Ambas as crónicas – de Alberto Gonçalves e de Alexandre Homem Cristo – afinal,
se complementam - a hilaridade do primeiro transformada antes em um esgar de
raiva incontida, ante a ineficácia da sua crítica para cegos, surdos e mudos, a
seriedade do segundo, desmascarando o jogo histriónico do Governo, de alarde sobre
falsos êxitos económicos, que engolimos, papalvos e abúlicos que somos - tendo ambos
os textos idêntico propósito de alertar para o caminho de uma destruição sem
retorno, mau grado os que vão cumprindo, para bem de si próprios e da Nação,
que tanto precisa de gente séria e responsável. Tempo não de gargalhada mas de
luto, o optimismo como sintoma de candura. Ou hipocrisia. Ou de indiferença, o
que é pior, apática e desinteressada. Excepto pelos pontapés na bola, única
obsessão permitida, como alienante e sintomática do resto, da nossa
idiossincrasia de papalvismo e subserviência…
Esta não é uma crónica sobre o prédio
Coutinho /premium
OBSERVADOR, 29/6/2019
Portugal para os portugueses. Nenhum
estrangeiro mentalmente equilibrado aguentaria isto mais do que um
fim-de-semana. A apatia perante os selvagens que mandam no país não é para
todos os paladares.
Tomem
lá uma anedota para descontrair. Conhecem a do cigano, do cavalo e da deputada
municipal do PAN na Moita? É gira: a senhora do PAN criticou os maus-tratos
dispensados aos cavalos por parte dos ciganos da região. A assembleia acusou a
senhora de “xenofobia”. O PAN forçou-a a demitir-se. Os ciganos continuam a
sobrecarregar os cavalos de trabalho e pancada. Os cavalos continuam a sofrer.
O PAN continua a ser o partido que defende os bichos. E, desde que inspire uma
boa indignação, a xenofobia tem costas largas.
Parecendo que não, até por causa do
significado das palavras e doutras minudências, sempre é preferível que a
xenofobia diga respeito à aversão a estrangeiros, e que os crimes não se
castiguem ou perdoem de acordo com a “etnia” dos perpetradores. Os crimes variam. Os
estrangeiros são os do costume. Chegam aí exaustos, desorientados, vindos de
lugares remotos, exprimem-se em línguas diferentes, vestem roupas esquisitas,
exibem costumes estranhos, interpelam transeuntes com pedidos inconvenientes,
atafulham ruas e pracetas, vêem-se frequentemente explorados por gente sem
escrúpulos e, de brinde, acabam insultados onde calha. Falo, é
claro, dos turistas.
Há
dias, a propósito do São João no Porto, o “Público” publicou um artigo acerca
do São João no Porto. É um artigo preguiçoso e mal escrito, sem função ou tema,
que se resume a meia dúzia de depoimentos de feirantes em volta das vendas e da
“tradição”. Entre os feirantes, um vendedor de “pipocas vermelho garrido”
queixa-se das modernices e, em particular, do turismo. O “Público” aproveitou a
deixa e elevou o drama a título: “O
São João do Porto já não é o que era? ‘Há turistas a mais’”.
Não
importa que deixem dinheiro. Não importa que criem emprego. Não importa que
façam a exacta figura que fazemos quando visitamos os países deles. Para boa
parte da esquerda, uns pedaços da “direita” e inúmeros indecisos, os turistas
constituem uma praga atentatória da “vida portuguesa”, a erradicar com
urgência. Além disso, promovem um milagre: em tempos de ofensa fácil e
vigilância apertada, os turistas concedem-nos a liberdade de ofender
forasteiros com uma violência que o PNR não ousaria dedicar a refugiados
sírios. E, ao contrário do que agora é moda, sem aborrecimentos profissionais,
morais ou legais. Para cúmulo, o ódio aos turistas encontra um alvo, ou cinco,
literalmente em cada esquina, enquanto o ódio do PNR a refugiados e afins se vê
à rasca para descobrir destinatários (excepto, talvez, nos aeroportos, a
caminho da Europa que lhes interessa). Aliás,
convém evitar quaisquer confusões com sentimentos de intolerância: se o sr.
Trump não permite que as populações integrais da Guatemala, El Salvador,
Nicarágua e México penetrem confortavelmente o Texas, o sr. Trump é fascista.
Se desejarmos enxotar 17 alemães do Chiado, somos patriotas. Em suma,
descontados os que chegam na penúria, que servem a demagogia e o escarcéu, os
estrangeiros são essencialmente desprezíveis e, em prol da higiene pública,
reclamam a acção das autoridades.
A
boa notícia é que as autoridades já começaram a agir. Na pequena escala,
multiplicam as taxas, as taxinhas, os regulamentos, as restrições, as coimas e
o geral inferno burocrático que, grão a grão, transformam as actividades
ligadas ao turismo em suplícios que indivíduo algum suportará. Ao nível “macro”
(perdão), temos os benefícios fiscais ou os 6500 euros que o Estado oferece aos
emigrantes que regressem à terrinha e contribuam para diluir a sujidade
turística e afinar a pureza da “portugalidade”. Apenas se estranha um pouco
que, dado o fulgurante sucesso económico dos drs. Costa e Centeno, os
emigrantes necessitem de incentivo material para voltar aqui. A acreditar nos peritos
amestrados do governo, a pujança de Portugal é tanta que os outrora foragidos
da “troika” deviam esgadanhar-se para alcançar Vilar Formoso. Pelos vistos, não
se esgadanham. E nem os incentivos convencem esses traidores.
Felizmente, há excepções. Decerto
desiludido com a fraca resposta dos emigrantes indiferenciados, o governo
passou a apostar no regresso dos especializados. Em particular, os funcionários
do Estado Islâmico. É uma ideia radiosa, a de recuperar “jihadistas” em fase
indefinida das respectivas carreiras. Trata-se de trabalhadores altamente
motivados, assíduos e dotados de competências raras nos sectores dos
rebentamentos e das decapitações. É verdade que não são muitos. Mas são muito
empenhados e propensos a provocar impacto junto dos que os rodeiam. Um único
terrorista (certificado) é capaz de, sozinho, eliminar directamente dezenas de
turistas e indirectamente afugentar milhares.
Portugal
para os portugueses, pois – mesmo porque nenhum estrangeiro mentalmente
equilibrado aguentaria isto mais do que um fim-de-semana. A apatia perante os
selvagens que mandam no país não é para todos os paladares. O que está a
acontecer no prédio Coutinho, que deliberadamente não invoquei para não chamar
os selvagens pelo seu autêntico nome, é um reles, bastante reles, exemplo do
que acontece diária, impune e discretamente entre o poder e um povo que se quer
orgulhosamente só. É uma sorte: um povo assim orgulhoso de enxovalhos seria
péssima companhia.
COMENTÁRIOS:
Ahfan Neca: É como aquela anedota dos existencialistas. Perguntaram
a um governante quem vive no prédio Coutinho. Este respondeu que eram
existencialistas. Existencialistas? Sim, teimam em existir!
José Paulo C Castro: Mas a crónica é sobre um país megalómano a ser
demolido pelos seus e onde só ficam os tugas idosos que não fugiram daqui. Um
prédio Coutinho na beira-mar da Europa.
chints CHINTS: Muito bom!
Ping PongYang: Vamos a ver se o Sr. Goebells das conservas percebe melhor
assim: Der Kaninchen ist tot! Die Kaninchen sind verloren kaputt !
De fininho: portugal humilhado na europa e a censura de extrema
esquerda do observador apaga apaga.
Portugal na liga dos últimos /premium
OBSERVADOR, 27/6/2019
A economia pouco cresce. Mas o
discurso oficial ignora a existência dos desafios económicos e não reage ao
facto de, comparativamente aos seus parceiros europeus, Portugal estar a ficar
para trás.
Apenas
7 países europeus têm um PIB per capita (em paridades de poder de compra) abaixo
do português – Bulgária, Croácia, Roménia, Grécia, Letónia, Hungria e
Polónia. Este resultado refere-se a 2018, o segundo ano consecutivo em que
o país se afastou da média europeia neste indicador. Desde 2015, Portugal
foi ultrapassado por três países – Estónia, Lituânia e Eslováquia. A
perspectiva para 2019 é que o fosso português se continue a cavar. A Comissão Europeia estima que a economia portuguesa cresça
cerca de 1,7%. Na Europa dos 28 países, há 9 que crescerão menos. O ponto é
que esses 9 são as economias mais fortes do continente europeu, como a Alemanha
(0,5%), a França (1,3%), a Itália (0,1%), a Holanda (1,6%) ou a Áustria (1,5%).
Isto alerta para dois problemas iminentes. Primeiro, o crescimento frágil
dos países que são o motor económico da UE pode ser o anúncio de uma eventual
crise. Segundo, o nosso país continuará a ser ultrapassado no PIB per capita
pelos países do leste acima referidos, na medida em que todos (repito: todos,
sem excepção) estão a crescer mais depressa do que nós. Aliás, alguns
estão a crescer o dobro (Bulgária – 3,3%; Roménia – 3,3%; Hungria – 3,7%) e há
quem já não esteja longe de crescer num ano aquilo que Portugal demora três
anos a crescer (Polónia – 4,2%). Facto indesmentível: Portugal segue acelerado
para a cauda da tabela europeia e pertence cada vez mais à liga dos últimos.
Por
um lado, o crescimento económico em Portugal é muito insuficiente, nomeadamente
quando comparado ao dos países com que Portugal disputa posições nas
hierarquias europeias – como os dados acima demonstram. Mas, por outro lado, o discurso oficial aponta
completamente noutro sentido. Basta
escutar o primeiro-ministro. Primeiro,
assinala estar-se acima da média europeia em taxa de crescimento do PIB – o
que, sendo verdade, se deve ao mau desempenho das economias mais fortes, como
as da Itália e da Alemanha, que puxam a média europeia para baixo. Depois,
afirma que as metas portuguesas têm sido ambiciosas, por estarem acima da média europeia – o
que é sobretudo enganador, porque não há nada de ambicioso em crescer a metade
do ritmo da Roménia, da Bulgária ou da Polónia. Ou seja, o discurso oficial não
reage ao facto de, comparativamente aos seus parceiros europeus, Portugal estar
a ficar para trás – antes prefere manter ilusões de pujança da economia
portuguesa.
Note-se
que os últimos lugares europeus não são um exclusivo do desempenho da economia
portuguesa. Num outro caso comparado, foi recentemente divulgado que Portugal
é o país europeu que menos cumpre as recomendações do Conselho da Europa no
combate à corrupção. Os números portugueses são péssimos e a
comparação internacional um autêntico sinal de alarme. No final de 2018, a
Portugal faltava cumprir com 73% das recomendações europeias – um desempenho
ainda pior do que Turquia (70%), Sérvia (59%) ou Roménia (44%), por exemplo. De resto,
Portugal nem sequer ratificou a Convenção sobre Corrupção e Lei Criminal,
demonstrando de forma explícita a sua falta de compromisso quanto a esta
questão.
Esperar-se-ia
que, num país onde um ex-primeiro-ministro enfrenta tão graves acusações de
corrupção, houvesse um maior enfoque no combate à corrupção e na promoção da
transparência no exercício de cargos públicos. Mas o que há é precisamente o
inverso. Primeiro, só agora, na preparação da próxima legislatura, é que o
primeiro-ministro elegeu o combate à corrupção como prioridade política – uma
forma de assumir que, até ao presente, essa preocupação não existiu (o que é
evidente). Segundo, e porque as acções falam mais alto do que as palavras, as
iniciativas legislativas do PS e do governo só provam que as suas reais
intenções seguem no sentido de um maior controlo político da Justiça – por
exemplo, por via da proposta de acabar com a equiparação entre a magistratura
judicial e a magistratura do Ministério Público, enfraquecendo os poderes de
escrutínio a quem desempenha funções políticas. Como bem explica Luís
Rosa, “é óbvio que o PS não quer lutar contra a corrupção”.
Dir-me-ão
que estes dois indicadores (crescimento económico e combate à corrupção)
representam apenas a ponta do icebergue. Sim, é longa a lista de áreas onde nos
destacamos pela negativa e em que caímos para a cauda das comparações
internacionais – por exemplo, há dois dias foi também divulgado um relatório
internacional que coloca Portugal como o terceiro país do mundo
onde menos se confia no governo. Mas pior do que ter estes desafios pela frente é mesmo
constatar que, no discurso político, todos eles são sucessivamente ignorados. É
elementar que a resolução de um problema depende, primeiro, do seu
reconhecimento – e não só isso não está a ser feito, como o discurso oficial se
tem alicerçado na percepção de que tudo está bem e que os desempenhos
portugueses são muito positivos. Claro que um dia será impossível disfarçar
estes e outros problemas estruturais – na economia, na Justiça, no sistema
político. O problema é o de sempre: quando esse dia fatal chegar, já pouco
restará a fazer para prevenir os piores cenários e respectivas consequências.
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