domingo, 23 de junho de 2019

Impotência



Chuvisca nesta última manhã em Lafões, em que, da janela de prazer e de insónia - prazer porque se revivem gostos e paisagens de tempos escoados, insónia porque se extinguiram os motivos desses gostos - já da infância, com a nossa mãe que acolhera em sua casa a nossa prima, e menos recuadamente, por imposições da História, com esses primos – a mesma e o marido – e mais tarde apenas ela – com quem belos passeios demos nesta zona de Lafões e arredores.
Tudo se foi indo, e chegou a vez dela, da nossa querida prima, atirada para um lar como sempre temera, que visitamos anualmente, em viagem longa e dolorosa, ouvindo-a baixinho dizer, no seu protesto inútil, para a minha irmã: “É tão triste viver assim!”.
Foram três as visitas feitas, instaladas nós na mesma casa onde dormira a nossa mãe e nós próprias, na terra onde o galo canta altas horas da noite, e uma paisagem de sonho se avista nas faldas da serra da Gralheira, esta manhã encoberta, todavia pelo nevoeiro denso da chuva miudinha, que nos acompanhou no regresso a Lisboa.
Não, inútil suplicar a um Deus de misericórdia que devolva a minha prima à família, o seu fim está traçado. Como está o de todos esses sentados nos cadeirões sinistros onde as famílias os despejaram, a quem os afazeres ou as próprias incapacidades físicas forçaram a lançar para os cadeirões da senilidade ou da inércia anosa.
Inútil suplicar.


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