sexta-feira, 7 de junho de 2019

Como uma mancha alastrando



Sempre o dinheiro, o poder económico, foi motivo de rixas no mundo e a própria Bíblia conta como primeiro crime entre humanos, na Terra, o assassínio de Abel às mãos de Caim por uma questão de herança. É Topaze, de Marcel Pagnol, uma comédia de fino humor que mostra a transformação gradual de um apagado e honesto professor primário num elegante e prevaricador homem de negócios, servilmente medalhado, no reconhecimento do seu zelo, quando deixara de o ter, ao entrar nos esquemas de corrupção que dantes abominara.
Tenho um livro – “Arte de Furtar” – hoje atribuído ao Padre Manuel da Costa, que nunca li na totalidade, apesar da admiração que sempre me causaram as passagens da sua crítica, lembrando Vieira, e sirvo-me, por comodidade, de transcrições da Internet para lhe definir o conteúdo:

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre:.«Na sua História da Literatura Portuguesa, António José Saraiva e Óscar Lopes destacam, na “Arte de Furtar", graça literária" e o alto "valor informativo", de que, segundo eles, só a Fastigímia de Tomé Pinheiro da Veiga se aproximaria no século XVII. A obra de Manuel da Costa, cuja autoria aceitam e corroboram, é para Saraiva e Lopes um depoimento literário muito completo da realidade social do tempo de D. João IV, em que "se espelham ao vivo todos os principais problemas em que se debatia a administração interna e todo o jogo das forças sociais" (idem). Destacam, ao lado da dimensão panfletária e crítica da obra, o "aspecto apologético, de claro apoio ao rei". Segundo eles, o livro conteria capítulos que "são autênticas súmulas para uso régio" (idem). Ao nível da descrição dos factos isolados e dos comportamentos sociais típicos, Saraiva e Lopes acham que o realismo da Arte de Furtar é imbatível, superando de muito o melhor dos Apólogos Dialogais (de Francisco Manuel de Melo), e acrescentam: "Possivelmente, nenhum panfleto da nossa literatura o iguala" (idem).»

Um excerto de “A ARTE DE FURTAR”(Wikipédia):
Sobre A POLÍTICA:
«Todos falam na política, muitos compõem livros dela, e no cabo nenhum a viu, nem sabe de que cor é. E atrevo-me a afirmar isto assim, porque, com eu ter poucos conhecimentos dela, sei que é uma má peça, e que a estimam e aplaudem, como se fora boa; o que não fariam bons entendimentos, se a conheceram de pais e avós, tais, que quem lhos souber, mal poderá ter por bom o fruto que nasceu de tão más plantas. E para que não nos detenhamos em coisa trilhada, é de saber que no tempo em que Herodes matou os inocentes, deu um catarro tão grande no Diabo, que o fez vomitar peçonha; e desta se gerou um monstro, assim como nascem ratos ex materia putridi, ao qual chamaram os críticos Razão de Estado. E esta senhora saiu tão presumida, que tratou de casar, e seu pai a desposou com um mancebo robusto e de más manhas, que havia por nome Amor Próprio, filho bastardo da primeira desobediência. De ambos nasceu uma filha a que chamaram Dona Política. Dotaram-na de sagacidade hereditária e modéstia postiça. Criou-se nas cortes de grandes príncipes, embrulhou-os a todos. Teve por aios o Maquiavelo, Pelágio, Calvino, Lutero e outros doutores desta qualidade, com cuja doutrina se fez tão viciosa, que dela nasceram todas as seitas e heresias que hoje abrasam o mundo. E eis aqui quem é a senhora Dona Política».

Transcrevo igualmente alguns expressivos títulos de capítulos, que parecem abrir portas à curiosidade dos leitores:
Capítulo I Como para furtar há arte, que é ciência verdadeira; IIComo a arte de furtar é muito nobre…. IVComo os maiores ladrões são os que têm por ofício livrar-nos de outros ladrões. LIV… – Dos que furtam com unhas invisíveis…. LIX – Dos que furtam com unhas corteses…..Capítulo LXX: Desengano geral a todas as unhasCONCLUSÂO FINAL e Remate do Desengano Verdadeiro

Muito há, neste livro curioso, que nos poderia servir de apoio justificativo da ira saliente nos breves capítulos onde Salles da Fonseca nos vai descobrindo a gradativa transformação da sociedade em que confiadamente acreditou, e cuja alternância de sucessivos governos no poder, se traduziu, nos tempos que passam, por um verdadeiro descalabro pela transparência de casos de corrupção, originadora do conceito de generalização a todos os membros de saliência no poder, do colectivo “corja”, que é, certamente, falso, mas que já Camilo e Eça descreviam, embora em diferentes perspectivas, de azedume ou troça.

O TEXTO DE S. F:
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÂO, 06.06.19
QUEM ANDA AÍ?
Depois de tanta manipulação de opiniões e de tantos actos sujeitos à investigação policial, a questão agora é a de saber como se pode confiar num político profissional. E a resposta é:
Não pode!
Culpemos o pós-modernismo, o agnosticismo, o hedonismo, o que cada um por aí mais encontrar nas prateleiras da erudição mas não se esqueça o Caro Leitor de também apontar o dedo à ganância dos gatunos.
Contudo, eu creio que a maioria da classe política é constituída por gente honrada mas basta uma nódoa para podermos dizer que o pano está sujo. E quando a comunicação social empola as notícias, nós, os eleitores consumidores da informação, somos induzidos à generalização da tragédia da corrupção e para nos convencermos de que político é corrupto por definição e que político sério é excepção. E não faltam aqueles imbecis proto-gatunos (ou amigos de gatunos encartados) a dizer estupidezes tão horríveis como «Ele rouba mas faz obra, voto nele». E quem diz uma barbaridade destas, continua a não ter o seu direito ao voto sacado sine die por incrível que pareça.
Assim, se eu estou pessoalmente convencido da honradez da generalidade dos políticos, o Sr. Zé da Rua que vê telejornais, garante a pés juntos que a realidade é negativa. E o meu frio positivismo derrete-se perante o calor da refrega contra o establishment. O que eu penso não interessa; o que interessa é a opinião do Sr. Zé da Rua.
Estará alguém por trás da comunicação social a manipular a informação para que o eleitor seja conduzido ao descrédito no sistema democrático?
Estará alguém por trás de não sei que bastidores a manipular não sei o quê para que a liberdade da imprensa seja questionada?
Estará alguém a tentar convencer-nos de que não temos maturidade para nos governarmos soberanamente pois somos uma corja de gatunos?
Meditemos…
(continua)
Junho de 2019
Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIO:
 Maria Botelho 06.06.: O meu acordo completo a que a desonestidade e as obras feitas são realidades impossíveis de emparelhar.

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