quarta-feira, 19 de junho de 2019

Episódios do nosso efémero nacional



João Miguel Tavares, convidado pelo nosso PR, foi o discursador oficial do Dia 10 de Junho, transferindo para a suposta solenidade do “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesasa ligeireza de uma subjectividade que, se assenta bem no jornalista crítico que nos habituámos a ler com agrado, nas suas reflexões denunciantes de uma formação moral que se expõe, em corajoso combate – temperado, é certo, do “savoir faire” necessário a um cidadão de uma nova geração de cidadania ideológica que naturalmente abraçou, como jovem que é – parece menos aceitável nessa fuga aos parâmetros de solenidade a que os oradores seus antecessores não deixaram de obedecer convencionalmente, com a mestria requerida. Houve muitos que o condenaram. Mas outros o defenderam com entusiasmo e carinho. Esperamos que tenha terminado.
I – OPINIÃO: Três coisas que eu não disse no 10 de Junho
Se querem um programa de governo, vão falar com António Costa. A minha profissão é outra. Chama-se jornalismo. E faz muita falta ao país.
JOÃO MIGUEL TAVARES              PÚBLICO, 15 de Junho de 2019
Os escritores costumam dizer que os livros deixam de ser deles quando chegam às mãos dos leitores, ganhando vida própria. Em obras de ficção, isso é verdade. Só que um discurso do 10 de Junho não é um romance – é suposto que aquilo que o autor quis dizer seja aquilo que ele disse. Se não for, das duas, uma: ou o autor não se soube explicar, ou os ouvintes não quiseram perceber.
Felizmente, pelas reacções calorosas de milhares de pessoas anónimas, a esmagadora maioria dos portugueses percebeu perfeitamente o que eu quis dizer, e estou grato por isso. É muito compensador ouvir tantas pessoas da minha geração declararem que a minha história foi também a sua história, e a dizerem-se representados no Dia de Portugal. Mas houve, como sempre há, uma pequena minoria que, por não me suportar, fez acusações delirantes (incluindo esta: o discurso foi “salazarista”); outra que não percebeu que a referência ao “nós” e ao “eles” era a descrição de um sentimento real, mas que eu considero nada ter de positivo; outra ainda que achou que o título “dêem-nos alguma coisa em que acreditar” era uma forma de pedir ao Estado para definir os nossos sonhos e ser papá de todos nós – o que é um absurdo tendo em conta aquilo que sempre escrevi neste jornal.
Não era nada disso: foi a forma de reclamar uma estratégia nacional que vá além da mera gestão do dia-a-dia. Tudo precisa de ter objectivos e rumo – seja um indivíduo, seja uma família, seja uma empresa, seja um país. Para quem acredita na existência de vida colectiva, e não só da vida individual, é evidente que a colectividade precisa de saber porque é que está a lutar e a esforçar-se todos os dias.
Mas a crítica mais curiosa foi aquela em que fui acusado de ter denunciado os problemas do país mas ter sido omisso quanto à forma de os ultrapassar; ou seja, de não explicar o que fazer para mudar o estado de coisas. Foi Daniel Oliveira quem estruturou essa crítica de forma mais completa, num texto que publicou no Expresso Diário (“O aplauso fácil para uma ‘pessoa comum”), no qual, após afirmar que o meu discurso não passou “da enunciação genérica do valor da igualdade de oportunidades”, diz que subscreve tudo o que eu disse, mas que “isso é totalmente indiferente”: “Porque é quando se responde ao ‘como’ que começa a política.”
Devo dizer que concordo totalmente com Daniel Oliveira. É quando se responde ao “como” que começa a política. E a diferença entre nós os dois é essa: eu, ao contrário do Daniel Oliveira, não faço política. Eu escrevo sobre política. Eu falo sobre política. Eu critico políticos. Mas eu não faço política. Certamente que não escondo o meu posicionamento ideológico, e com certeza que dou palpites sobre o que devem ser as prioridades do país. Mas nunca fiz, não faço e não creio que venha a fazer “política”. O que eu faço, com muito orgulho, é jornalismo. Não no sentido estrito do termo, de dar notícias e saber o que diz A e o que diz B, mas no sentido geral, de contribuir de forma independente para uma compreensão do país, oferecendo chaves de interpretação úteis a quem me lê e a quem me ouve.
Foi isso que fiz no discurso do 10 de Junho. Nem mais, nem menos do que isso. Há demasiada gente em Portugal a desmerecer esta nobre actividade, reclamando para si próprio o papel de pitonisa de São Bento. Não sou desses. Se querem um programa de governo, vão falar com António Costa. A minha profissão é outra. Chama-se jornalismo. E faz muita falta ao país.
COMENTÁRIOS:
Maria de Fátima Mendes: JMT Com a comemoração do 10 de Junho na “minha cidade” ouvi assombrada o teu discurso… Nunca imaginei que o menino tímido, meu vizinho e que vivia no andar de cima viria a ser porta – voz de tudo o que esperava ouvir! O teu discurso foi um discurso do coração, foi uma conversa amassada em inteligência emocional, de verdadeira inteligência intrapessoal, aquela que está conectada com a condição do homem no mundo. Não foi um discurso com filiação política e se a comunicação não verbal não nos ilude, bastava fecharmos os olhos, e ouvir o tom, a cadência das palavras, a solenidade feita de simplicidade na evocação dos teus antepassados. Leio depois um conjunto de comentários de delapidação de um discurso tão elevado… será que para entender esses comentários, devo invocar a ultima palavra dos Eu estou-me a ____ ( pardon my french!) para o chapéu ideológico do discurso, se foi de direita? de esquerda ?….whatever.  Foi um discurso humano, e o humano é largamente superior ao politico e só quando entendermos esta hierarquização iremos perceber a profundidade, a pertinência, a dádiva, no sentido de mais do que a profissão te obriga a dar, do teu discurso. Também neste dia a minha mãe teve o microfone de um jornalista perfilado em frente e afirmou” Portalegre tem pobreza escondida, Portalegre não tem emprego para os jovens!!!”, se isto não fosse importante a linha editorial não o teria colocado no ar, concluo.. Perguntou: O que eu disse pareceu mal? - Mas é a verdade! - Não mãe, a tua opinião conta, tu contas! JMT porque tu contas, obrigada! 
Catarina Reis, 17.06.2019: João Miguel Tavares de jornalista tem muito pouco. A última coisa que um jornalista deve fazer é oferecer "chaves de interpretação".
claudia campos: S. João da Talha 17.06.2019: Ler este comentário com moderação: o meu sogro corria tudo à fogachada e tornava este país limpinho em 3 dias. E assim como ele, infelizmente pensa muita gente. Justamente por haver poíiticas dirigidas ao imediato, é facil surgirem Bolsonaros e afins. E concordo com JMT, nós cidadãos, envolvemo-nos votando, mas a direção política e soluções possíveis são dadas por quem está no parlamento.
OldVic, Música do dia: "Amorosa palomita" (Grupo Khanata) Liberdade para a Venezuela! 17.06.2019: “Daniel Oliveira […] diz que subscreve tudo o que eu disse, mas que ‘isso é totalmente indiferente’: ‘Porque é quando se responde ao “como” que começa a política’”: correndo o risco de ser injusto com Daniel Oliveira, cujo trabalho não conheço, e baseando-me apenas nesta afirmação, tenho que dizer que ela está errada. A definição dos objectivos duma sociedade nunca é “indiferente”, é indispensável. A política é a ferramenta para atingir esses objectivos, e é importante, mas sem objectivos, não passa de um jogo de cadeiras. Será Daniel Oliveira um daqueles comentadores que aplaudem (por exemplo) António Costa por ser um excelente político, mas deixa, em branco a qualidade da sua governação? Porque o objectivo nobre da política é melhorar o funcionamento da sociedade, não é ganhar eleições.
Jorge Sm, Portugal 16.06.2019: Daniel Oliveira foi certeiro. No discurso do 10-6, JMT apresentou-se falaciosamente como um "homem comum", que, evidentemente, não é (se fosse pelas origens, Cavaco, por ex., também seria um "homem comum"). E fala nas elites como se não pertencesse a elas, como todos sabemos que pertence. Um discurso que foi um exercício de hipocrisia. A que se junta hoje uma grande presunção: JMT acha que contribui "de forma independente para uma compreensão do país, oferecendo chaves de interpretação úteis" a quem o lê... 
Mario Coimbra, 16.06.2019: Não podia estar mais errado. Mas por outro lado a comentar JMT você não acerta uma.
Aónio Eliphis, Algures nos pólderes da ordem de Orange! 16.06.2019 : E já agora, o jornalismo que faz falta ao país, e já agora ao mundo, é o jornalismo factual e de investigação, e não o "jornalismo" opinativo e ideológico. Nesse ponto quer JMT quer Daniel Oliveira navegam no mesmo chiqueiro, na mesma vara argumentativa, cada um do lado respectivo da cerca. Não fizeram na vida outra coisa que não política desde que são famosos, mas agora querem-se esquivar ao fardo da terminologia pejorativa que a palavra acarreta.  Não faz Política? Só pode estar a gozar. Todos fazemos Política quando expressamos ideias e opiniões sobre o colectivo. E Daniel Oliveira tem razão, o discurso estava repleto de pathos e carecia de logos. Mas que esperar dos discursos destas efemérides?
Jorge Sm, Portugal, 16.06.2019: Faz parte dos populistas dizer que não fazem política, para se tentarem demarcar dos políticos.
Leitor Registado, Ando por aí 16.06.2019: Neste pais o que não faltam é temas que são tratados por modas e com a superficialidade habitual.....JMT, dedicou um artigo de opinião às algemas do Vara, lembram-se? Ele e todos os habituais comentadeiros profissionais! Tivemos Vara na AR, de fato e gravata sem algemas....Houve interesse em mostrar se ia de algemas? Não e ainda bem...esse tema já passou de moda...agora as galinhas andam à volta de outro milho qualquer.
JDF, Portugal 16.06.2019: Confesso que vejo nestes comentários diversas linhas de pensamento: positivos e não. Todos nós praticamos "fazer politica", mas não deixamos de ter sim é opinião ou escolhas politicas. Quem tem mais visibilidade (expressão nos meios de comunicação, profissão, etc) terá um maior alcance, dentro do qual o expressar opinião politica e o fazer politica se tornam duas coisas mais difusas entre si. Todos nós puxamos a brasa à sardinha ao mesmo assunto, argumento ou facto, e fazemos leitura que chegue de entrelinhas. Não está bem nem mal. Considerar que só a nossa leitura individual é que é a verdadeira verdade, isso sim, esta errado. Dentro da liberdade de expressão, falta-nos alocar parte dessa liberdade na compreensão de terceiros, que não o fazemos (e incluo-me nisso)!
II – OPINIÃO O lugar do padeiro é na padaria
A grande divisão da sociedade portuguesa não é entre esquerda e direita. É entre os “legítimos” e os “ilegítimos”.
LOÃO MIGUEL TAVARES                 PÚBLICO, 18 de Junho de 2019
Desculpem lá voltar ao tema, mas vocês já me conhecem: eu não resisto. Ao longo destes dias escutei críticas perfeitamente legítimas ao meu discurso do 10 de Junho (Rui Tavares e Daniel Oliveira, por exemplo), das quais discordo, mas que contribuem para a discussão e salubridade do espaço público português. Mas depois houve outro tipo de críticas, tão ad hominem e tão pedantes, que são importantes denunciar por aquilo que significam de sobranceria, preconceito e fobia social. Essas críticas vêm de gente que age como se fosse porteira de uma discoteca de meninos-bem, recusando entrada a quem não engraxa os sapatos no clube dos bons intelectuais portugueses. O lugar do padeiro — para citar uma inspirada frase de Inês Pedrosa — é na padaria.
Tais pessoas sentiram como uma afronta pessoal o facto de as minhas palavras terem sido tão partilhadas, da esquerda à direita, e concluíram que se elas chegaram ao “povo” só pode ter sido porque foram “populistas”. Não há pingo de mérito na escrita, nas ideias ou na retórica do discurso. Fernando Rosas chamou-me um “blogger qualquer” que cultiva o “populismo rasca” e que o Presidente transformou em “vigilante da consciência nacional”. Pedro Silva Pereira — esse, sim, um grande valor moral da pátria, de novo eurodeputado com imunidade parlamentar, com o qual Rosas coabita num programa de televisão sem quaisquer problemas, apesar de ter sido o homem de confiança de Sócrates anos a fio e de a sua mulher ter recebido 98 mil euros de uma empresa de Carlos Santos Silva — considerou que a minha escolha para presidir ao 10 de Junho foi um dos pontos “mais negativos” do mandato de Marcelo.
Pacheco Pereira iniciou a sua intervenção na Circulatura do Quadrado com um suspiro: “Há momentos da minha vida em que eu me sinto pedante; não consigo evitar.” Rui Vieira Nery congratulou-se por já ter avisado que o meu estilo não passava “de uma sebenta requentada de clichés neoliberais”. Irene Flunser Pimentel declarou no Facebook no dia 10: “Ai, vai ser tão bom remover hoje uma quantidade de gente de ‘amigo’ e ‘amiga’.” E quando lhe perguntaram se o critério para remover “amigos” era terem gostado do discurso “do Tavares”, ela respondeu: “Sim, vão corridos/as.” É extraordinário que uma mulher dedique tanto tempo da sua vida a estudar a PIDE para depois agir como uma pequena ditadora no Facebook.
E, claro, a cereja em cima do bolo foi a intervenção de Inês Pedrosa no programa O Último Apaga a Luz, onde 1) lastimou a ausência de um “filósofo” ou de um “escritor” no 10 de Junho; 2) afirmou que “é ofender o país todo chamar alguém” como eu para a tarefa; 3) garantiu ser “um gesto antidemocrático”; 4) declarou que “a democracia não é baralhar e fazer de conta que é tudo o mesmo”; e 5) concluiu que teria sido preferível chamar “o padeiro de Portalegre”.
Porque é que é tão importante dar conta destas reacções? Não é por masoquismo. É porque elas são oriundas da mesma linhagem preconceituosa que nunca perdoou a Cavaco Silva comer bolo-rei de boca aberta ou que chama “merceeiro” a Alexandre Soares dos Santos — e essa linhagem representa, de facto, o pior de Portugal. A grande divisão da sociedade portuguesa não é entre esquerda e direita. É entre os “legítimos” e os “ilegítimos”. Os porteiros do regime até aceitam a diversidade ideológica. O que eles não aceitam é quem acha “que é tudo o mesmo” — e que uma boleima alentejana possa ser mais útil ao país do que um romance de Inês Pedrosa.
COMENTÁRIOS:
publico1234567, E o lugar do cavalo é na estrebaria.
DCM charneca de Caparica: Poderes ocultos .// Há uns anos vi uma curtíssima metragem sobre as peripécias por que meia dúzia de pães passam desde as mãos do homem da massa (padeiro) até chegar à sumptuosa mesa de uma família rica. Não dá para aqui contar a história toda, só conto que se inicia numa padaria de aspecto sombrio onde um padeiro mal humorado (culpa da Inês e do miserável salário) com uma beata entre os lábios manipula a massa que mais tarde será transformada nos pãezinhos que após um longo percurso cheio de quedas e outros percalços vão parar à salva de prata usada pelo mordomo que de luvas impecavelmente brancas a levará à faustosa mesa onde os pãezinhos serão distribuídos elegantemente com uma pinça dourada.
Luís Campos: Tenho pena que o Eça de Queirós não possa comentar os comentários que fazem do teu discurso, a sério.
JDF, Portugal: Talvez matracar na mesma tecla chega a um ponto que não dá musica. O 10 de junho já foi, fiquei com a ideia de que falou-se bastante deste feriado face a outros anos, e foi sempre bom ver que discursos de não políticos ainda conseguem agitar águas. Não digo que o discurso tenha sido o indicado ou não, ou que há muito ou pouco valor para o escritor do mesmo. Mas já passou...
Macuti: JMT: não ligue a tão velhaca maledicência. São cães que ladram mas não mordem. Há uma maioria silenciosa que está ao seu lado.
Conde do Cruzeiro, Assinante: Permitiram este sem açaime.
Nuno Silva, 13:05: Pois há jornalistas versão comentadores que são tão populistas passistas desidratados, mas tão, que nem para lavar escadas serviam, quanto mais para discursar no 10 de junho. Sim, porque não são somente os filhos dos cabo-verdianos que lavam escadas. Também há muitos filhos de portugueses a lavar escadas em Portugal, e se os passistas ainda mandassem, até o salário mínimo lhes tiravam!!!
Carlos Félix, Oeiras / Beja 13:01: Leia-se para quem tenha a suficiente humildade, as respostas, no Público de hoje, da Vice-secretária-geral da ONU nomeadamente:”… acho que muita gente sente que o seu país os está a deixar para trás…. os governantes têm de perceber quem é o seu povo, e quais as suas aspirações … é preciso ouvir todos…”. Será “populismo onusiano” ou sabedoria face ao estado actual do mundo? A boleima é de Portalegre, não é? Obrigado por os dois belos discursos.
ICE Portugal, Lda, Parede: Aplauso para a escolha do PR ... Palmas para o discurso do JMT... Vómitos para os comentários invejosos dos portuguesitos travestidas de intelectuais, que já esgotaram o Xanax que havia nas farmácias.
Rebelde, Venezuela Livre: Pois.
Conde do Cruzeiro: Assinante: Mais outro, que veio vomitar o forum todo. Quem aprovou o comentário deve limpar o vomitado.
Rebelde, Venezuela Livre: JMT, você liga ao que diz a Inês Pedrosa? Vê-la no programa O Último Apaga a Luz é um acto de masoquismo. Nem português fala bem!
Novo Humbo, Ryugu: Dá-lhes, JMT. Cambada que se acha dona do único intelecto possível...

Nenhum comentário: