Primeiro, instila-se o ódio contra o “opressor”,
necessariamente o mais bem instalado, que se utilizou do oprimido para alargar
os seus domínios, tal como o fizeram sempre nobres e clero, explorando o povo.
Em toda a parte. Desde que o mundo é mundo. Os nórdicos não o acentuaram tanto,
por educação, talvez, mas porque, também por condições climáticas, não dispõem
de tanta concentração de gente, as igualdades entre eles tendo forçosamente que
se estabelecer, em educação, orgulho e respeito mútuo. Dividir para reinar, é a
técnica por aqui. Dos partidos da bondade em interesse próprio. Enxovalhar bem,
para conquistarem simpatia. E votos. António
Barreto explica bem essa questão do “mea
culpa” que se pretende incutir, por cá, num texto naturalmente bem esclarecedor,
que alguns comentadores aprovam, com idêntico saber.
OPINIÃO: A culpa e a reparação
A ideia de que os portugueses de hoje têm
de reparar o que os de há cem ou duzentos anos fizeram é totalmente absurda!
ANTÓNIO BARRETO PÚBLICO, 16 de
Junho de 2019
A
desigualdade “racial” (e por vezes religiosa, étnica…) é tema infinito. Em
Portugal e no resto do mundo. Entre nós, está agora mais vivo do que no
passado, o que se fica a dever a intervenções de brancos e negros, africanos e
europeus, cristãos e muçulmanos, judeus e gentios. Sem falar em académicos,
artistas e políticos. O tema merece-o. Raros são os assuntos tão perenes na
história e com opiniões tão diversas.
Na actualidade, as comemorações do 10 de
Junho, os discursos dos Presidentes de Portugal e de Cabo Verde, assim como as
intervenções de João Miguel Tavares e os escritos de muitos
comentadores trouxeram mais uma vez o tema para a ribalta. Donde nunca tinha
saído.
Nestas discussões, há temas
recorrentes. Portugal é um país racista? Há racistas em Portugal? O
colonialismo foi bom ou mau? Os portugueses devem pedir perdão pelo
colonialismo? Os portugueses devem pedir desculpa pela escravatura? O
colonialismo português foi diferente dos outros, mais humano e mais
progressista? Ou foi mais violento? Devemos restituir aos respectivos países de
origem os bens, nomeadamente artísticos, vindos (comprados, trocados, encontrados,
roubados…) de África, da Ásia e da América Latina? Portugal deve reparar as
injustiças cometidas desde o século XVI?
Poderia
continuar com estas perguntas. Como se pode facilmente prever, as respostas são
as mais variadas e contraditórias do que se imagina. Compreende-se, dado que
estão em causa valores essenciais, entre os quais os de humanidade, dignidade
da pessoa e liberdade. Mas não se espere que cheguemos a consensos. Nestes
casos, as opiniões não dependem da experiência ou da observação, mas sim da
ideologia, das crenças e da situação de cada um. Um africano negro tem,
evidentemente, opinião diferente de um africano branco. Um europeu branco e
cristão não é muito parecido, nas suas opiniões, com um árabe muçulmano. A este
propósito, um católico defende muitas vezes ideias diferentes de um judeu, um
islamita ou um hindu. A democracia vive disso, da diferença. Felizmente, pois
uma sociedade decente depende do respeito de uns pelos outros.
Nos debates mais recentes, surgiu a
ideia de que os portugueses (ou, dito de modo mais equívoco, nós) devem
reparação aos antigos povos colonizados, africanos em particular. Tal reparação
pode tomar várias formas. Desde os aparatosos pedidos de perdão, até à
restituição de bens. Modos mais sofisticados apontam agora para a indemnização
por perdas de vidas ou de bens durante séculos. Mais suaves são as propostas de
políticas de promoção da igualdade, de elevação social, de educação ou de apoio
selectivo às minorias africanas, naturais de Portugal ou imigradas. Nada parece
mais sensato e humano: ajudar crianças e jovens a ter êxito nos estudos, a
aprender uma profissão, a “subir na vida” e a obter um bom emprego.
Que é que isto tem de “reparação”?
Por que razão se deve designar como reparação o que deve ser feito de qualquer
modo? E por que motivos haveremos de ter políticas diferentes para os jovens
africanos negros naturais e residentes ou imigrantes? Qual o motivo que
conduziria um país, Portugal, a ter um politica social diferente para uma
minoria? Os africanos brancos não merecem? Os brasileiros? Os indianos? Os
paquistaneses? E os portugueses?
Como
é evidente, tudo resulta em boa medida do sentimento de culpa. Ou do remorso
dos contemporâneos. Ou de grupos de interesses, brancos ou negros, que
aproveitam esta contrição tardia de uns para obter regalias para outros. Na
verdade, não há nenhuma razão para beneficiar especialmente certos grupos,
minorias ou não, “raciais” ou não, de primeira ou segunda geração, em
detrimento de outros. Não é para reparação de injustiças seculares, nem para
cuidar dos sentimentos de culpa de europeus desnorteados, que devemos promover
políticas de igualdade, ou antes, políticas de combate à desigualdade. Os
bairros miseráveis de pobres, de drogados e de marginais de toda a espécie
devem ser combatidos, demolidos e substituídos por bairros decentes, não por
razões de reparação pós-colonial, mas por motivos ligados aos valores humanos
de igualdade. Pode até ser por compaixão e solidariedade, mas não pode ser por
privilégio racial ou étnico. Muito menos por penitência.
Alguns
dos piores exemplos de bairros socialmente degradados das últimas décadas (Casal Ventoso, Cova da Moura, 6 de Maio, Quinta do
Mocho, Jamaica, Bela Vista, S. João de Deus, Aleixo, Cerco…) devem merecer cuidados e enormes esforços de
reabilitação por todas as razões sociais e económicas, independentemente do
facto de as minorias étnicas representarem 10% ou 90% da respectiva população.
Estes bairros são a vergonha de todos nós e não é por
estarem habitados por negros, muçulmanos ou ciganos. É por não terem suficiente
atenção por parte dos poderes públicos, dos políticos, das empresas, das instituições,
das igrejas e dos sindicatos. É por revelarem a incapacidade de prevenção. É
por serem a ilustração deste facto singelo que é o de Portugal ser um dos
países mais desiguais da Europa.
É
possível, é mesmo certo que as taxas de pobreza são superiores, em termos
relativos, nalgumas minorias, nomeadamente negras. Mas, em números absolutos,
há mais pobres brancos do que étnicos, negros, ciganos e outros. É verdade que
há uma componente racial entre as causas e as manifestações de pobreza,
desigualdade e degradação social. Mas a pior maneira de combater tais situações
consiste em criar privilégios ou excepções. Não se combate uma injustiça com
outra injustiça.
Se os portugueses de hoje devem
reparação aos africanos negros, por que não devem também reparação aos
africanos brancos que residem cá? Africano é maioritariamente negro, sabe-se.
Mas há centenas de milhares de africanos brancos e até de outras cores e
origens que devem ser incluídos no lote. Ou são gente de segunda? E quantos
mais povos, quantas mais minorias, merecem reparação? E que reparação merecem
os portugueses, tantos portugueses, por tanta injustiça histórica, tanta
opressão, tanta desigualdade e tanta violência?
A
ideia de que os portugueses de hoje têm de reparar o que os de há cem ou duzentos
anos fizeram é totalmente absurda! Os portugueses de hoje têm de tratar dos
seus graves problemas de emprego, saúde e educação, assim como de habitação e
segurança, de que sofrem muitos dos que cá vivem, sejam de que “raça” ou origem
forem, por eles, por nós, não para desculpar ou redimir almas errantes de
ambiciosos contemporâneos.
COMENTADORES:
Luis Morgado, Lisboa 16.06.2019 António Barreto tem toda a razão. A discriminação
positiva pode dar péssimos resultados quando afirma a culpa do "nós"
e enfatiza a vitimização dos "outros". É uma forma paternalista de
acentuar as diferenças e aliviar más consciências. Outro problema é o do
racismo, que se cruza com este e que tem que ser combatido implacavelmente, mas
de forma genuína e não com ineficazes argumentos de culpas históricas.
EuQuixote, Olhão 16.06.2019: Enfim, uma opinião lúcida sobre um assunto complexo e
recorrente. Há que olhar para o futuro aprendendo com os erros do passado. A
história da humanidade foi construída assim, com conquistas, mortes,
escravatura, sempre, antes e desde que o sapiens eliminou os restantes Homo.
Resta-nos evoluir, crescer e assim respeitar todos os humanos, os restantes
animais e principalmente o planeta que a todos suporta.
Antonio Leitao, Coimbra 16.06.2019: Típica mistura de alhos com bugalhos. A desigualdade e
o racismo não são a mesma coisa, não provocam os mesmos efeitos, embora devam
ser as duas combatidas. Ambas são prioridades ideológicas, como tudo em
política, e embora possam existir ligações entre ambas, a pobreza e a
discriminação racial não são fenómenos iguais...
José Manuel Martins évora 16.06.2019: "Estes bairros são a vergonha de todos nós e não é por
estarem habitados por negros, muçulmanos ou ciganos. É por não terem suficiente
atenção por parte dos poderes públicos, dos políticos, das empresas, das
instituições, das igrejas e dos sindicatos.": nem-nem: o q AB assim
enuncia é uma relação fatal de causa/efeito em círculo ou em espiral: bairros
abandonados e degradados porque habitados por quem os habita, e habitados por
quem os habita porque abandonados e degradados É esse e não outro o problema. Daí
q lhe fuja a boca da pena para a verdade na frase a seguir: "É verdade q
há uma componente racial entre as causas e as manifestações de pobreza,
desigualdade e degradação social.". Mas a reparação já existe: chama-se
país, estado, electricidade, vacina, esperança de vida. Ou Ocidente.
AndradeQB, Porto, 16.06.2019: Ler ou ouvir o que António Barreto diz ajuda a
reconciliação com o país e os portugueses. É uma prova de que o copo não está
vazio e que podemos sempre tentar focar-nos na parte do seu conteúdo e não na
parte vazia.
Sandra, Lisboa 16.06.2019: Subscrevo o comentário do Andrade, tal como todo o
artigo, aliás. Gostaria que fosse uma opinião unânime, em prol da igualdade e
do bendito humanismo. Não acredito que o seja, não por discordância dos
discordantes, passe o pleonasmo, mas porque as "causas" dão de comer
a muita gente e a constatação do óbvio, para além de ser muito mais saudável e
construtiva, esbarra (ainda) com um imenso muro de resistência inconsequente e
contraproducente. Foquemo-nos no copo meio cheio, sim.
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