esperar-se-ia que, num país onde um ex-primeiro-ministro enfrenta tão graves acusações de corrupção, houvesse um maior enfoque no combate à corrupção e na promoção da transparência no exercício de cargos públicos. Mas o que há é precisamente o inverso. Primeiro, só agora, na preparação da próxima legislatura, é que o primeiro-ministro elegeu o combate à corrupção como prioridade política – uma forma de assumir que, até ao presente, essa preocupação não existiu (o que é evidente). Segundo, e porque as acções falam mais alto do que as palavras, as iniciativas legislativas do PS e do governo só provam que as suas reais intenções seguem no sentido de um maior controlo político da Justiça – por exemplo, por via da proposta de acabar com a equiparação entre a magistratura judicial e a magistratura do Ministério Público, enfraquecendo os poderes de escrutínio a quem desempenha funções políticas. Como bem explica Luís Rosa, “é óbvio que o PS não quer lutar contra a corrupção”.
Dir-me-ão que estes dois indicadores (crescimento económico e combate à corrupção) representam apenas a ponta do icebergue. Sim, é longa a lista de áreas onde nos destacamos pela negativa e em que caímos para a cauda das comparações internacionais – por exemplo, há dois dias foi também divulgado um relatório internacional que coloca Portugal como o terceiro país do mundo onde menos se confia no governo. Mas pior do que ter estes desafios pela frente é mesmo constatar que, no discurso político, todos eles são sucessivamente ignorados. É elementar que a resolução de um problema depende, primeiro, do seu reconhecimento – e não só isso não está a ser feito, como o discurso oficial se tem alicerçado na percepção de que tudo está bem e que os desempenhos portugueses são muito positivos. Claro que um dia será impossível disfarçar estes e outros problemas estruturais – na economia, na Justiça, no sistema político. O problema é o de sempre: quando esse dia fatal chegar, já pouco restará a fazer para prevenir os piores cenários e respectivas consequências.


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