sexta-feira, 14 de junho de 2019

A “certidom” da verdade e a manipulação



Dois textos de opinadores seguros das suas opiniões, tanto Salles da Fonseca como Pacheco Pereira e respectivos comentadores: o primeiro, na sua característica de estudioso dos fenómenos históricos ou sociais, que sabe impregnar de conceito próprio, dentro de uma ética de responsabilidade e rectidão. O segundo, na sua característica de crítico em causa própria, de pertinentes observações sobre o fenómeno prejudicial que alastra no Face Book ou em outros locais do aparelho mediático, de verrinosas e deturpadoras manipulações de dados, prejudicando com isso o seu trabalho de recolha de dados importantes para a memória do presente em função da História.
I -  «OPINION MAKERS» - OS BONS E OS OUTROS
HENRIQUE SALLES DA FONSECA             A BEM DA NAÇÃO, 13.06.19
Criadores de opinião ou manipuladores de opinião, eis a questão.
Dar a sua opinião sobre um determinado assunto é perfeitamente normal numa sociedade em que impera a liberdade e, em consequência, a liberdade de pensamento e de opinião. Assim se dá aos «consumidores da informação» uma sugestão que eles seguem ou não conforme concordem ou discordem. Mais uma vez, a liberdade de opinião a funcionar. O opinador refere-se a realidades, não a ficções e não especula sobre intenções alheias; pode ser seguido por muitos, poucos ou nenhuns consumidores mas, expondo os seus argumentos e concluindo de uma certa maneira, fá-lo com transparência e apenas se responsabiliza a si próprio como um bom, um mau ou um péssimo opinador.         Em resumo, o criador de opinião é benigno.
O manipulador de opinião é aquele que induz os outros a passarem a ter uma determinada opinião sobre uma realidade ou uma ficção (fake new), num sentido determinado pelos seus próprios interesses sobre um tema mais ou menos controverso (lobby) ou mais ou menos legítimo; actua frequentemente sob anonimato ou, quando muito, sob identidade dificilmente identificável ou mesmo falsa.           Em resumo, o manipulador de opinião é maligno.
Eis por que não me oferecem dúvidas os criadores de opinião mas me espanta a facilidade com que os manipuladores conseguem entrar nas redes sociais e nas notícias formais sem que o «Carmo e a Trindade» lhes caiam em cima, os identifiquem e os banam.
E a questão que coloco é:
Deve a origem das fake news ser investigada e apenas penalizado o manipulador (seja ele individual ou lobby) ou também o divulgador?
Não se trata de restaurar a velha censura prévia do Estado Novo; pelo contrário, trata-se apenas de obstar às fake news e de punir os respectivos autores.
Meditemos…
Junho de 2019         Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Francisco G. de Amorim 13.06.2019: Fake news e os fazedores delas devem ser combatidos com firmeza
Adriano Lima, 13.06.2019: Assunto muito importante e muito pertinente. Concordo, mas permito-me "opinar" que actualmente são mais os manipuladores de opinião do que os criadores de opinião. E muitos manipuladores de opinião dão mesmo a cara, quer na imprensa escrita como falada. Manipulam a opinião porque são pouco isentos politicamente e a honestidade intelectual é um deserto nas suas análises. É claro que não procedem descaradamente, porque denunciariam os seus propósitos. Verdadeiros artistas do ludíbrio e da prestidigitação verbal, a estratégia habitual é utilizar meias-verdades, truncar factos da realidade e, quase sempre, dizer uma coisa e pospor logo de seguida um mas. Precisaríamos de criadores de opinião, o que só é possível com gente livre e de consciência não hipotecada.
II -OPINIÃO: Os censores do Facebook em acção
No caso do Ephemera não estão a censurar um site racista, ou islamofobo, ou conspirativo, nem um site pornográfico ou pedófilo. Estão a censurar um arquivo que pretende documentar tudo isto, para memória do presente.
JOSDÉ PACHECO PEREIRA        PÚBLICO, 1 de Junho de 2019
Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado” (George Orwell)
Já não é a primeira vez que o Facebook do Arquivo Ephemera, que divulga os materiais publicados numa outra plataforma EPHEMERA, e que quase não tem conteúdo próprio, é sujeito à censura e à punição associada de interdição de publicação. Os censores são anónimos, embora tenhamos uma ideia de onde se encontram e onde foram recrutados, não existindo mecanismo de recurso nem dada resposta aos protestos. Eu sei que o Facebook tem uma consciência pesada e está na defensiva, pelas gigantescas asneiras que tem feito, mas convinha não acrescentar mais ao rol. E, embora o Facebook seja uma empresa privada, está sujeita à lei e à Constituição portuguesas, não tendo legitimidade para decidir sobre o que é “discurso de ódio” ou não. E, se há alguém, nos denunciantes, incomodado, que recorra aos tribunais. É o tipo de processo que gostaríamos de ter para ver até que ponto há ou não liberdades, quais são os seus limites e qual a sua natureza.
Falemos em concreto: nesta censura. Os censores do Facebook têm obrigação de fazer distinções e de saber o que estão a censurar e onde estão a censurar. O contexto é relevante, e obriga a fazer distinções. Não sei qual o grau de literacia dos censores, mas não podem reagir pavlovianamente quando vêem uma cruz gamada e, lembro, de passagem, para prevenir os nossos antifa, que chegará o tempo em que serão as foices e martelos e os símbolos anarquistas censurados, a continuar assim. No caso do Ephemera não estão a censurar um site racista, ou islamofobo, ou conspirativo, ou defendendo a acção directa seja para pôr bombas, seja para libertar animais de laboratórios, ou um local feito com uma identidade falsa pelos serviços secretos russos, ou pelos amigos de Steve Bannon para divulgar fake news, nem para manipular eleições, nem um site pornográfico ou pedófilo, nem um apelo à revolução armada para derrubar o capitalismo ou a incendiar carros. Estão a censurar um arquivo que pretende documentar tudo isto, para memória do presente, porque tudo isto existe e precisa de ser guardado e estudado.
As publicações de materiais do Arquivo Ephemera não são prosélitas e não discriminam nenhuma área do espectro político, incluindo as margens e os extremos. Esses materiais destinam-se, em primeiro lugar, a documentar e fixar para a memória futura a contemporaneidade, e basta só viajar no tempo para perceber que se tivéssemos guardado idênticos documentos no passado conhecíamos hoje muito melhor a nossa história. Temos os grafitos de Pompeia porque o vulcão os conservou na cinza, mas perdemos todos os dias centenas de milhares de materiais, a que a história dá contexto, deliberadamente censurados, do Holocausto ao Gulag. O Facebook ajuda a tornar a frase de Orwell actual. Claro que há muito material sensível e desagradável, num mundo cada vez mais tribal e policiado na sua linguagem. Entre o material recolhido há cartazes artesanais com obscenidades, fotografias de desenhos eróticos nas paredes, grafitos com genitália, proclamações racistas, manifestos anti-islâmicos, anti-religiosos, teorias conspirativas, propaganda da violência das touradas, papéis da extrema-direita à extrema-esquerda, cobrindo vários grupos radicais animalistas, feministas, LGBT, reaccionários, anti-cíentificos, negacionistas, etc.
Nunca censuramos nada, mas tomamos precauções quanto à protecção de dados privados, seguindo as boas regras dos arquivos nesta área. Fazemos uma avaliação entre o privado e público para determinado tipo de papéis, como é a correspondência, evitando também os exageros burocráticos de muita legislação europeia que limita os arquivos públicos. O bom senso é um critério, e por isso houve momentos em que abrimos excepções: um insulto homofóbico a um político português numa pichagem, um papel colado em postes e candeeiros denunciando um hipotético pedófilo com nome e morada, e retiramos uma imagem de uma pequena manifestação a pedido do retratado que considerava poder perder o emprego se o patrão visse a fotografia. Neste último caso, hesitámos bastante, porque quem vai a uma manifestação dá a cara em público - é esse o sentido de se “manifestar” - mas considerámos que podia haver um prejuízo real e retiramos. Mas guardamos tudo o resto.
Usamos o mesmo critério para publicar tudo o que publicamos, seja uma manifestação dos lesados do BES, seja um protesto contra uma urbanização, seja uma manifestação do PNR, seja um protesto do MAS, seja uma manifestação a favor dos colégios privados, ou contra o aborto, ou a favor do uso de canábis. E seja uma manifestação da Nova Ordem Social que diz que “Salazar faz muita falta”. Qual é o problema que eles achem que Salazar faz muita falta? Será que os censores vão também cortar os panfletos salazaristas do Estado Novo, os apelos à pena de morte na Assembleia Nacional, as fotografias dos massacres em Angola? Posso garantir-vos que são muito mais perigosos do que o saudosismo de um Salazar imaginário inventado pela Nova Ordem Social, com imagens de nulo valor propagandístico a que só a censura atribui significado. Acresce que no mesmo dia, publicamos uma entrada sobre a contra-manifestação. Deveria ser censurada?
Eu sei que publicar este artigo pode implicar retaliações e ainda mais censura dos anónimos censores numa sala qualquer escondida em Lisboa. Pode ser. Mas, por cá, não temos a cultura de levar e calar, e o ascenso da censura nos dias de hoje deve ser combatido sem transigências.
Colunista
COMENTÁRIOS:
José Manuel Martins, évora 02.06.2019: A subserviência ao facebook é a única coisa que não entendo. Ai dos arquivos do presente, do passado, ou do tempo ao lado) que precisassem do facebook para serem o que são e intervirem como intervêm: como arquivos. Do facebook, só precisam como meio de catapultar e exponenciar gratuitamente o alcance circulatório dessa informação. De resto, mais efémero que o Ephemera é o próprio 'glaciar' movente do mural deslizante dessa ampulheta de efemeridades repetitivas. Que o site exista e se publicite sem sair para outras montras, e chega. Eu, p.ex., que censuro pessoalmente o facebook, acabo de saber do Ephemera através desta coluna. Deixe lá os 15 minutos de fama, jpp, felizmente que nem o presente nem o controlo do mesmo se fazem de tão pouco.
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 01.06.2019: Caro Pacheco Pereira, concordo com o que diz e partilho da sua preocupação com o uso orwelliano do digital. Este será uma nova praça pública com memória e democracia ou um espaço sem ela, que nos controlará a nós. Tenho assim uma sugestão - que o Ephemera invista num grupo de computação na nuvem (cloud) de forma a ser dona do seu próprio "Facebook". Se este grupo de voluntários já existe, sugiro que os confronte com este termo a ver como reagem: "Headless CMS".
Jose, 01.06.2019: Creio que não valorizou o essencial da mensagem de Pacheco Pereira, Caro Jonas Almeida. Pacheco Pereira tem acesso pessoal aos documentos de relevância histórica que digitaliza e posta em várias plataformas. Ele não está privado dessa informação. Quem fica privado de aceder tão facilmente à informação são os utentes das plataformas digitais que suprime, censuram as publicações com um critério de descaracterizar a informação e reescrever a história. Não devia existir nenhuma instituição organizada para censurar informação, mas há. É disso que Pacheco Pereira se queixa. Também não se queixa por ele. Queixa-se pelas pessoas livres que ficam menos livres por existir censura institucional organizada. Esse é o problema. A liberdade!
Joao, Portugal 01.06.2019: Eu percebi ou entendi o mesmo que o José. Ele queixa-se, como já fez pelo menos mais uma vez, da censura. A censura é do pior que existe, o objectivo é moldar a opinião pública, omitindo o que é inconveniente para o Poder, escondendo a verdade, reescrevendo a história, conduzindo a opinião pública a aceitar o que o Poder acha mais conveniente para atingir os seus objectivos.
Por outro lado todos teremos os nossos pecadilhos, as nossas verdades, os nossos ângulos de visão. Como outros colegas recordam mais abaixo o Pacheco terá achado bem a censura do Saramago, ou terá mantido a sua crença no conluio com os russos que foi o cavalo de batalha para o incrível aumento de censura que se verificou e verifica cada vez mais nas redes sociais, nas redações dos media de “referência”, em todo o lado.
Jonas Almeida, Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 01.06.2019: Eu percebo José, agradeço a sua nota. Por isso sugiro que as ephemeras avancem para a facilitação das suas próprias redes sociais - o Headless CMS coloca os conteúdos em grânulos, não em páginas, muito mais portáteis, mais, digamos, insidiosos. Um dia a Democracia da informação, como de tudo o resto, emergirá nestas plataformas públicas como vemos tentado na Itália pelo MD5, e na Estónia pelo exato oposto do MD5. A mim assusta-me o grau de atraso tecnológico da nossa praça pública digital. Não acho que seja por acaso. Zuckerberg diz que o Facebook é "infraestrutura para a engenharia social", mas engenharia de quê dependerá de quem tiver os cordelinhos do poder. A mim parece-me que ou teremos democracia direta no digital a prazo ou não a teremos de todo - nem democracia nem memória.
agany, Setúbal 01.06.2019: Pior que censurar é o Facebook manipular informação e conteúdos. Isso sim, terá fortes implicações no futuro.
Vieira, 01.06.2019: Isto dito por um apaniguado do Cavaco que censurou um livro do Saramago até tem alguma graça...
andre mesquita, 01.06.2019: Este “inteligente” é um dos toscos que acreditou e promoveu a teoria de que os russos manipularam as eleições de 2016 através do Facebook (!!) e agora vem-se queixar de que há censura!? Aprenda a pensar primeiro. Não há comentadores no pais inteiro a pensar de forma independente e a perceber o estado do mundo.
Vieira, 01.06.2019: Francisco Louçã...(?)
Nuno Silva, 01.06.2019: Mais houvesse destas Ephemeras, colecções bem mais valiosas do que por exemplo do que a do caloteiro malcriado Berardo. O Facebook (e outras redes deste monopólio) só serve para ganhar dinheiro, fugir aos impostos, e levar à falência os outros meios de comunicação social. Controlar a própria rede de forma responsável não é o seu negócio. Só com multas e até bloqueios gerais eles aprendem.
José Luís, Ílhavo 01.06.2019: São as maravilhas do facebook.
Ceratioidei: Oceanos 01.06.2019: Felizmente a Ephemera tem website próprio. Agradeço a JPP por este artigo. É importante informar. E ao mesmo tempo que pergunto se a Ephemera necessita de redes sociais com mecanismos de censura, reflicto sobre a importância dessas mesmas redes na divulgação da cultura. Se seria preferível, em nome da divulgação da cultura, estar presente mas aceitar a censura, ou se seria preferível recusar a censura e estar ausente de plataformas onde se cruzam milhões de pessoas. Mas o que me choca profundamente é o facto de um homem como JPP, que considero uma das pessoas mais brilhantes dos nossos tempos (mesmo quando não estou de acordo com ele), ter tido a necessidade de escrever este texto no dia 1 de Junho de 2019. Espero que seja arquivado no Ephemera para memória do presente.

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