Que incluem questões demográficas, científicas,
políticas, e põem interrogações. O que não entendi, foi essa de meter Portugal
ao barulho. Nunca pensei que Portugal servisse de termo de equiparação e até me
senti a modos que envergonhada, neste sentimento de raquitismo sem retorno. Miguel
Gouveia parece banalizar a ascensão económica da China, ou pelo menos põe
dúvidas. Provavelmente não entendi bem o seu raciocínio. Só sei que uma pessoa
amiga, que foi a Moçambique, diz que Lourenço Marques - perdão, Maputo - está
em progresso visível, e isso graças ao dinheiro chinês. E eles, os chineses,
furam por outros lados lá na África. E dizem que na Europa também, e suponho
que no resto do mundo, de que as lojas são a parte visível. Aqui neste cantinho onde vivo, numa roda limitada de
metros, só lojas chinesas há quatro, com muita tralha e poucos empregados. Mas
isso são trocos, em termos de economia, peanuts, mixaria…. O domínio chinês
será outra coisa, pertence ao domínio dos deuses, do deus Mercúrio, com certeza, industrioso deus do comércio, além de mensageiro do seu extremoso pai Júpiter...
O crescimento económico da China
MIGUEL GOUVEIA
OBSERVADOR, 28/6/2019
É muito improvável que num país governado
por uma clique cujo poder tem poucas limitações funcione o princípio da
"destruição criativa" indispensável para que uma economia realmente
avançada progrida.
Um
dos traços mais relevantes dos nossos tempos tem sido a ascensão da China ao
estatuto de grande potência política, militar e económica. Muitos analistas
prevêem até que a China superará os EUA e se tornará a superpotência líder
mundial num futuro não muito distante. Este artigo defende que, embora o
crescimento recente da China tenha de facto sido impressionante, está longe de
ser certo que a China continue a crescer ao mesmo ritmo no futuro. As razões
para essa avaliação são demográficas, económicas, e principalmente políticas.
Comecemos pela demografia. A
China é o país mais populoso do mundo, com 1,42 milhar de milhão de pessoas em
2019. No entanto, o crescimento da população chinesa está a desacelerar
rapidamente. Em 2028 a população começará a declinar, em consequência de uma
taxa de fertilidade extremamente baixa, parcialmente explicada pela política
radical de uma criança por família, implementada de 1979 a 2016. A transição de
alta fertilidade para baixa fertilidade gerou o chamado dividendo demográfico,
um intervalo de tempo com poucas crianças, poucos idosos e uma proporção
anormalmente grande de população em idade activa. Entre 1978 e 2010, a
proporção da população em idade ativa na China aumentou de 58% para uns
notáveis 74%. Mas esse dividendo demográfico já desapareceu. A ONU estima
que a fracção da população economicamente activa cairá para 62% até 2040. Ou
seja, a população chinesa está a envelhecer rapidamente. Em 1990, apenas
5,7% da população tinha 65 anos ou mais. Essa fracção dobrou para 10,6% em 2017
e duplicará novamente até 2040, chegando a 22%. Esse envelhecimento acelerado
ocorre num país com relativamente poucas pessoas cobertas por planos de reforma
e com sistemas de saúde frágeis e muito abaixo das necessidades. Haverá um
enorme e dispendioso aumento na procura por serviços e benefícios de protecção
social. Exactamente ao mesmo tempo, a população activa declinará, a poupança
diminuirá, e a força de trabalho tornar-se-á menos dinâmica!
Outro
problema que a China enfrenta é a chamada armadilha do
desenvolvimento dos rendimentos médios.
No passado, muitos países conseguiram crescer de situações de pobreza extrema
para níveis de rendimentos médios. No entanto, poucos conseguiram continuar a
crescer e juntar-se aos países mais ricos. O Brasil é um exemplo típico dos países
que não conseguiram fazer a transição.
O
crescimento da China nos últimos anos é nada menos que surpreendente. De 1990 até 2017, a China experimentou uma taxa
média anual de crescimento real do PIB per capita de 8,9%. Os
valores correspondentes para os EUA, Japão e Portugal são de 1,4%, 0,9% e
1,2%, respectivamente. Em 1990, o PIB per capita da China era de
8% do de Portugal. Essa proporção aumentou para 55% em 2017. Actualmente, a
China é um país de rendimento médio, precariamente colocado na fronteira onde a
maioria dos países não conseguiu transitar para níveis de desenvolvimento
pleno. Conseguirá a China ultrapassar esse limiar? Até agora, grande parte do
crescimento da economia chinesa seguiu um padrão já visto noutros países,
incluindo uma migração maciça de trabalhadores das áreas rurais de baixa
produtividade para áreas urbanas e industriais. As altas taxas de poupança e de
investimento estrangeiro proporcionaram o capital necessário. A China tornou-se
uma fábrica para o mundo. Em parte, o mesmo ocorreu com a
industrialização da União Soviética. No entanto, a China teve a grande vantagem
de se integrar no comércio mundial. Tirando partido da sua dimensão enorme, a
China conseguiu atrair investimentos estrangeiros e forçar, por meios razoáveis
e outros menos razoáveis, grandes transferências de tecnologia e de know-how.
Actualmente existem empresas muito grandes e lucrativas na China, como a
Alibaba e a Tencent. No entanto, elas prosperam num mercado protegido e, mais
do que isso, essas empresas não estão a inovar, estando apenas a alcançar a
fronteira tecnológica. Algumas empresas, como a Huawei, parecem ter o que é
preciso para ter sucesso no mercado mundial, mas não é claro se elas não são
excepções raras. Será que as empresas chinesas poderão dar o próximo passo e
começar a inovar e a funcionar na fronteira tecnológica?
Os optimistas acerca da China apontam para o facto de a produção
científica do país, em áreas como tecnologias de informação, inteligência
artificial, etc., parecer ser muito grande.
Por coincidência, esses são os tipos de tecnologias que um estado totalitário
considera úteis para monitorar os seus cidadãos e controlar dissidentes e
minorias. Interpretá-los como sinais de sucesso económico
futuro é ainda prematuro… A
produção científica internacionalmente relevante da China ocorre em áreas muito
estreitas. Por exemplo, a contribuição da China ainda é irrelevante nas
ciências sociais. Para além disso, parece
estar a seguir o modelo soviético de ciência. Esse modelo foi bem sucedido para
fins militares ou no início da exploração do espaço (uma área na moda na época,
tanto quanto a inteligência artificial hoje) mas não funcionou bem no que diz
respeito ao desenvolvimento económico e social da União Soviética.
Apesar dos sucessos económicos
recentes, outros problemas de natureza política se erguem no futuro. A China tentou uma experiência nunca antes levada a
cabo com sucesso num país grande: ter capitalismo de mercado e, ao mesmo
tempo, tê-lo governado por um Estado totalitário de partido único. Isso
contradiz a experiência histórica ocidental. A elite chinesa (a sua
“aristocracia”) concebeu um modelo em que um grupo de pessoas muito
inteligentes e muito bem treinadas administraria um país, com boas intenções e
nenhuma das confusões da democracia (tal como ocasionalmente eleger demagogos e
escolher políticas que dificultam o crescimento).
Essa aristocracia seria
suficientemente esclarecida e ampla para que as políticas escolhidas fossem
sempre para o bem de todo o país e não para o benefício de grupos de amigos à
custa da sociedade. Durante algum
tempo esse modelo pareceu funcionar: os presidentes da China iam e vinham,
respeitando os seus limites de mandato, e os processos políticos pareciam
transcorrer suavemente. Isso não durou muito tempo. Como Aristóteles disse
há 24 séculos, há uma tendência natural para a aristocracia degenerar em
oligarquia. O actual presidente Xi Jinping eliminou os limites do
seu mandato e passou a utilizar de forma discricionária acusações de corrupção
contra potenciais inimigos e possíveis rivais. Outras más políticas estão em marcha, tais como
sustentar firmas estatais ineficientes, desperdiçando o capital de investimento
de um sistema bancário administrado por via política.
Em
última análise, se a China conseguirá fazer a transição para se tornar um dos
países mais ricos do mundo depende de uma questão muito simples: será
que a liberdade é necessária para o pleno desenvolvimento económico? A resposta remonta a Schumpeter e ao seu conceito de destruição
criativa. Para que
uma economia realmente avançada funcione, novas empresas e tecnologias que
tornem obsoletas as actuais devem poder prosperar, colocando em risco as
anteriormente bem sucedidas e, às vezes, colocando-as mesmo nas “lixeiras” da
história. É muito improvável que isso aconteça num país governado por uma
clique cujo poder tem poucas limitações. Será sempre mais fácil e mais barato
para essa facção livrar-se dos rivais utilizando o poder do Estado que ela
mesma controla. Será mais fácil — mas isso impedirá o pleno desenvolvimento
económico. Por agora, esse parece ser o rumo que a China está a tomar.
Professor
Associado da Católica Lisbon School of Business & Economics
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