quinta-feira, 13 de junho de 2019

Páginas de muito saber



Parecem textos de diferente temática estes que seguem – de Alexandre Homem Cristo sobre o papel dos exames e o papel da Esquerda apoiante do Governo na sua extinção, de José Pacheco Pereira sobre a corrupção política do governo e os partidos, a que se acrescenta a boa fundamentação dos respectivos comentadores. Só me resta reler com apreço e dizer ámen com tristeza.
A pior decisão do Governo na Educação /premium
OBSERVADOR, 13/6/2019
Pense-se o que se quiser sobre o papel dos exames na educação. Mas é indiscutível que a ausência de escrutínio (com estas provas de aferição inúteis) prejudica o desenvolvimento do sistema educativo.
O maior erro do governo PS na Educação confirmou-se agora, mas começou a desenhar-se logo na sua primeira manhã de vida. Ainda o ministro não teria experimentado a secretária, já a maioria parlamentar de esquerda (por iniciativa do BE) aprovava a eliminação das provas finais do 1.º ciclo, aplicadas aos alunos do 4.º ano. O pior nem foi isso – apesar de ser lamentável esta forma de legislar por impulso, por preconceito ideológico, sem debate público e sem qualquer indicador comparado para justificar a decisão. O pior veio a seguir: um vazio de avaliação que converteu as extintas provas finais dos 1.º e 2.º ciclos em provas de aferição que, percebeu-se logo e agora confirmou-se, são uma completa inutilidade.
Recuemos na explicação: o problema nunca foi a adopção de provas de aferição (que não contam para a avaliação dos alunos), em detrimento de exames ou provas finais (que contam para a avaliação dos alunos). Isso é algo que, ao longo dos anos, tem acontecido entre mudanças de governos. O problema maior e inédito foi que as novas provas de aferição surgiram com características que destruíram o próprio conceito de avaliação. Primeiro, aplicaram-se em anos que não eram os de final de ciclo (2.º, 5.º e 8.º)e, portanto, impediram qualquer tipo de comparação com resultados anteriores, para identificar melhorias ou piorias. Segundo, aplicaram-se sucessivamente em disciplinas diferentes – impedindo, novamente, qualquer comparação entre anos de provas. E, terceiro, os resultados das provas não foram quantificados e publicados abertamente – impedindo, lá está, qualquer comparação entre resultados. Ou seja, a decisão do governo destruiu uma base de dados que, desde 2002, permitia a análise da evolução do sistema educativo, rompendo com um entendimento que atravessou PS, PSD e CDS – e atirando o sistema educativo para uma navegação às escuras, num completo obscurantismo educativo: sem evidências para guiar as políticas públicas.
Ora, para além do seu carácter nocivo ser evidente, a recente realização das provas de aferição confirmou a sua completa inutilidade para medir a evolução dos alunos. Repare-se neste exemplo, trazido por Paulo Guinote. Tendo sido avaliados no 5.º ano em 2016 a Português e Matemática, faria sentido que nas provas de aferição do 8.º ano, três anos depois (2019), se aferissem esses mesmos alunos nessas mesmas duas disciplinas – de modo a verificar se, entre o 5.º e o 8.º anos, os alunos haviam evidenciado uma evolução positiva na consolidação da sua aprendizagem nessas disciplinas. Não foi o que aconteceu. Em vez de Matemática, os alunos realizaram uma prova de aferição em História/Geografia que, em boa verdade, não permitirá qualquer tipo de avaliação (nem passada, nem futura) – constituindo, portanto, uma prova sem qualquer relevância.
Fazer da avaliação dos alunos um processo inútil, desconexo e burocraticamente “faz-de-conta” é uma irresponsabilidade. Nem que seja pelas razões mínimas: a ausência de informação sistematizada e comparável sobre os desempenhos dos alunos é crucial para a monitorização do sistema educativo e, sublinhe-se bem, para o acompanhamento da eficácia das políticas públicas implementadas. E é aqui que o cenário se agrava novamente: todas estas decisões coincidem no tempo com uma mudança estrutural do sistema educativo, que é a generalização da autonomia das escolas. Seja no âmbito da flexibilidade curricular (com gestão de 25% do currículo), seja na recém-anunciada nova geração dos “contratos de autonomia”, através dos quais as escolas poderão ir para além desses 25% de flexibilidade curricular, assim como apresentar “planos de inovação” para decidir sobre muitos outros aspectos da sua organização escolar e pedagógica. Ora, a questão não está nestes reforços da autonomia (que, por princípio, são positivos ao conceder às escolas maior poder de decisão). A questão é que, neste momento, no ensino básico, será praticamente impossível avaliar esta reforma: sem provas nem avaliações comparáveis, ninguém saberá realmente o que está a correr bem e o que deveria ser corrigido para correr melhor. Numa frase: o país ficará refém das versões do ministério e dos partidos, sem evidências que o público possa escrutinar.
Pense-se o que se quiser sobre o papel dos exames na educação. Mas é indiscutível que a ausência de escrutínio (através destas provas de aferição completamente inúteis) prejudica o desenvolvimento do sistema educativo. Foi por isso evidente, desde o primeiro minuto, o potencial destrutivo desta decisão do governo, cuja raiz está na maioria de esquerda no parlamento. Contudo, três anos passados sobre a existência do novo modelo de avaliação externa e das actuais provas de aferição, ainda restava uma pequena esperança que, afinal, alguma decisão se salvasse, que pelo menos as provas de aferição se comparassem de 3 em 3 anos (do 5.º para o 8.º ano), no fundo que a coisa não fosse assim tão má. Mas foi, como as referidas opções nas provas deste ano mostraram. Já não há dúvidas: pior era mesmo impossível.
COMENTÁRIOS:
Isabel Seabra: A secretária de Estado , Alexandra Leitão sabe muito bem que estão por ideologia e a destruir o nosso sistema de ensino. Por essa razão tem as filhas na Escola Alemã de Lisboa. Não é interessante? E porque não fazer da escola pública uma escola que prepara para a vida ( com exames) como a Alemã?
José Paulo C Castro: O objectivo, desde o início, era impedir qualquer possibilidade de comparação. Assim, podem introduzir no currículo o que quiserem sem que ninguém possa avaliar qualquer impacto negativo. O choque será com o mundo real, lá para os 25 anos, altura em que todos serão eleitores do Bloco e exigirão que seja o mundo a mudar.
II - OPINIÃO: Corrupção: democracia com costas largas e partidos com costas pequeninas
A “crise de regime” é um problema de polícia, de lei e de tribunal, mas é também um problema político, porque é aqui que a corrupção comunica e inquina a democracia.
JOSÉ PACHECO PEREIRA      PÚBLICO, 8 de Junho de 2019
É curioso ver como, nesta discussão sobre se há uma “crise de regime”/"crise das direitas”, quase não entra o tema da corrupção. Isto numa altura em que há uma nova série de prisões e acusações a responsáveis políticos e autárquicos, com o curioso nome de código de “a teia”. E quando se sabe que, diferentemente dos outros países onde os refugiados e emigrantes são o tema central, a principal fonte do populismo em Portugal é a corrupção. Porque, por muito que haja corrupção imaginária e exagerada, há muita real, a começar pela efectiva existência de uma ecologia da corrupção, centrada nos partidos políticos do poder, e no acesso ao estado que eles permitem. A democracia tem costas largas em matéria de corrupção, os partidos pelo contrário tem costas pequenas, pequeníssimas. Esse problema não pode nem deve ser ocultado, por muito incómodo que seja.
Aliás, não se pode esconder de ninguém que o país vive banhado nessa ecologia, a começar por tudo o que se vem sabendo de uma “teia” centrada num anterior primeiro-ministro, que abrange ministros, secretários de estado, homens de mão nas empresas, na banca, na universidade, na imprensa, em blogues, um pouco por todo o lado. Não se trata de não lhes dar a presunção da inocência, nem de denunciar os abusos da acusação mas, o que já se sabe e não é negado pelos próprios, chega para se tirar uma conclusão bastante sólida sobre a existência de uma ecologia de corrupção, desde os partidos ao topo do estado. E convém não esquecer que estão presos altos responsáveis políticos do PS e do PSD.
Comecemos pela “crise de regime”, e deixemos a “crise da direita” naquilo que não é expressão da “crise de regime” para outra altura. “Regime”, “sistema” e outras expressões usadas no discurso populista e não só, são expressões ambíguas que sugerem que é a democracia que gera a corrupção. Na verdade, as democracias tornam a corrupção muito mais visível do que as ditaduras, mas as ditaduras são muito mais corruptas, até pela impunidade que dão à corrupção. Já referi isto e repito, basta ver o que a censura cortou durante 48 anos de ditadura em Portugal, para se perceber não só a dimensão da corrupção como a impunidade que dava o acesso ao poder autocrático.
É a corrupção hoje em Portugal um problema estrutural da nossa democracia? É. E o epicentro da corrupção em Portugal são os partidos políticos, não por existirem como é normal numa democracia, mas pela forma como evoluíram nos últimos 45 anos e como estão e são hoje, quer a nível do poder político central, quer autárquico. Há corrupção em todos os partidos, mas ela concentra-se naturalmente nos partidos de poder, no PS, no PSD, e no CDS. Há corrupção nos outros partidos? Há, mas funciona de forma diferente e não tem o peso que tem nos partidos com acesso ao poder. E uma das razões pelas quais o problema da corrupção é estrutural é porque ela associa-se ao exercício do poder e da autoridade política, atraindo quem quer fazer uma carreira beneficiando primeiro das benesses dos cargos políticos e, depois, do poder em benefício pessoal. E os grandes partidos estão cheios de gente dessa, das “jotas” aos adultos. Por isso, as democracias podem adoecer de corrupção, quando os mecanismos da corrupção se associam intimamente ao seu funcionamento.
A “crise de regime” é um problema de polícia, de lei e de tribunal, mas é também um problema político, porque é aqui que a corrupção comunica e inquina a democracia. Os partidos políticos de poder em Portugal não têm nenhuma cultura interior anti-corrupção, bem pelo contrário. O resultado é que é possível fazer carreira ascendente nesses partidos sem qualquer problema, mesmo quando a maioria dos militantes sabe - e no interior dos partidos sabe-se muito - que as pessoas em causa são corruptas ou fecham os olhos à corrupção à sua volta. Conheço casos no PS e no PSD, em que militantes com altos cargos tiveram acusações muito gravosas que nunca verdadeiramente negaram, e que, ou por incúria da justiça ou porque a polícia ficou à porta dos offshores, não sofreram a mínima beliscadura nas suas carreiras partidárias ganhando inclusive eleições internas sabendo toda a gente que neles votou quem eram e o que faziam. Ou, que foram consistentemente promovidos a lugares cimeiros, ou a seja novas oportunidades de roubar, pelas lideranças, ou porque controlavam sindicatos de votos ou pura e simplesmente por indiferença.
No essencial, este problema não é jurídico, mas político: como é possível permitir o sucesso dentro dos partidos dessas pessoas? Não se trata de as denunciar e investigar, porque isso é função das polícias, mas também de não esperar para as expulsar quando entram na cadeia, é antes de escolher por critérios éticos e políticos de modo a não lhes permitir usar o partido e os lugares no estado a que tem acesso para roubar. E compreender os enormes estragos que fazem à honra, de há muito perdida, dos partidos e à saúde da democracia. E, por isso, o problema tem a ver, e muito, com as lideranças que devem ter cuidado com os abraços que dão e com as companhias que escolhem, principalmente quando, como se dizia no magnífico português antigo, são velhos “conheçudos”.
Colunista
COMENTÁRIOS:
Jose, 09.06.2019: Existe corrupção em Portugal como sempre existiu em Portugal e em toda a parte. Aristóteles bem se esforçou, sem êxito, para encontrar esquemas preventivos contra a corrupção nas democracias que não reconheciam como cidadãos quem trabalhava. O principal inimigo da democracia não são os corruptos que só querem aproveitar as delícias do Capitalismo com dinheiro dos contribuintes dos Estados. O que líquida a democracia é a anulação do valor do voto. Ladrões e abusadores há em todos os regimes sejam monarquias absolutistas ou liberais, sejam repúblicas parlamentares ou presidenciais, mais ou menos musculadas. Crime público contra a democracia é perverter o sentido do voto do soberano sufrágio universal como o correu com a Grécia em 2015 e com o RU em 2916. Morrerá a democracia? Talvez? Se morrer a democracia portuguesa, a delegação do poder individual, único e intransmissível do cidadão integrante do sufrágio universal em órgãos de soberania democrática não acaba o mundo. Acaba um sonho e um esforço titânico e secular do povo português alcançado em Abril de 1974 e destruído pelos democratas de Abril. Não todos! Os que priorizam a luta pela liberdade do povo acima de tudo continuarão a resistência titânica de sempre por essa liberdade. Os que priorizam a independência nacional e as interdependências internacionais, a paz e a melhoria geral da vida do povo português continuarão essa luta de sempre. Ao contrário os que sempre reduziram a democracia a interesses da seita da "corte", os que dividiram o poder das empresas do sector empresarial do Estado entre si, aí ficarão!
Luis D, Lisboa 10.06.2019: Ahhh então o 25 de Abril não foi um golpe interno militar. Foi mesmo uma revolução popular. Não sabia. Não sabia. Pensava que estavam todos em casa a ouvir rádio.
francisco tavares, 08.06.2019: A corrupção é um sistema, o sistema de corrupção. Costuma ligar-se a corrupção aos políticos e partidos. Mas sendo a corrupção um sistema, há vários elementos corruptos e várias relações entre os elementos. Depois há corruptos e há corruptores. Há corrupção passiva e corrupção activa. Muita da corrupção, talvez a maior, passa pela actividade económica e pelos favores a agentes económicos. A corrupção tende a persistir e durar. Está entranhada. E não é só nos partidos e políticos. Diria até que os políticos tendem a ser corruptos passivos. Os corruptos activos procuram os políticos para os corromper. A ida de novos partidos para o poder não assegura que a corrupção deixa de existir. É que a corrupção existe em toda a sociedade. E se os partidos a praticam é porque muita gente o permite.
Luis D, Lisboa 08.06.2019: Esperamos, cada vez menos impávidos, que os partidos a quem o eleitorado tem dado novos votos, se abram à sociedade e atraiam conhecimento e honestidade para dentro deles. Se por outro lado se limitarem à ignorância geográfica e segregação do inconveniente, tornar-se-ão mais um fardo. Mais um parasita. E mais tarde ou mais cedo cederão também à corrupção. Este tem sido o ciclo da pseudo-elite portuguesa. Meninos criam partidos enquanto bebem conhaque. E depois fecham a casa. É a total falta de cultura política que cria a corrupção. Os partidos em Portugal, salvo raríssimas excepções, não têm qualquer base cultural, social ou económica. Foram criados porque estava na hora de tomar os lugares.


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