O texto de explicitação e aviso de Salles da Fonseca, como
sempre marcado por uma franqueza reveladora de preocupação, fez-me traduzir um
soneto de Du Bellay, poeta do Renascimento humanista francês que em Roma
contemplou com olhos críticos e pesarosos as ruínas do glorioso passado romano,
que exprimiu em 32 sonetos reunidos em “Les
Antiquités de Rome”. Inicia-se por “Comme on passe en été” e expõe uma
dinâmica de contrastes – da torrente caudalosa no inverno, arrasadora dos
campos cultivados, da força do leão da fábula, temida antes e rebaixada na sua
velhice inerte, do corpo de Heitor morto e ultrajado pelos Gregos que dantes o
temiam – comparando-os com os sucedâneos dos Romanos – que foram dilapidando tantas
glórias construídas, mostrando assim a fragilidade e a ruína de tudo o que foi
poderoso.
Tal como sem
perigo se passa no verão a torrente
Que no
inverno era rainha da planura
Dizimando pelos
campos, em altivo arrastamento,
As esperanças
do lavrador e do pastor;
Tal como os
cobardes animais vemos a ultrajar
O corajoso Leão
jazendo sobre a areia,
Ensanguentarem
nele os dentes com audácia vã,
Provocarem o
inimigo que não se pode vingar;
E como diante
de Tróia se avistam ainda os Gregos,
Os menos
valentes, bazofiando em redor do corpo de Heitor:
Assim aqueles
que outrora costumavam, de cabeça baixa,
Do triunfo
romano a glória acompanhar,
Sobre estes
túmulos poeirentos exercem a sua audácia,
Ousando, os vencidos,
os vencedores desdenhar.
Assim também acontece com as ideologias,
que fazem evoluir o mundo, na busca de melhorias, que tantas vezes descambam e
ao invés de avanços, traduzem destruição e recuos. Salles da Fonseca adverte sobre os excessos de uma democracia de
liberdade e igualitarismo que urge refazer enquanto é tempo, para não chamar
novamente ao palco das vidas os fascismos aniquiladores desses mesmos
princípios igualitários, embora utópicos, como se tem visto.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 14.06.19
Foi
aos gritos de «Liberdade, liberdade» que se criou o espírito individualista
libertário o qual tem como axioma o «Princípio da Não-Agressão», ou seja, «que
nada me limite» - eis o igualitarismo anarquista.
Perante
o igualitarismo em que a ninguém é reconhecido qualquer estatuto distintivo,
vence o individualismo, todos têm razão, tudo o que se apresente difícil é
considerado antidemocrático. Onde impera o individualismo, não há coesão
social, todos se sentem desamparados.
Mas o desamparo é desconfortável. O
desconforto gera a queixa e sempre acaba por conduzir à busca de
soluções para se regressar a alguma situação assemelhável a conforto.
Assim
se reúnem os ingredientes suficientes para que apareça um caudilho com promessas cujos méritos os desamparados não querem sequer
questionar. Ela aí está, a
ditadura, a
sempre radical, a que gera a violência pela via do capricho do ditador,
capricho esse que assume a força de Lei.
Por antítese ao Estado de Direito, ao capricho do ditador se chama
fascismo.
Eis por que…
Urge repor o sentido da responsabilidade
social e a formação política como missão essencial dos Partidos democráticos se
não quisermos cair no fascismo.
Junho de 2019
Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIO:
Henrique Salles da Fonseca: Sem dúvida. Um abraço. José
Montalvão
Anónimo, 14.06.2019: Concordo. Mas
no estado actual dos partidos políticos, não tenciono votar a não ser que
alguém com fibra se apresente. É a vir um
ditador, será da direita, porque à esquerda está muito satisfeita. Prefiro um
ditador de direita a mais a mais governos corruptos de esquerda.
Adriano Lima 14.06.2019 Diz aqui o Dr. Salles que "urge repor o sentido da
responsabilidade social e a formação política como missão essencial dos
Partidos democráticos se não quisermos cair no fascismo". É verdade, mas
por ser tão lapidar talvez por isso represente o nó górdio do problema da
edificação do Estado de Direito Democrático. O sentido de responsabilidade
social envolve toda a sociedade, todos os seus estratos, sem qualquer exclusão.
Mesmo os menos informados e instruídos não podem abdicar de uma
responsabilidade mínima: exercer o direito (e quanto a mim o dever) do voto. formação
política pode e deve ser missão das formações políticas, mas também deverá
sê-lo da cidadania como um todo, mediante associações e iniciativas cívicas dos
mais diversos sectores e origens, desde as escolas às empresas, passando pelos
bairros, pelos clubes desportivos e recreativos e outras mais colectividades
sociais. Claro que os partidos políticos devem ter essa missão, ou preocupação,
como a razão essencial da sua existência. Mas muitas vezes desvirtuam-na quando
colocam os problemas partidários acima do interesse da comunidade. Dizer, como
o fez aqui um comentador, que não vota enquanto não se apresentar alguém de
fibra, representa a negação da democracia ou a sua morte anunciada. Mas não
acredito que o comentador deseje ser governado por um caudilho, déspota,
ditador, fascista. Penso que ele tem memória e consciência, apesar de o querer
negar, se calhar devido a um qualquer acidente de percurso.
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