domingo, 2 de junho de 2019

A ver vamos

Extraordinário este recuo no tempo, perpetrado por Salles da Fonseca, que começa por um sussurrar macio de evocações autobiográficas reivindicativas de responsabilidade na criação do “homem novo”, mais aberto à Humanidade e aos conceitos de igualdade e fraternidade que a cultura ocidental há muito que protagonizava, e que com bravura e severidade de uma lógica simples e directa, vai revelando criticamente como, não fora o volte face que alguns corajosos entenderam, por bem, estabelecer, seríamos hoje um pobre país violentado pela ditadura comunista. Salles da Fonseca atribui o mérito a Mário Soares, talvez tenha razão. Eu não esqueço o papel de Ramalho Eanes, para mim, o verdadeiro salvador da pátria, o homem certo na hora certa. Vejo Mário Soares como espécie de Príncipe Feliz, rodeado de glória cortesã, que colheu os primeiros frutos – e os últimos, afinal, pois que rapidamente foram esbanjados os que pertenciam ao país da ditadura, os seguintes sendo retirados dos empréstimos que uma Europa Unida nos abonou, a dar a mão até ver. O certo é que já não temos um Eanes (na reforma), que impeça o resvalar para os arranjinhos de esquerda, em que António Costa se não importaria de nos fazer mergulhar, não fora a necessidade da esmola ocidental. Até ver.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 02.06.19
 Sabedoria - característica de uma pessoa sábia, com um conhecimento extenso de várias coisas, instruída, que tem senso comum e se comporta conformemente ao que a sociedade dela espera. [i]  * * *
Da vulgata dos ditos populares, extraio que «viver não custa, o que custa é saber viver».
Mais rebuscadamente, diz-se que, quando não se pode discutir uma situação, a sabedoria aconselha a extrair dela o melhor partido possível.   * * *
Era a débâcle, chegara a hora de mostrarmos se éramos dignos do epíteto grego, era agora ou nunca que mostraríamos se tínhamos ou não sabedoria e se ela serviria ao cenário da sovietização de Lisboa. Ainda a palavra não estava no nosso léxico mas o stress já por cá andava aos gritos dos funcionários do Partido Comunista trajando à proletária, ao sequestro da Assembleia da República lembrando o incêndio do Reichstag e equivalente significado político, a ditadura, a reivindicação da unicidade sindical, as nacionalizações sequentes as inventonas sobre inventonas, o aviltamento dos valores burgueses, a glória dos do proletariado, o nivelamento por baixo naquilo a que só os comunistas chamam «democracia». Tudo, com o apoio duma facção militar em que uns tantos não queriam reconhecer que tinham cavado a tumba da Nação e por outros que estavam mesmo convencidos da validade da traição. Os dessa facção ainda hoje, passados 40 e tal anos, continuam a não perceber que a alternativa era a de se considerarem traidores ou marionetas - mas é claro que ainda estão a tempo de fazerem a opção que melhor lhes sirva. E não venham para cá com a desculpa de que tinham que assumir a missão que cabia aos políticos encontrando uma solução para o problema colonial porque era sabido que essa discussão estava em curso à escala nacional dentro e fora dos círculos oficiais. Simplesmente, o golpe de Estado comunista não era compatível com essa espera, havia que precipitar os acontecimentos e foi isso que essa facção fez. E não venham também com essas loas da «liberdade, liberdade» porque ao 25 de Abril de 1974 a liberdade conquistada foi a que os comunistas adquiriram para poderem mandar prender quem se lhes opunha.
A liberdade, essa sim, é um conceito unicitário mas só chegou a Portugal em 25 de Novambro de 1975 depois da facção dos traidores ter sido neutralizada por militares não traidores nem imbecis e depois de nós, os burgueses cosmopolitas, termos assumido que não nos competia temer.
Este avanço para a luta política foi a primeira prova da nossa sabedoria não olhando a pormenores e juntando-nos todos do lado ocidental da barricada da Democracia; os detalhes ficariam para quando Portugal estivesse a salvo da garra soviética. E foi em torno de Mário Soares que fizemos frente à opressão e a vencemos.
Mário Soares poderá ter tido muitos pontos de vista diferentes de muitos de nós mas que ninguém lhe negue esta «paternidade da Democracia» em Portugal. Nós demos a presença do corpo mas foi ele que deu a cara.
Mesmo assim, a sabedoria continuaria à prova…
(continua)
Maio de 2019
Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIOS
Henrique Salles da Fonseca, 02.06.2019 : Gostei muito do texto. Parabéns. António Souza Cardozo
Francisco G. de Amorim 02.06.2019:Parece que agora, em Portugal, a Liberdade é para roubar o erário público! Vamos de mal a pior, por toda a parte.
Henrique Salles da Fonseca, 02.06.2019:Henrique, é um grande gosto e prazer chegarmos aqui aos 74 anos e trocar ideias e prosseguir e contribuir para a história do mundo. Tu fazes isso. Gosto muito de ler os textos escritos resultantes de muitas experiências. Isabel O'Sullivan Lopes da Silva

Adriano Lima, 02.06.2019: Gostei de ler e em particular registo a referência ao Mário Soares como o "pai da democracia". Há quem pense, por mera questão partidária, que essa paternidade deve ser partilhada com Sá Carneiro. Mas essa pretensão não tem qualquer fundamento.



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