Dois textos de opinadores seguros das
suas opiniões, tanto Salles da
Fonseca como Pacheco Pereira e
respectivos comentadores: o
primeiro, na sua característica de estudioso dos fenómenos históricos ou
sociais, que sabe impregnar de conceito próprio, dentro de uma ética de
responsabilidade e rectidão. O segundo, na sua característica de crítico em
causa própria, de pertinentes observações sobre o fenómeno prejudicial que
alastra no Face Book ou em outros locais do aparelho mediático, de verrinosas e
deturpadoras manipulações de dados, prejudicando com isso o seu trabalho de
recolha de dados importantes para a memória do presente em função da História.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 13.06.19
Criadores de opinião ou manipuladores de opinião, eis a
questão.
Dar a sua opinião sobre um determinado assunto é perfeitamente normal
numa sociedade em que impera a liberdade e, em consequência, a liberdade de
pensamento e de opinião. Assim
se dá aos «consumidores da informação» uma sugestão que eles seguem ou não
conforme concordem ou discordem. Mais
uma vez, a liberdade de opinião
a funcionar. O opinador refere-se a realidades, não a ficções e não especula
sobre intenções alheias; pode ser seguido por muitos, poucos ou nenhuns
consumidores mas, expondo os seus argumentos e concluindo de uma certa maneira,
fá-lo com transparência e apenas se responsabiliza a si próprio como um bom, um
mau ou um péssimo opinador. Em resumo, o criador de opinião é benigno.
O
manipulador
de opinião é aquele
que induz os outros a passarem a ter uma determinada opinião sobre uma
realidade ou uma ficção (fake new), num sentido determinado pelos seus próprios
interesses sobre um tema mais ou menos controverso (lobby)
ou mais ou menos legítimo; actua frequentemente sob anonimato ou, quando muito, sob identidade
dificilmente identificável ou mesmo falsa. Em resumo, o manipulador de opinião é maligno.
Eis
por que não me oferecem dúvidas os criadores de
opinião mas me
espanta a facilidade com que os manipuladores
conseguem
entrar nas redes sociais e nas notícias formais sem que o «Carmo e a Trindade»
lhes caiam em cima, os identifiquem e os banam.
E
a questão que coloco é:
Deve a origem das fake news ser investigada e apenas penalizado o
manipulador (seja ele individual ou lobby) ou também o divulgador?
Não se trata de restaurar a velha
censura prévia do Estado Novo; pelo
contrário, trata-se apenas de obstar às fake news e de punir os respectivos autores.
Meditemos…
Junho de 2019 Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Adriano Lima, 13.06.2019: Assunto muito
importante e muito pertinente. Concordo, mas permito-me "opinar" que actualmente
são mais os manipuladores de opinião do que os criadores de opinião. E
muitos manipuladores de opinião dão mesmo a cara, quer na imprensa escrita como
falada. Manipulam a opinião porque são pouco isentos politicamente e a
honestidade intelectual é um deserto nas suas análises. É claro que não procedem
descaradamente, porque denunciariam os seus propósitos. Verdadeiros artistas do
ludíbrio e da prestidigitação verbal, a estratégia habitual é utilizar
meias-verdades, truncar factos da realidade e, quase sempre, dizer uma coisa e
pospor logo de seguida um mas. Precisaríamos de criadores de opinião, o que só
é possível com gente livre e de consciência não hipotecada.
II -OPINIÃO: Os censores do Facebook em acção
No caso do Ephemera não estão a censurar
um site racista, ou islamofobo, ou conspirativo, nem um site pornográfico ou
pedófilo. Estão a censurar um arquivo que pretende documentar tudo isto, para
memória do presente.
JOSDÉ PACHECO PEREIRA PÚBLICO,
1 de Junho de 2019
“Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o
presente, controla o passado”
(George Orwell)
Já
não é a primeira vez que o Facebook do Arquivo Ephemera, que divulga os materiais publicados numa outra
plataforma EPHEMERA, e que quase não tem conteúdo próprio, é sujeito à censura
e à punição associada de interdição de publicação. Os censores são anónimos,
embora tenhamos uma ideia de onde se encontram e onde foram recrutados, não
existindo mecanismo de recurso nem dada resposta aos protestos. Eu sei que o
Facebook tem uma consciência pesada e está na defensiva, pelas gigantescas
asneiras que tem feito, mas convinha não acrescentar mais ao rol. E, embora o
Facebook seja uma empresa privada, está sujeita à lei e à Constituição
portuguesas, não tendo legitimidade para decidir sobre o que é “discurso de
ódio” ou não. E, se há alguém, nos denunciantes, incomodado, que recorra aos
tribunais. É o tipo de processo que gostaríamos de ter para ver até que ponto
há ou não liberdades, quais são os seus limites e qual a sua natureza.
Falemos
em concreto: nesta censura. Os censores do Facebook têm obrigação de fazer
distinções e de saber o que estão a censurar e onde estão a censurar. O
contexto é relevante, e obriga a fazer distinções. Não sei qual o grau de
literacia dos censores, mas não podem reagir pavlovianamente quando vêem uma cruz
gamada e, lembro, de passagem, para prevenir os nossos antifa, que chegará o
tempo em que serão as foices e martelos e os símbolos anarquistas censurados, a
continuar assim. No caso do Ephemera não estão a censurar um site
racista, ou islamofobo, ou conspirativo, ou defendendo a acção directa seja
para pôr bombas, seja para libertar animais de laboratórios, ou um local feito
com uma identidade falsa pelos serviços secretos russos, ou pelos amigos de
Steve Bannon para divulgar fake news, nem para manipular eleições, nem um site
pornográfico ou pedófilo, nem um apelo à revolução armada para derrubar o
capitalismo ou a incendiar carros. Estão a censurar um arquivo que
pretende documentar tudo isto, para memória do presente, porque tudo isto
existe e precisa de ser guardado e estudado.
As
publicações de materiais do Arquivo Ephemera não são prosélitas e não
discriminam nenhuma área do espectro político, incluindo as margens e os
extremos. Esses materiais destinam-se, em primeiro lugar, a documentar e
fixar para a memória futura a contemporaneidade, e basta só viajar no tempo
para perceber que se tivéssemos guardado idênticos documentos no passado
conhecíamos hoje muito melhor a nossa história. Temos os grafitos de Pompeia
porque o vulcão os conservou na cinza, mas perdemos todos os dias centenas de
milhares de materiais, a que a história dá contexto, deliberadamente
censurados, do Holocausto ao Gulag. O Facebook ajuda a tornar a frase de
Orwell actual. Claro que há muito material sensível e desagradável, num mundo
cada vez mais tribal e policiado na sua linguagem. Entre o material recolhido
há cartazes artesanais com obscenidades, fotografias de desenhos eróticos nas
paredes, grafitos com genitália, proclamações racistas, manifestos
anti-islâmicos, anti-religiosos, teorias conspirativas, propaganda da violência
das touradas, papéis da extrema-direita à extrema-esquerda, cobrindo vários
grupos radicais animalistas, feministas, LGBT, reaccionários, anti-cíentificos,
negacionistas, etc.
Nunca
censuramos nada, mas tomamos precauções quanto à protecção de dados privados,
seguindo as boas regras dos arquivos nesta área. Fazemos uma avaliação entre o privado e público
para determinado tipo de papéis, como é a correspondência, evitando também os
exageros burocráticos de muita legislação europeia que limita os arquivos
públicos. O bom senso é um critério, e por isso houve momentos em que
abrimos excepções: um insulto homofóbico a um político português numa pichagem,
um papel colado em postes e candeeiros denunciando um hipotético pedófilo com
nome e morada, e retiramos uma imagem de uma pequena manifestação a pedido do
retratado que considerava poder perder o emprego se o patrão visse a
fotografia. Neste último caso, hesitámos bastante, porque quem vai a uma
manifestação dá a cara em público - é esse o sentido de se “manifestar” - mas
considerámos que podia haver um prejuízo real e retiramos. Mas guardamos tudo o
resto.
Usamos
o mesmo critério para publicar tudo o que publicamos, seja uma manifestação dos
lesados do BES, seja um protesto contra uma urbanização, seja uma manifestação
do PNR, seja um protesto do MAS, seja uma manifestação a favor dos colégios
privados, ou contra o aborto, ou a favor do uso de canábis. E seja uma
manifestação da Nova Ordem Social que diz que “Salazar faz muita falta”. Qual
é o problema que eles achem que Salazar faz muita falta? Será que os censores
vão também cortar os panfletos salazaristas do Estado Novo, os apelos à pena de
morte na Assembleia Nacional, as fotografias dos massacres em Angola? Posso
garantir-vos que são muito mais perigosos do que o saudosismo de um Salazar
imaginário inventado pela Nova Ordem Social, com imagens de nulo valor
propagandístico a que só a censura atribui significado. Acresce que no mesmo
dia, publicamos uma entrada sobre a contra-manifestação. Deveria ser censurada?
Eu sei que publicar este artigo pode
implicar retaliações e ainda mais censura dos anónimos censores numa sala
qualquer escondida em Lisboa. Pode ser. Mas, por cá, não temos a cultura de
levar e calar, e o ascenso da censura nos dias de hoje deve ser combatido sem
transigências.
Colunista
COMENTÁRIOS:
José Manuel Martins,
évora 02.06.2019: A subserviência ao facebook é a única
coisa que não entendo. Ai dos arquivos do presente, do passado, ou do tempo ao
lado) que precisassem do facebook para serem o que são e intervirem como
intervêm: como arquivos. Do facebook, só precisam como meio de catapultar e
exponenciar gratuitamente o alcance circulatório dessa informação. De resto,
mais efémero que o Ephemera é o próprio 'glaciar' movente do mural deslizante
dessa ampulheta de efemeridades repetitivas. Que o site exista e se publicite
sem sair para outras montras, e chega. Eu, p.ex., que censuro pessoalmente o
facebook, acabo de saber do Ephemera através desta coluna. Deixe lá os 15
minutos de fama, jpp, felizmente que nem o presente nem o controlo do mesmo se
fazem de tão pouco.
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta 01.06.2019: Caro
Pacheco Pereira, concordo com o que diz e partilho da sua preocupação com o uso
orwelliano do digital. Este será uma nova praça pública com memória e
democracia ou um espaço sem ela, que nos controlará a nós. Tenho assim uma
sugestão - que o Ephemera invista num grupo de computação na nuvem (cloud) de
forma a ser dona do seu próprio "Facebook". Se este grupo de
voluntários já existe, sugiro que os confronte com este termo a ver como
reagem: "Headless CMS".
Jose, 01.06.2019: Creio que não valorizou o essencial da
mensagem de Pacheco Pereira, Caro Jonas Almeida. Pacheco Pereira tem acesso
pessoal aos documentos de relevância histórica que digitaliza e posta em várias
plataformas. Ele não está privado dessa informação. Quem fica privado de aceder
tão facilmente à informação são os utentes das plataformas digitais que
suprime, censuram as publicações com um critério de descaracterizar a
informação e reescrever a história. Não devia existir nenhuma instituição
organizada para censurar informação, mas há. É disso que Pacheco Pereira se
queixa. Também não se queixa por ele. Queixa-se pelas pessoas livres que ficam
menos livres por existir censura institucional organizada. Esse é o problema. A
liberdade!
Joao, Portugal 01.06.2019: Eu percebi ou entendi o mesmo que o José. Ele queixa-se, como já
fez pelo menos mais uma vez, da censura. A censura é do pior que existe, o
objectivo é moldar a opinião pública, omitindo o que é inconveniente para o
Poder, escondendo a verdade, reescrevendo a história, conduzindo a opinião
pública a aceitar o que o Poder acha mais conveniente para atingir os seus
objectivos.
Por outro lado todos teremos os nossos pecadilhos, as nossas
verdades, os nossos ângulos de visão. Como outros colegas recordam mais abaixo
o Pacheco terá achado bem a censura do Saramago, ou terá mantido a sua crença
no conluio com os russos que foi o cavalo de batalha para o incrível aumento de
censura que se verificou e verifica cada vez mais nas redes sociais, nas redações
dos media de “referência”, em todo o lado.
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva
Beira Alta 01.06.2019: Eu
percebo José, agradeço a sua nota. Por isso sugiro que as ephemeras avancem
para a facilitação das suas próprias redes sociais - o Headless CMS coloca os
conteúdos em grânulos, não em páginas, muito mais portáteis, mais, digamos, insidiosos.
Um dia a Democracia da informação, como de tudo o resto, emergirá nestas
plataformas públicas como vemos tentado na Itália pelo MD5, e na Estónia pelo
exato oposto do MD5. A mim assusta-me o grau de atraso tecnológico da nossa
praça pública digital. Não acho que seja por acaso. Zuckerberg diz que o
Facebook é "infraestrutura para a engenharia social", mas engenharia
de quê dependerá de quem tiver os cordelinhos do poder. A mim parece-me que ou
teremos democracia direta no digital a prazo ou não a teremos de todo - nem
democracia nem memória.
agany, Setúbal 01.06.2019: Pior que censurar é o Facebook manipular
informação e conteúdos. Isso sim, terá fortes implicações no futuro.
Vieira, 01.06.2019: Isto
dito por um apaniguado do Cavaco que censurou um livro do Saramago até tem
alguma graça...
andre mesquita, 01.06.2019:
Este “inteligente” é um dos toscos que
acreditou e promoveu a teoria de que os russos manipularam as eleições de 2016
através do Facebook (!!) e agora vem-se queixar de que há censura!? Aprenda a
pensar primeiro. Não há comentadores no pais inteiro a pensar de forma
independente e a perceber o estado do mundo.
Nuno Silva,
01.06.2019: Mais houvesse destas Ephemeras, colecções
bem mais valiosas do que por exemplo do que a do caloteiro malcriado Berardo. O
Facebook (e outras redes deste monopólio) só serve para ganhar dinheiro, fugir
aos impostos, e levar à falência os outros meios de comunicação social.
Controlar a própria rede de forma responsável não é o seu negócio. Só com
multas e até bloqueios gerais eles aprendem.
Ceratioidei: Oceanos 01.06.2019: Felizmente a Ephemera tem website próprio. Agradeço a JPP por
este artigo. É importante informar. E ao mesmo tempo que pergunto se a Ephemera
necessita de redes sociais com mecanismos de censura, reflicto sobre a
importância dessas mesmas redes na divulgação da cultura. Se seria preferível,
em nome da divulgação da cultura, estar presente mas aceitar a censura, ou se
seria preferível recusar a censura e estar ausente de plataformas onde se
cruzam milhões de pessoas. Mas o que me choca profundamente é o facto de um homem
como JPP, que considero uma das pessoas mais brilhantes dos nossos tempos
(mesmo quando não estou de acordo com ele), ter tido a necessidade de escrever
este texto no dia 1 de Junho de 2019. Espero que seja arquivado no Ephemera
para memória do presente.
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