Ontem, li no “Courrier Internacional” de Julho 2019,
textos à roda do tema do aquecimento global, verdadeiramente assustadores. O
próprio título da revista nos põe em choque: “Chegou a hora de entrar em pânico”. E explica profusamente o porquê
disso, embora a imprensa diária já o tenha feito, para além das tais mudanças
climáticas de que todos nos vamos apercebendo. Hoje leio este texto de Teresa de Sousa, sobre hipotética destruição da U E, tantos são os entraves de
desentendimentos, e também entre os chefes do eixo Paris-Berlim. Teresa de Sousa explica bem, alguns comentadores ajudam
a esclarecer, religiosamente tento acompanhar, modo de passar o tempo, no
intervalo de outros filmes da vida. Ontem, todavia, “revi” dois musicais: “Chicago” e “Mamma
Mia”. E esqueci o medo, agradecida à
Internet, que nos fornece imagens poderosas da criatividade humana. Mas o medo paira
sempre, o pesadelo vai continuar, cada dia que passa nos traz exemplos, daqui e
dalém. Dantes, a visão era mais limitada, cada horror mais circunscrito. O
progresso trouxe mais desassossego, é coisa sabida.
OPINIÃO
Está quebrado o eixo sobre o qual a Europa roda
Macron tem razão quando diz que a Europa
precisa de figuras políticas de peso à frente das suas principais instituições.
A Alemanha, habituada a mandar, parece não sentir a mesma necessidade.
PÚBLICO, 23 de
Junho de 2019
1. Não
seria o melhor momento para os líderes europeus oferecerem publicamente mais um
triste espectáculo de desunião em torno das questões que estavam na agenda da
cimeira que terminou na sexta-feira, em Bruxelas. Escolher quem vai liderar as
principais instituições europeias nunca é tarefa fácil. É preciso encontrar
equilíbrios de natureza vária – desde os políticos aos geográficos, passando
pela distribuição entre “grandes” e pequenos. É necessário, como sempre na
União Europeia, um espírito de cooperação que permita encontrar soluções
aceitáveis por todos. E é preciso, obviamente, que os dois extremos do eixo Paris-Berlim,
sobre o qual a integração roda melhor ou pior, se consigam entender. Qualquer
um destes ingredientes está em falta nos dias de hoje. Aquele que provocou mais
danos, impossibilitando um entendimento em torno da distribuição dos cargos,
foi o último: Merkel e Macron, pura e simplesmente, não se entendem.
2.
Os desentendimentos entre ambos já vêm de trás. Começaram a avolumar-se quando o Presidente francês
percebeu que todas as suas propostas para o futuro da Europa não tinham
qualquer eco em Berlim. A única que deu alguns passos – curtos e poucos – foi a
da reforma da zona euro, de forma a evitar que uma próxima crise leve a
Europa à beira da ruptura, como aconteceu há nove anos. Mesmo assim, em
relação a duas propostas fundamentais de Paris, apoiadas pelos países do Sul – um
orçamento próprio da zona euro e a conclusão da União Bancária –, a Alemanha
cedeu o mínimo possível para não dar aos mercados a ideia de que as
fragilidades da moeda única eram demasiado grandes. Com a intermediação
do primeiro-ministro português, foi possível encontrar uma solução que dota o
euro de um pequeno orçamento próprio (que nem esse nome tem para não ferir a
susceptibilidade alemã), apenas destinado a financiar reformas que melhorem a
competitividade dos países-membros no sentido de facilitar a convergência entre
as respectivas economias. É importante, porque a sustentabilidade do euro
assenta nessa convergência (dado que qualquer mecanismo de transferências
financeiras próprio de qualquer zona monetária única não é consentido por
Berlim), mas está ainda a anos-luz do que seria necessário e foi proposto
por Macron: um orçamento com significado suficiente para servir de
estabilizador em caso de choques assimétricos que atinjam um ou mais países da
zona euro. Paris pode dizer que se deu um pequeno passo na boa direcção. Ainda
falta saber qual o montante deste orçamento e definir as condições em que pode
ser utilizado. Quanto ao terceiro pilar da União Bancária (a garantia
de depósitos), sem o qual o seu efeito de estabilização do sistema financeiro
fica bem aquém dos objectivos, a teimosia de Berlim é inquebrantável.
3. De resto,
Paris e Berlim estão nos antípodas em quase todas as questões europeias
essenciais, como raramente estiveram no passado. Merkel está de saída e não vai sair da melhor
maneira. As eleições europeias registaram uma queda acentuada da CDU, ainda que
continue a ser o partido mais votado. A fragmentação do sistema partidário
alemão deixou de garantir a tradicional estabilidade política. A “grande
coligação” está por um fio, também (ou sobretudo) porque a queda do SPD ainda é
mais dramática. Ninguém pode dizer ainda de que matéria é feita AKK, a nova
líder do centro-direita que deverá suceder a Merkel. Mas, sobretudo, a
Alemanha está de novo mergulhada numa crise existencial que tem, como sempre,
debate é mais interno do que europeu. A emergência de um partido de
extrema-direita e a multiplicação de ameaças (algumas concretizadas) à vida de
alguns líderes políticos está a ter um enorme impacto psicológico, alimentando
o eterno pânico do regresso ao passado. A
economia, que até agora era a verdadeira força e o verdadeiro orgulho dos
alemães, está a dar sinais de esgotamento, que podem ser apenas conjunturais,
mas que podem revelar também os pontos fracos de um modelo de crescimento que
assenta quase só nas exportações, que tem um sector de serviços incipiente e
que passa por uma contenção salarial que se pode tornar um custo demasiado
elevado para a maioria dos alemães. Acresce a questão que mais parece
afectar a identidade alemã: a imigração. Em 2015, Merkel abriu as
portas a quase um milhão de refugiados sírios. A sociedade alemã
dividiu-se profundamente. A economia precisa desesperadamente de imigrantes mas
muita gente vê-os como uma ameaça ao seu modo de vida e à sua cultura. É
este o factor que alimenta o extremismo e que fez da AfD a terceira força
política do Bundestag desde as eleições de 2017. O único sinal de esperança
está na confirmação do fenómeno dos Verdes, ao ponto de as últimas sondagens,
já depois das europeias, os colocarem um ponto à frente da CDU da chanceler. O
seu êxito assenta, curiosamente, na defesa daquilo que já foi dado como certo
na sociedade alemã e agora é dado como incerto: a Europa, que continuam a
defender sem estados de alma, criticando o Governo pela timidez e pelo egoísmo
da sua política europeia; a abertura aos imigrantes; uma concepção da economia
liberal e reformista; e uma atitude de abertura em relação ao mundo. São a
excepção que confirma a regra.
4. A
Alemanha tem muito maiores dificuldades do que a França em adaptar-se a um
mundo que entrou em crescente desordem e em que a geopolítica regressou em
força, ameaçando o modelo de multilateralismo, ao qual Berlim se adaptava
facilmente, assente na regra da relação existencial com a América, que foi um
dos dois pilares fundamentais da nova República Federal depois da guerra, e
entrou em ebulição graças a Trump. Paris consegue adaptar-se facilmente
a esta nova realidade transatlântica: está habituada a estar com os EUA ou
contra os EUA sem que isso perturbe demasiado a sua relação com a América. Percebe muito mais facilmente a lógica da relação de
forças. Tem uma capacidade militar (e nuclear) que lhe dá uma autonomia
relativa. Como lembrava Macron no seu discurso das celebrações do Desembarque
na Normandia, pode estar em oposição aos Estados Unidos na questão do Irão, mas
está com eles no Sahel. Berlim fala da necessidade de maior autonomia militar
da Europa, mas teima em não gastar nem mais um euro com a sua própria defesa. Aprendeu
recentemente que a “geoeconomia” afinal não é tudo, sendo cada vez menos nos
tempos que correm. É obrigada a constatar a hostilidade da China, mesmo
no campo privilegiado dos negócios do qual lucrou muitíssimo durante o tempo em
que Pequim não era visto como uma ameaça. A
Rússia, depois da Ucrânia, deixou de ser outro paraíso para os investimentos
alemães e passou a ser uma ameaça constante à estabilidade da Europa Central,
que Berlim vê como fundamental para a sua inserção europeia. Finalmente,
vive na incerteza constante de acordar um dia com a aplicação de tarifas às
importações americanas dos seus automóveis. Os outros países europeus até podem
encolher os ombros. Os alemães não podem: nas estradas americanas há apenas
quatro tipos de carros: americanos, japoneses, coreanos e alemães. É muita
coisa para digerir. O resultado até agora tem sido, em boa medida, a paralisia.
É esta a principal acusação de Macron que, obviamente, tenta encontrar outras
alianças para tentar, pelo menos, abrir uma brecha no muro que encontra em
Berlim.
5. Voltando
ao início, desta vez o jogo das escolhas dos cargos europeus parece obedecer a
outra lógica: o confronto entre famílias políticas num Parlamento Europeu em
que o PPE, mesmo sendo o maior partido, perdeu boa parte da sua força ao abrir
a possibilidade da constituição de alternativas capazes de anular a sua maioria
relativa. Os liberais, fortalecidos com a entrada do “Em Marcha”
do Presidente francês, mais os socialistas reforçados pelo peso crescente da
Península Ibérica e pela recuperação da social-democracia nórdica, somados aos
Verdes, conseguiram até agora uma “frente comum” capaz de retirar o poder de
escolha à chanceler, que, por sua vez, precisa de algum tempo e de alguma coisa
em troca para poder ceder. Com outro
factor relevante que muitas vezes não é levado em conta: se o PPE ainda é
maioritário no PE, não o é no Conselho Europeu. Os líderes voltam a encontrar-se a 30 de Junho, mas
uma coisa é certa: Macron tem razão quando diz que a Europa precisa de figuras
políticas de peso à frente das suas principais instituições. A Alemanha,
habituada a mandar, parece não sentir a mesma necessidade. Entretanto, lá fora,
cresce a tensão no Golfo Pérsico, pondo em causa a segurança internacional,
incluindo uma subida abrupta do preço do petróleo…
COMENTÁRIOS
Francis Delannoy, 24.06.2019: Está quebrado o
eixo sobre o qual a Europa roda´. Macron tem razão quando diz que a Europa
precisa de figuras políticas de peso à frente das suas principais instituições.
A Alemanha, habituada a mandar, parece não sentir a mesma necessidade. O eixo
do carrossel europeu está liderado pelos alemães, com desunião entre países
europeus, em que cada um se deixa girar pela grande roda europeia mas no fundo
cada um anda na sua carroça .. culturas diferentes, economias diferentes, salários
diferentes, modos de viver diferentes, fiscalidade diferente, corrupção
diferente, politica diferente, justiça e injustiça diferente no fundo é o
carrossel da ilusão.Todos giram ao sinal da mesma música europeia, mas todos
primeiro giram para eles.O povo este pode ficar esmagado sobre o peso das rodas
fiscais
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta 24.06.2019: Às vezes fico com a impressão de que o grau de trauma
económico e subserviência política dos portugueses está no ponto em que já nem
mais se lembram de como funciona uma união monetária não predatória. Aqui,
podia ser outra qualquer, fica o exemplo dos EUA onde o banco central tem actas
públicas e os impostos circulam de um lado para o outro: The Economist 1 Ago
2011 "America's fiscal union - The red and the black - Where federal taxes
are raised and spent"
joaorapace, 23.06.2019: Os alemães estão-se nas tintas para os opinadores que
escrevem e comentam. Desde sempre estiveram, isso sim, a pensar neles. Quem não
faz o seu trabalho, que somos nós, está agora aflito. Vendemos tudo e agora
Portugal está bonito! Não tem futuro!
TP, Leiria 23.06.2019: Mas os alemães
hão de chegar à conclusão que a apostar na economia interna e europeia é o que
os vai salvar da guerra comercial e do isolamento dos US. Não é por acaso que a
UE continua a ser a maior economia do mundo.
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta 23.06.2019: Tenho a impressão de que TdS conhece melhor Houston
Texas do que a Alemanha. Também eu vivi e trabalhei lá uns excelentes 5 anos
(em Houston). No entanto, de amizades, colaborações e alunos alemães, tenho
poucas dúvidas que eles não querem ser outra vez o Eixo de mais um projecto
totalitarista no continente. A resistência de Merkel a seguir na direcção da
autocracia que Macron propõe reflecte o domínio do aceitável para a opinião
pública alemã. Vale a pena lembrar que a Alemanha não entrou voluntariamente no
euro, e dele sairá quando a ameaça de deixar de funcionar como um marco for
real. Recomendo sobre o tema este artigo no Der Spiegel de 30 Out 2010
"Was the Deutsche Mark Sacrificed for Reunification?". A Alemanha não
precisa da UE. É o Eixo que precisa da Alemanha.
TP, Leiria 23.06.2019: Jonas não vale a
pena você mencionar um artigo de 2010 completamente desactualizado. A Alemanha
precisa da UE e os Alemães sabem disso. Por isso é que não hesitam em apoiar
partidos pro UE.
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