segunda-feira, 3 de junho de 2019

Verdades sobre a Europa e Cá por “Penates”, ou “por aqui é honra”



Dois textos bastante elucidativos, o primeiro, de Rui Ramos, sobre uma União Europeia em banho-maria dificilmente extinguível, para descanso nosso, o segundo, de Helena Garrido, sobre um governo exercendo os seus trejeitos de sedução sobre o público eleitor, com medidas de caridadezinha que nos regalam a alma mendicante, e que se revelam de trágicas consequências desgastantes, como os seus comentadores bem demonstram também.
Que há para discutir sobre a Europa? /premium
OBSERVADOR, 14/5/2019
O ponto mais importante destas eleições europeias é que até os principais "populistas" são hoje europeístas. Não há alternativa à UE, e portanto também não há qualquer discussão europeia.
O regime tem algumas coisas comovedoras. Uma delas é o esforço que todos fazem para disfarçar a verdadeira natureza das eleições para o parlamento europeu.  Aqui, como em outros países, não passam de uma grande sondagem de opinião em urna, num dia em que a maior parte dos eleitores tem mais que fazer. Porque é que deveria ser diferente? Trata-se de eleger uma assembleia cujo principal papel consiste em votar, de cinco em cinco anos, o executivo do que é, para todos os efeitos, uma união intergovernamental. Para dissimular isso, pede-se aos candidatos que discutam a Europa ou até mais rebuscadamente “ideias sobre a Europa”.
É um hábito sem sentido. Ficou dos anos 90, quando se preparava a integração monetária e toda a gente julgava que assistia ao parto dos Estados Unidos da Europa. Ainda talvez parecesse fazer sentido no princípio desta década, durante a crise do euro, quando, pelo contrário, muita gente achou que era chique acreditar no fim da União Europeia. Desde então, porém, não é fácil justificá-lo.
Basta olhar para os “populistas”, de que a imprensa agora abusa desesperadamente para dar algum interesse às eleições europeias. Há uns anos, a antiga Frente Nacional, em França, o Syriza, na Grécia, ou o 5 Estrelas e a Liga Norte, na Itália, ainda talvez pudessem passar por anti-europeus. Renegavam o Euro, contestavam as regras, exigiam fronteiras. Que vimos, entretanto? O Syriza, que em 2015 organizou um referendo contra a recusa dos outros europeus lhe emprestarem dinheiro sem condições,  até já é elogiado no Economist. Na Itália, o 5 Estrelas e a Liga Norte prometeram ferro e fogo contra as restrições orçamentais, para actualmente serem mais cumpridores do que Macron. Em França, Marine Le Pen trocou o  “Frexit” pelo “governo da moeda única”, como se fosse uma comissária europeia. Os grandes eurocépticos parecem hoje euroconformados. Porquê? Porque estão no governo, como o Syriza, o 5 Estrelas e a Liga Norte, ou porque ainda esperam lá chegar, como Le Pen. O mesmo se poderia dizer do nosso eurocepticismo doméstico. Há quatro anos que BE e PCP estão esquecidos das “saídas” e “rupturas” que outrora os deixavam tão excitados. A UE mudou? Não, apenas houve a geringonça.
É sabido que os europeus ficam mais europeístas quando as economias crescem, o que tem sido o caso ultimamente. Mas talvez tenham entretanto descoberto outra coisa: que nenhum país, até ver, tem meios para organizar uma saída ordenada da UE. Viu-se isso na Grécia, em 2015, quando o Syriza preferiu a humilhação de esquecer o referendo, a sofrer o drama argentino de um novo dracma. E está-se a ver isso agora no Reino Unido, onde a elite política, depois do referendo de 2016, já concordou que não sairá da UE sem ficar com um pé lá dentro: “brexit in name only”, como diz o ex-governador do Banco de Inglaterra. Na UE, não é fácil entrar, como os portugueses aprenderam durante quase dez anos de espera, mas é ainda mais difícil sair. Não porque o Tratado de Lisboa não tenha o artigo 50. Mas porque o que a UE representa — um dos maiores mercados do mundo e, para quem está no Euro sob o guarda-chuva do BCE, uma fortaleza contra os mercados de capitais — não tem alternativa. Fora da UE, a maior parte dos Estados europeus teria provavelmente de renunciar ao seu modelo social — ou aceitar a degradação dos seus níveis de vida.
É difícil imaginar mais integração europeia, e é difícil querer menos. Que há então para discutir? Talvez isto: as razões pelas quais as democracias europeias tentaram e conseguiram, através da integração internacional, colocar as suas estruturas internas para além de qualquer debate. Foi uma ideia americana no primeiro pós-guerra, em 1919, como sugere Adam Tooze em The Deluge. Não se fez então. Fez-se agora.
A austeridade pelo racionamento /premium
OBSERVADOR, 3/6/2019
Caos nos transportes, filas intermináveis em serviços públicos e listas de espera ou condições degradadas no SNS. São reflexos das escolhas políticas do Governo. Como agora reconhece António Costa.
“A prioridade desta legislatura foi, obviamente, fazer a recuperação de direitos [e rendimentos]”, disse o primeiro-ministro na Comissão Política nacional do PS e aqui citado pelo Expresso (para assinantes). Promete, até ao fim da legislatura, dar resposta a “um conjunto de serviços cujo funcionamento deficiente não é aceitável”, nomeadamente os “transportes públicos, Serviço Nacional de Saúde ou prestação de serviços básicos como a emissão de cartões de cidadão e passaportes.” E na sexta-feira, o Governo, pela voz do ministro Pedro Nuno Santos, pediu desculpas aos passageiros de transportes públicos.
Aquilo a que estamos a assistir hoje é a consequência de escolhas que o Governo fez. E que o próprio Governo agora reconhece: deu prioridade à “recuperação dos direitos” à custa da degradação de outros direitos. Os universos podem não ser os mesmos. Uns suportaram apenas a factura escondida de uma acelerada recuperação dos rendimentos dos que são pagos pelo Estado. Os efeitos dessas opções a médio prazo mereceram neste espaço vários alertas. Há medidas que têm custos escondidos que se reflectem mais cedo ou mais tarde. O momento chegou, de pagar a factura dessas escolhas, como em 2011 chegou o tempo de pagar os excessos de uma década anterior.
A capacidade política de António Costa impede que esses custos, de degradação dos serviços públicos, tenham efeitos eleitorais. Esta foi uma legislatura de segmentação muito racional do eleitorado. Não se promoveu o interesse público, mas actuou-se em segmentos de mercado eleitoral relevantes para garantir a conquista e manutenção no poder. Se somarmos os funcionários públicos e os pensionistas – com especial relevo para os das pensões mais elevadas –, verificamos que a prioridade à recuperação dos rendimentos é a estratégia vencedora de eleições. Tem um custo, claro, que neste momento é impossível de desmentir. E o que faz um Governo politicamente inteligente? Reconhece o custo que há muito sabia que existia, pede desculpa e garante que as próximas prioridades serão esses problemas.
Porque é que não se gera uma onda de revolta e irritação contra o Governo? Boa parte das pessoas, que hoje são vítimas da confusão nos transportes na área metropolitana de Lisboa, são as mesmas que recuperaram rendimentos ou viram o seu horário de trabalho reduzir-se. Hoje pagam isso com a degradação dos serviços públicos, mas já ganharam alguma coisa. Piores estão os que não ganharam nada, mas esses não têm uma voz que se oiça, nos partidos que suportam o Governo ou na rua. Todos ficámos pior, mas uns ficaram menos mal do que outros.
Veja-se o caso da acentuada redução do preço dos transportes públicos. Primeiro, é praticamente impossível criticar uma medida destas quando ela é anunciada. Tem todos os ingredientes políticos para receber a aprovação do povo: é amiga do ambiente e aumenta o poder de compra das famílias. Parece um almoço grátis, uma vez que não se aumentou a oferta de transportes públicos e o custo, que se diz a medida ter, parece despiciendo face aos seus benefícios.
Onde está a factura? A prazo veremos se não estará no não pagamentos às empresas de transporte. No imediato, o custo está na degradação das condições em que as pessoas viajam. Todos pouparam dinheiro – os que já andavam de transportes públicos e os que iam de carro. Mas agora viajam de pé ou têm de sair mais cedo de casa para chegarem a horas ao trabalho. Ou ainda, em alguns casos mais graves como a travessia do Tejo, nunca sabem se vão ter barco. O significativo desconto no preço dos passes sociais está a ser pago com tempo e piores condições de transporte. Já devíamos ter aprendido que não há almoços grátis ou, seguindo o ditado popular, “quando a esmola é muita, o pobre deve desconfiar”.
Mas enquanto nos transportes quem paga o preço é quem teve o benefício, há outros casos em que não é assim. É por exemplo o caso da redução do horário de trabalho dos funcionários públicos.
A redução do horário de 40 para 35 horas semanais corresponde a um aumento salarial implícito de 12,5%, financeiramente incomportável. Mas como não se paga (pelo menos em grande parte) com dinheiro, o Governo pode ser generoso. Quem paga então esse aumento de 12,5%? Parte está na subida das despesas com pessoal do Estado – a parcela que custou dinheiro –, mas a maior parte é paga com o tempo de quem precisa dos serviços públicos. Ou seja, estamos perante uma espécie de racionamento.
As filas de espera para tirar o cartão do cidadão ou o passaporte são a face visível desses custos. Mas a mais grave é a que não se vê: as listas de espera na saúde e a degradação dos serviços de saúde. É aliás lamentável que as preocupações com o sector da saúde se concentrem no tema da gestão privada versus pública, em vez de se focar na prestação dos cuidados de saúde.
Todos sabíamos que não havia dinheiro para dar tudo aquilo que o Governo se comprometeu a dar — e deu – desde o início da legislatura. O Governo também sabia que não havia esse dinheiro. A restrição financeira foi resolvida com uma travagem no investimento público e com a degradação dos serviços públicos. Uma escolha que estava longe de se pensar que seria feita por um Governo dito de esquerda e suportado por partidos de esquerda.
As escolhas políticas do Governo, estando a produzir resultados eleitorais, revelam pelo menos a preferência dos portugueses por uma austeridade pelo racionamento.
COMENTÁRIOS:
Pérolas a porcos: Eu diria que é antes um caso de "AUSTERIDADE PELA NACIONALIZAÇÃO", porque foi assim que tudo COMEÇOU, e CONTINUA. 21.11.2016: "O Governo passa a gestão da Carris para a Câmara de Lisboa e entrega ao Estado a dívida histórica da empresa, que em 2014 ascendeu a 813,2 milhões de euros" 3.6.2019: "De acordo com a Conta Geral do Estado, divulgada no mês passado, pode dizer-se que algumas dívidas têm vindo a cair, mas nem sempre tanto quanto seria desejável. O Metro do Porto, por exemplo, era a segunda empresa mais endividada, com 3 615 milhões de euros. Isto porque o primeiro lugar estava entregue à Infraestruturas de Portugal, que, apesar de ter reduzido em 54 milhões o endividamento, continuava com uma dívida de 8 289 milhões. Em termos globais, pode dizer-se que o ano passado ficou marcado por um decréscimo do endividamento (-5,1%) em relação aos valores registados em 2016. Mas, ainda assim, com uma factura a ascender a 24 290,7 milhões de euros. Os dados da Conta Geral do Estado mostram ainda que o Estado injectou, em 2017, 2 428 milhões de euros no capital as empresas públicas. A maior injecção foi para a Infraestruturas de Portugal (880 milhões). Seguiu-se a CP, com 516, 4 milhões. O Metropolitano de Lisboa recebeu 192,1 milhões.O Ministério das Finanças sublinhou esta semana que o défice orçamental melhorou 1,1 mil milhões de euros até julho deste ano. E, segundo o gabinete de Mário Centeno, importa salientar que se registou uma melhoria do saldo global, explicada “por um crescimento da receita (5,3%), superior ao aumento da despesa (2,5%)” A justificar este crescimento significativo da despesa estão as empresas de transportes públicos, nomeadamente, a Infraestruturas de Portugal (+9,2% ) e a CP (+4,9%). VEJAM BEM, O QUE SÃO AS CONTAS DO TRAPALHÃO DO CENTENO!!!
Antonio Sousa Branco: "Todos sabíamos que não havia dinheiro para dar tudo aquilo que o Governo se comprometeu a dar — e deu – desde o início da legislatura". Não é verdade. Durante muito tempo, salvo raríssimas excepções, foi alimentada a "narrativa do fim da austeridade", apoiada por quase todos (com um peso esmagador na Comunicação Social), que viam em António Costa o hábil, o genial, o homem que pôs fim às malfeitorias da troika e de Passos Coelho. Agora, não chorem perante o caos que se instalou em tudo o que depende do Estado, SNS,  transportes,  atrasos nas pensões, até ao terceiro-mundismo das filas e dos meses de espera para renovar o passaporte ou o cartão do cidadão. Temos e vamos continuar a ter, exactamente o que merecemos.  
Paulo Silva: Austeridade sem e com anestesia...: Caso Passos Coelho tivesse tido a possibilidade de realizar esta política durante a troika, concentrar o controlo do défice nas cativações do investimento público em vez dos rendimentos das famílias, seria linchado na praça pública como "inimigo do serviço público número um" pelos inimigos das privatizações. Por alguma razão inexplicável os media estão tomados pela esquerda. Dr. Costa, o habilidoso, foi esperto ao perceber que os portugueses depois do tratamento a sangue frio da troika pouco se importariam com os serviços. Pelo menos num primeiro momento. Queriam era o seu dinheiro de bolso de volta. Uns míseros euros e ficaram satisfeitos… (reflexo deste triste país, pode dar-se um o desconto pelos baixos salários, mas não é só, como referido acima)… As cativações foram o algodão anestesiante para o “ir além do défice”. Mas a anestesia não dura para sempre. Se a conjuntura não continuar a ajudar como até aqui, Costa vai ter sérios problemas para aliviar o regresso da dor… Nessa altura a quem pedirá ajuda?... Ou melhor, quem irá culpar?...

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