Continua-se a terçar armas a favor ou contra
JMT e, dado que a polémica surge clamorosa,
da parte de alguns comentadores que não aceitaram os pedantismos pretensamente
impregnados de seriedade mas que ressoam um tanto balofos, desses tais que Luís
Rosa acusa, eis mais um testemunho, este de Luís Rosa, que me parece convenientemente defendido, a merecer
destaque:
10 DE JUNHO: Por que razão
a esquerda tem medo dos “padeiros de Portalegre”? /premium
A narrativa anti-JMT refleCte bem a
arrogância social, cultural, política e ideológica da esquerda bem pensante.
Qualquer ideia diferente da sua é "populista", "anti-democrática"
e "fascizante".
1.
Como seria de esperar, a esquerda bem pensante assustou-se com o discurso de
João Miguel Tavares (JMT) no 10 de junho. Já não tinham gostado da sua nomeação
herege — um jornalista de Portalegre para falar nas cerimónias
que decorrem em Portalegre, realmente, não lembra ao diabo, só ao
Marcelo. Mas o que a esquerda não lhe perdoa mesmo é ter proferido um
discurso que foi elogiado de forma generalizada — da esquerda à direita, do
norte a sul, dos portugueses residentes aos emigrantes — por quem ouviu de boa
fé. Essa aceitação geral do discurso de JMT é o que dói mais a quem
pensa que tais elogios só devem (só podem!) estar destinados precisamente a
essa mesma esquerda que se julga dona e senhora da democracia.
Os
radicais da ala esquerda do PS, por exemplo, não perderam tempo e logo
inventaram a tese do “discurso salazarento”. Porfírio Silva, o secretário nacional do PS que gosta de fazer de
ideólogo daqueles radicais, foi rápido a lançar o mantra nas redes sociais de que o discurso de
JMT, ao fazer um resumo óbvio da
insatisfação dos cidadãos com os seus representantes políticos, fazia-lhe
lembrar “muito o salazarento partido dos que não gostavam de partidos, como o próprio
ditador [António Oliveira Salazar] dizia.” Pior: JMT esqueceu-se do que “os
políticos da democracia fizeram pelo país”.
Não
é de espantar que estes disparates fossem replicados por outras espécies de
bloquistas travestidos de socialistas que gozam da proteCção especial de
António Costa. (Aliás, basta
ouvir Francisco Louçã para
perceber que a cola que une os radicais da ala esquerda do PS ao BE é cada vez
mais sólida e robusta — pouco os distingue hoje em dia.)
Vamos
esquecer a tremenda desonestidade intelectual de Porfírio Silva ao criticar JMT por não ter elogiado os progressos
que a democracia trouxe a Portugal quando essa é precisamente a essência do
discurso do autor — que recorre à sua história pessoal para ilustrar tudo o que
o regime democrático fez por ele e por muitos como ele (como eu). E vamos
esquecer porque essa desonestidade intelectual é a marca de
água dos verdadeiros radicais.
Concentremo-nos
no essencial. A acreditar na tese de Porfírio Silva, a crise da democracia
representativa que se verifica um pouco por todo o mundo ocidental, com taxas
de abstenção elevadíssimas (veja-se o novo recorde
em Portugal nas europeias de maio) e um gap cada vez maior entre representantes
e representados, nada tem a ver com a classe política. Tal como o facto de
Portugal praticamente viver em estagnação económica desde 2000, com
taxas de crescimento baixas e um fosso cada vez maior entre o poder de compra
nacional e a média da União Europeia, também não é da responsabilidade de quem
nos governou deste então. Já sabemos que os socialistas gostam de culpar
terceiros pelos seus próprios erros, mas convém Porfírio Silva não exagerar,
sob pena de incorrer num outro mantra, esse sim verdadeiramente salazarista: se
a responsabilidade não é dos representantes, a culpa é toda da populaça que não
está preparada para a democracia.
2. A
minha reacção favorita, contudo, foi a da jornalista/escritora Inês
Pedrosa — uma distinta representante da esquerda
caviar que comenta (?) no canal público temas políticos no programa “O
Último Apaga a Luz” (RTP). Começando por criticar o“tom fascizante” de JMT
(por pedir à classe política um desígnio nacional para o país), Pedrosa
acrescentou outras considerações que merecem ser reproduzidas ipsis verbis:
“(…)
Aquele discurso deve ser feito por quem está habituado a pensar sobre o país
(…) É ofender o país todo, chamar alguém que não é adequado, cuja função não é
aquela [pensar sobre o país]. (…)”
“Ele
não é um escritor… Ele próprio [JMT] se assumiu, e bem, que foi chamado por ser
um homem comum”. “Essa ideia de se chamar um homem comum, então que chamassem o
melhor padeiro de Portalegre (…) Isto é populista e anti-democrático.”
Toda esta narrativa de Inês Pedrosa,
complementar à de Porfírio Silva, reflecte bem a arrogância social, cultural,
política e ideológica da esquerda bem pensante — que já tinha descrito aqui. Encarcerados
nos seus castelos do mundo cultural lisboeta, adulando o PS para que o
Ministério da Cultura continue a pingar os sempre necessários subsídios e para
que a comunicação social pública (RTP e RDP) lhes preste atenção, estes
intelectuais só admitem que um dos seus possa ser presidente da comissão de
festas do 10 de Junho. Qualquer outra ideia é “populista”, “anti-democrática” e
“fascizante”.
Os
caros leitores lembram-se de ter visto na RTP os cidadãos anónimos que estavam
a ouvir os discursos das cerimónias do 10 de junho? Para gente como a
jornalista/escritora Inês Pedrosa, o lugar do “homem comum”, vulgo “padeiro
de Portalegre”, é ali, de pé, a levar com o sol. É ali, junto dos seus
conterrâneos, que JMT devia estar. Porque esse é o lugar do homem comum: na
plateia, a ouvir os pensadores que “pensam continuamente o país” — e não a
falar.
Inês
Pedrosa reflete bem a hipocrisia da esquerda bem pensante. Dizem que lutam
por uma sociedade mais justa — mas defendem as desigualdades. Dizem que querem
que o Estado promova a igualdade de oportunidades — mas o que querem é
defender castas e ‘tratar da vidinha’ junto do Estado. E dizem-se republicanos
apologistas da social-democracia nórdica — mas mais parecem uma
pseudo-elite decadente de uma qualquer monarquia decrépita à espera de ser
derrubada.
Na
prática, a esquerda bem pensante despreza a base da pirâmide — que é, ironia
das ironias, a base de toda a sua narrativa.
3. O
que realmente enfureceu o PS e esta esquerda bem pensante foi o discurso sobre
o elevador social — e a necessidade de voltar a existir igualdade de
oportunidades como existiu durante os anos 80 e 90. É um facto que a democracia
e a entrada na CEE – Comunidade Económica Europeia (duas questões inseparáveis
uma da outra) contribuíram para um dos maiores períodos de progresso económico
e social do país. Mas também não é menos certo afirmar que estamos estagnados
economicamente desde 2001. Ou seja, a taxa de crescimento médio anual entre
2001 e 2018 foi de apenas cerca de 0,5%. Um
resultado miserável a que se junta um acentuar da perda do nosso poder de
compra face à média da União Europeia (UE) (76,6% contra 84% que atingimos em
1999), uma dívida pública que continua muito elevada (cerca de 121% do PIB) e
uma carga fiscal que aumentou para 35,4% do PIB em 2018. Já o desemprego jovem
(menos de 25 anos) atingiu qualquer coisa como os 20% do total dos
desempregados em 2018. É impossível que o elevador social de um país com
estes dados sócio-económico funcione adequadamente — e muito menos que o
progresso social e económico seja comparável com a períodos da entrada para a
CEE, com a adesão ao Mercado Único ou até mesmo com a entrada no Euro.
Infelizmente para Porfírio Silva e
Inês Pedrosa, só há uma forma de o elevador social voltar a funcionar: através
de um projecto global de reformas profundas da economia nacional para permita o
progresso económico e social do país.
Já
quanto às cerimónias do 10 de junho de próximo ano, o melhor é mesmo fazer como
o Estado Novo fazia: as cerimónias não devem (não podem!) sair de Lisboa
para que o presidente da comissão de festas seja sempre bem ‘apessoado’ e que,
pelo menos, saiba citar os clássicos gregos na ponta da língua e debitar o seu
amor pela filosofia de Rousseau e pelo génio literário de Proust e Baudelaire.
Só assim a ordem natural das coisas fica assegurada. Corrigido valor da taxa de desemprego jovem às 17h01m
COMENTÁRIOS
Carmo Matos: Não me parece que fosse a Esquerda que não gostou do
discurso de JMT, foi a atitude pacóvia e paternalista de uma elite citada no
discurso , de que Inês Pedrosa foi a representante mais disparatada , que se
acha a ÚNICA autorizada e apta a ser porta voz dos protestos e anseios da
Nação. Eu sou de Esquerda e adorei o discurso.
ortaguarras : Excelente artigo. Continue a denunciar o risco
ditatorial que Portugal vive hoje.
José Ramos: O charme discreto da esquerda bem-pensante - eles
chamam-lhe "ética republicana"; a tal "ética" dos
190km/hora e do "Ó sr. guarda desapareça!" - tem geralmente a
discrição de um elefante com cio. Quanto ao charme, estamos conversados. O
dr. Soares julgava-se Luís XIV, o dr. Louçã presume-se Robespierre e Inês
Pedrosa, coitada, é a Josefa d'Óbidos do Thermidor.
Paulo AlvesJosé Ramos: A dita "esquerda bem pensante" é-o
alegadamente. Na prática é intolerante e anti-Democrática, impedindo a
possibilidade de emergir qualquer contraditório, reagindo mal quando ele
ocorre. Esta é a realidade "Democrática" na "República
Democrática Portuguesa".Esta gente da "esquerda popular" tem
praticamente livre acesso aos meios de comunicação social, e não é por acaso.
Os outros, do universo da intelectualidade portuguesa mais à direita, ou mais
conservadora, não tem acesso fácil aos meios de comunicação social dita
pública.
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