sexta-feira, 14 de junho de 2019

«Comme on passe en été»


O texto de explicitação e aviso de Salles da Fonseca, como sempre marcado por uma franqueza reveladora de preocupação, fez-me traduzir um soneto de Du Bellay, poeta do Renascimento humanista francês que em Roma contemplou com olhos críticos e pesarosos as ruínas do glorioso passado romano, que exprimiu em 32 sonetos reunidos em “Les Antiquités de Rome”. Inicia-se por “Comme on passe en été” e expõe uma dinâmica de contrastes – da torrente caudalosa no inverno, arrasadora dos campos cultivados, da força do leão da fábula, temida antes e rebaixada na sua velhice inerte, do corpo de Heitor morto e ultrajado pelos Gregos que dantes o temiam – comparando-os com os sucedâneos dos Romanos – que foram dilapidando tantas glórias construídas, mostrando assim a fragilidade e a ruína de tudo o que foi poderoso.
Tal como sem perigo se passa no verão a torrente
Que no inverno era rainha da planura
Dizimando pelos campos, em altivo arrastamento,
As esperanças do lavrador e do pastor;
Tal como os cobardes animais vemos a ultrajar
O corajoso Leão jazendo sobre a areia,
Ensanguentarem nele os dentes com audácia vã,
Provocarem o inimigo que não se pode vingar;
E como diante de Tróia se avistam ainda os Gregos,
Os menos valentes, bazofiando em redor do corpo de Heitor:
Assim aqueles que outrora costumavam, de cabeça baixa,
Do triunfo romano a glória acompanhar,
Sobre estes túmulos poeirentos exercem a sua audácia,
Ousando, os vencidos, os vencedores desdenhar.
Assim também acontece com as ideologias, que fazem evoluir o mundo, na busca de melhorias, que tantas vezes descambam e ao invés de avanços, traduzem destruição e recuos. Salles da Fonseca adverte sobre os excessos de uma democracia de liberdade e igualitarismo que urge refazer enquanto é tempo, para não chamar novamente ao palco das vidas os fascismos aniquiladores desses mesmos princípios igualitários, embora utópicos, como se tem visto.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 14.06.19
Foi aos gritos de «Liberdade, liberdade» que se criou o espírito individualista libertário o qual tem como axioma o «Princípio da Não-Agressão», ou seja, «que nada me limite» - eis o igualitarismo anarquista. 
Perante o igualitarismo em que a ninguém é reconhecido qualquer estatuto distintivo, vence o individualismo, todos têm razão, tudo o que se apresente difícil é considerado antidemocrático. Onde impera o individualismo, não há coesão social, todos se sentem desamparados. Mas o desamparo é desconfortável. O desconforto gera a queixa e sempre acaba por conduzir à busca de soluções para se regressar a alguma situação assemelhável a conforto.
Assim se reúnem os ingredientes suficientes para que apareça um caudilho com promessas cujos méritos os desamparados não querem sequer questionar. Ela aí está, a ditadura, a sempre radical, a que gera a violência pela via do capricho do ditador, capricho esse que assume a força de Lei.
Por antítese ao Estado de Direito, ao capricho do ditador se chama fascismo.
Eis por que…
Urge repor o sentido da responsabilidade social e a formação política como missão essencial dos Partidos democráticos se não quisermos cair no fascismo.
Junho de 2019
Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIO:
Henrique Salles da Fonseca: Sem dúvida. Um abraço. José Montalvão
Anónimo, 14.06.2019: Concordo. Mas no estado actual dos partidos políticos, não tenciono votar a não ser que alguém com fibra se apresente. É a vir um ditador, será da direita, porque à esquerda está muito satisfeita. Prefiro um ditador de direita a mais a mais governos corruptos de esquerda.
Adriano Lima 14.06.2019 Diz aqui o Dr. Salles que "urge repor o sentido da responsabilidade social e a formação política como missão essencial dos Partidos democráticos se não quisermos cair no fascismo". É verdade, mas por ser tão lapidar talvez por isso represente o nó górdio do problema da edificação do Estado de Direito Democrático. O sentido de responsabilidade social envolve toda a sociedade, todos os seus estratos, sem qualquer exclusão. Mesmo os menos informados e instruídos não podem abdicar de uma responsabilidade mínima: exercer o direito (e quanto a mim o dever) do voto. formação política pode e deve ser missão das formações políticas, mas também deverá sê-lo da cidadania como um todo, mediante associações e iniciativas cívicas dos mais diversos sectores e origens, desde as escolas às empresas, passando pelos bairros, pelos clubes desportivos e recreativos e outras mais colectividades sociais. Claro que os partidos políticos devem ter essa missão, ou preocupação, como a razão essencial da sua existência. Mas muitas vezes desvirtuam-na quando colocam os problemas partidários acima do interesse da comunidade. Dizer, como o fez aqui um comentador, que não vota enquanto não se apresentar alguém de fibra, representa a negação da democracia ou a sua morte anunciada. Mas não acredito que o comentador deseje ser governado por um caudilho, déspota, ditador, fascista. Penso que ele tem memória e consciência, apesar de o querer negar, se calhar devido a um qualquer acidente de percurso.



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