sábado, 15 de junho de 2019

Uma timidez bem lançada



Se a “peça” de Alberto Gonçalves me parece de superior calibre estrutural e analítico, com os condimentos habituais de um humor incomparável, reparo que os comentadores se atiram com arreganho a JMT, quase ignorando o texto de AG, só tendo esperado o seu sinal de partida para esfrangalharem aquele na sua “sabujice” de crítica e bajulação simultâneas, que lhes não escaparam como meio oportunista de ascensão pessoal. Tenho pena que assim seja. De facto, a satisfação infantil das referências pessoais cozinhadas com os argumentos democráticos da virtude, exigente de comedimento governativo, impróprios da solenidade do acto, e os demais motivos que AG salienta na sua crónica, retiram a JMT muito daquele prestígio de pessoa bem formada que nos apraz ler por vezes. No fundo, no fundo, a voz baixa em que o seu discurso foi proferido, denotaram alguma insegurança, no seu jogar à defesa e ao ataque, como ponto de partida, talvez, para novos desempenhos na sua carreira. Em todo o caso, pareceu ingenuidade, se não fatuidade.
Um discurso sobre a união do Estado /premium
OBSERVADOR, 15/6/2019
Não tenho a certeza de que proferir umas verdades na cara da “casta”, a convite desta, sirva para incomodá-la ou avalizá-la. Ignoro se a ligeira heresia de JMT ajudou a legitimar um regime medíocre.
Excepto por um almoço com vários comensais, há uma dúzia de anos, não conheço João Miguel Tavares (JMT). Sei quem é, e leio-o com frequência. Suponho que ele saiba quem sou. Para o caso, não importa. O caso é o discurso que JMT proferiu no Dez de Junho, a cuja comissão organizadora presidiu. Entre parêntesis, noto que, desde a origem, a data propicia sucessivos velórios institucionais que pretendem celebrar os “valores” da “pátria”. De acordo com as tutelas, os “valores” mudam. A “pátria”, cerimoniosa e balofa, é o que se arranja. Em 2019 não foi diferente.
Diferente foi o discurso, que por uma vez – que me recorde – suscitou resmas de comentários exaltados por esse país afora. E por uma vez – estou seguro – levou a que eu o ouvisse. A esquerda detestou o discurso e naturalmente concluiu que JMT é fascista. A “direita” dividiu-se nas apreciações e iniciou um fascinante debate sobre se JMT é um liberal sincero ou um socialista infiltrado. E eu achei o seguinte.
Em primeiro lugar, as coisas de que discordo de JMT. Discordo de JMT quando declara uma “honra” ser “o primeiro filho da democracia a presidir às comemorações do Dez de Junho”: no máximo, é um facto – até por aquilo que JMT acrescenta de seguida, não é uma “honra”. Discordo de JMT quando atribui a uma imaginária competência caseira o inegável desenvolvimento das últimas quatro décadas: em parte porque esse desenvolvimento já leva umas cinco décadas, em parte porque o dito apenas saiu da cepa torta, se saiu, a expensas do contribuinte alemão. Discordo de JMT quando afirma que “os portugueses” lutaram pela liberdade em 1974, e pela democracia em 1975, e pela integração na CEE, e pela “moeda única”: se alguns lutaram por essas maravilhas, demasiados lutaram, e continuam a lutar, contra elas. Discordo de JMT quando inverte a ordem dos factores e trata os seus compatriotas como vítimas de uma situação que os próprios alimentam: a apatia da população não é o resultado inocente de um “sistema” perverso, mas a subscrição activa, talvez entusiástica, do “sistema”, e o combustível necessário à perversão. Discordo de JMT quando afirma que “os portugueses são capazes de coisas extraordinárias desde que sintam que estão a fazê-las por um bem maior”: salvo em períodos ou culturas de fanatismo, ou a troco de boa remuneração, ninguém, nem os portugueses nem os suecos nem os micronésios, faz seja o que for de extraordinário por razões que transcendam a dimensão individual ou, em sentido lato, familiar. E discordo profundamente de JMT quando pede aos políticos que a) nos proponham um caminho; b) “nos dêem alguma coisa em que acreditar” e c) “ofereçam um objectivo claro à comunidade que lideram”: 300 mil caracteres não chegariam para enumerar as minhas objecções à dependência de políticos, para proporem caminhos ou estrelarem um ovo.
Em segundo lugar, as coisas com que concordo com JMT, no fundo as decisivas. JMT lembra as três bancarrotas historicamente recentes, a corrupção, o compadrio, os privilégios, a rigidez “laboral” e a redução do cidadão a um pagador de impostos. É notável, e pouco comum, que o lembre naquele contexto.
Em terceiro lugar, as coisas de que não tenho a certeza. Não tenho a certeza de que proferir umas verdades na cara da “casta”, a convite desta, sirva para incomodá-la ou avalizá-la. Por outras palavras: o discurso de JMT provocou uma pequenina e agradável tremura na “casta” ou contribuiu para a ilusão de uma pluralidade que o regime é sofrível a simular e péssimo a garantir? As criaturas que mandam nisto, e que JMT toma apressadamente por “elites”, não possuem muitas habilidades. Possuem, porém, a habilidade de prevenir engulhos inconvenientes e suprimir argumentos que não lhes convêm, leia-se se as criaturas não quisessem o discurso e o autor, o discurso e o autor não aconteceriam. Enquanto denunciava vergonhas, de resto, JMT apresentou-se a título de exemplo de alguém que “subiu na vida” e “chegou até aqui”, ou ali, a partilhar o palco com os representantes supremos das vergonhas denunciadas. Ignoro se a ligeira heresia de JMT ajudou a legitimar um regime medíocre. Na opinião de JMT, o regime medíocre parece legitimar JMT.
Por fim, as coisas de que tenho a certeza. Tenho a certeza de que nunca me fariam um convite assim. Tenho a certeza de que, se o fizessem, eu não o aceitaria. Tenho a certeza de que, se o aceitasse, os meus familiares próximos estranhariam tanto que me internariam numa ala psiquiátrica. Tenho a certeza de que, internado, o futuro lá dentro se mostraria mais prometedor do que cá fora, em Portalegre, onde na segunda-feira uma gente sem predicados se abrigou do sol para homenagear o país que conquistou graças à nossa abdicação. Tenho a certeza de que “eles” não merecem o convívio de pessoas civilizadas e “nós”, que não os evitamos o suficiente, os merecemos a “eles”.

COMENTÁRIOS
Stra. Anabela Faísca: Todos os escândalos do atual governo seriam insuportáveis para os portugueses. Agora, dão-lhe a liderança nas sondagens. Manipulação? Adesão acrítica à esquerda e suas políticas kafkianas? Ou a perda da esperança e submissão? Perdemos uma oportunidade para retirar definitivamente do poder quem o sequestrou desde o 25 de Abril e em castas familiares e partidárias o controla cada vez mais. Quando penso que as reformas que PPC estava corajosamente a realizar no país, nos tiravam progressivamente do atraso crónico e davam efectivamente oportunidades a quem tinha capacidade para criar empresas, inovar, competir e uma maioria de portugueses votou à esquerda porque acharam que algumas perdas em salários e regalias no presente mereciam vingança, embora o crescimento económico deixasse entrever que no futuro iriam recuperar rendimento e surgiriam mais oportunidades de emprego e melhores salários, penso que de facto a maioria dos portugueses pensa pequenino, fala mal dos políticos mas não tem a dimensão moral para aceitar perdas no presente em troca de benefícios no futuro. Nem com as bancarrotas aprende.
Alexandre Barreira: ...ó AG....assim  não.....isto não  se faz nem ao "melhor" amigo.....então agora estás com os "azeites"......?!.......por favor deixa  o "rapaz" em paz......ainda  não reparaste que o JMT também anda à "cata".....da "lata-de-chouriços"....?!.......vê lá.....cuidadinho com a "careca".......!!!!
Mosava Ickx: Em primeiro lugar? Em primeiro lugar, basta lembrar-se do Marcelo Caetano, e está tudo dito a esse respeito.
Em segundo lugar, o que está à vista, inegável, notável e pouco comum naquele contexto, mas...
Mas em terceiro lugar, não tenho a certeza que o autor e o discurso não tinham sido previamente  estudados, dissecados e aprovados pela casta em mais um jogo de propaganda eleitoral retorcida afim de provar a "boa qualidade" de uma "verdadeira democracia", em que podemos confiar e dizer tudo a todos sem consequência! 
Aproveitem, que isso vai ser cada vez mais raro.
Zacarias Pançudo: Vai ser preciso criar uma página de desambiguação na Wikipédia para " Rafeiro Alentejano", com duas hiperligações, uma que direccione para uma raça de cães, outra que direccione para JMT.
Ahfan Neca: Gostei, para não variar. E concordo com o "acho bem que nos evitemos" do AG em relação à cambada política. Aquela do JMT pedir a estes trastes que nos dêem uma razão de ser, um destino, uma vontade mobilizadora é mesmo para rir do incauto ou chorar do ingénuo.
Zacarias Pançudo > Ahfan Neca: JMT é o sabujo por antonomásia. Ladra, ladra, mas vai comer à mão do dono e dá a patinha.
Ruik Krull: CASTA, eu prefiro chamar-lhes Suinicultura Súcia-Lista
Zacarias Pançudo: Dizia o biltre que precisamos de menos Lusíadas. É isso possível? Hoje em dia ninguém sabe o que são os Lusíadas! O que precisamos é de Lusíadas de manhã, à tarde, à noite e a cada ida à retrete; precisamos de redescobrir a identidade portuguesa forjada na luta contra os sarracenos da Errada Seita. CONTRA O ISLÃO, LUSÍADAS, CHOURIÇA E GARRAFÃO! VIVA PORTUGAL! JMT é um crítico homeopático. Critica em pequenas doses para reforçar a imunidade dos donos que lhe dão de comer. Já quando se trata do cidadão de base, ferra com os dentes todos, a matar. Por isso é que ele quer introduzir o ensino do crioulo, para disromper de vez o pouco que resta da língua portuguesa, língua que, de resto, nem ele nem os donos dele falam. Esses só falam globish. Pole position!

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