Ouvi também Freitas do Amaral e custou-me a crer que – talvez por delicadeza –
mas autêntica minimização desprestigiante de uma ideologia que fora sua,
resumisse as suas impressões acerca de Assunção
Cristas, à descortesia desta quando dirige as suas críticas a António Costa, (que, aliás, não se coíbe
de responder sempre com manifesta grosseria ruidosa de macho picado). Mas, quer
nas análises mais extensas de Vasco Pulido Valente, (a respeito de Marcelo e
Guterres, por exemplo), quer em termos mais sintéticos, todos eles penetram como
cilícios que vão furando dolorosamente a nossa consciência que, a cada passo, constata tanta mediocridade palpitante.
CRÓNICA Diário
VASCO PULIDO VALENTE PÚBLICO, 1
de Junho de 2019
No futuro previsível, Portugal tem de
viver, como sempre sucedeu, perigosamente equilibrado entre as “justas
reivindicações” da populaça, de um lado, e o défice e a dívida, do outro. É o
único caminho, e a única maneira de governar. As disputas eleitorais, no fundo,
são frívolas.
26 de Maio: Com 16 por cento em Lisboa, e 22 por cento no Porto, o
PSD é agora um partido rural, que vai bem a Rui Rio, um homenzinho
autoritário e colérico, que chegou ontem de 1970 e não se distingue pela
inteligência política.
27 de Maio: Depois do relato de um caso de incúria e de anarquia,
uma locutora disse ao entrevistado, com delícia e orgulho: “Isso é por sermos
portugueses”. Graças a
Deus, gostamos muito de nós.
28 de Maio: Um programa de televisão resolveu desenterrar Diogo
Freitas do Amaral para o exercício
ocioso de “analisar” o resultado das eleições. E o bom homem aliviou-se
de uma opinião cordata: a primeira causa dos 6 por cento do CDS tinha sido
a rispidez e a falta de respeito com que Assunção Cristas se dirigia no
parlamento ao sr. Primeiro-Ministro. De
todas as esperanças da mocidade marcelista, que ia de José Pedro Pinto Leite e
Sá Carneiro a Balsemão e António Alçada, sobrou isto.
29 de Maio: A propósito do episódio de Valongo, lembrei-me do
tempo em que foi inventado o “cartão do cidadão”, pelo ministro da
Administração Interna, António Costa. O dito cartão começa por nos dar um
número por cabeça (obra da ditadura) e a seguir também dá o nosso número de
contribuinte, o número da segurança social, e o número de utente de saúde. Foi observado a António Costa que o cruzamento entre
estas informações, e entre elas e outras, iria diminuir a independência e a
privacidade do cidadão comum. Isto não o perturbou, e fez troça de quem se
opunha a esta maravilhosa invenção do seu programa “Simplex”. As consequências
estão à vista. No meio da barafunda, convém perceber que o sr.
primeiro-ministro não é um insigne defensor dos direitos e das liberdades.
30 de Maio: Voltando a Valongo, há uma pequena coisa a dizer: os
agentes do fisco devem, em princípio, atingir os objectivos que lhes são
atribuídos pelo Ministério das Finanças, e recebem um “prémio” se os
ultrapassarem. Nem sempre, como é óbvio, esses senhores recorrem aos métodos do
salteador de estrada, mas, por exemplo, largados atrás de um pequeno empresário
podem ser fatais. Nenhum indivíduo, por mais dinheiro e paciência que tenha,
consegue resistir a uma autoridade gananciosa e cega, quando ela é apoiada e
“premiada” pelo Estado. Como diz Ricardo Arroja, uma das primeiras reformas do
Estado tem de ser a reforma fiscal.
31 de Maio: António Guterres, como Churchill, recebeu ontem a medalha Carlos
Magno, a mais alta condecoração da “Europa”. Estranho destino o destes dois
amigos e rivais, ele e Marcelo.
Eram, no fim dos anos 60, os meninos queridos da Igreja. Os melhores alunos na
escola e no liceu, no Técnico e na Faculdade de Direito. Irrepreensíveis.
Quando
veio o 25 de Abril, um foi para o PSD e o outro, conta a lenda urbana, foi para
o PS porque no PSD já estava Marcelo. Chegaram ambos, quase simultaneamente, à
chefia dos seus partidos. Guterres até chegou a primeiro-ministro e espantou
toda a gente pela sua indecisão e pusilanimidade. De resto, bom rapaz.
Marcelo,
que como chefe da oposição facilitara a vida ao seu amigo, acabou por se
retirar para o comentário político. Guterres também desapareceu num
comissariado da ONU. Os dois prosperaram nestas posições adventícias e
laterais. Um conseguiu alçar-se a Presidente da República; e o outro a
Secretário-Geral das Nações Unidas. Alturas que assentam na retórica e, por
definição, na irresponsabilidade. Nunca passaram disto. Honrados e festejados,
falharam dramaticamente quando se tratou de agir na materialidade do mundo.
Marcelo e Guterres nunca deixaram de ser os “melhores alunos”. Que lição há a
extrair desta história cautelar?
Colunista
COMENTÁRIOS
Conde do Cruzeiro, Assinante: VPV,
não passa de um produto da populaça bacoca e ressabiada.
Antonio: Há a extrair que ainda sobra um
originário da populaça que polido por um doutoramento em Oxford , com sotaque
na snobeira e na pesporrência , nos vem explicar , normalmente com o filtro do
sec XIX o que se vai passando de Valongo a S. Bento. Abençoado.
Fowler Fowler:
Um velho snob que exibe e rentabiliza o único poder
que lhe resta: a verborreia. Mas tem piada. Faz rir.
ana cristina, Lisboa et Orbi: adoro a indignação dos comentadores, a
apelar ao respeito pelas instituições :))))) o respeitinho é tão bonito. e tão
circunstancialmente caro à soi-disant esquerda.
Beep Beep, Slough- UK: Para as instituições estou-me a borrifar.
Pelo desprezo que ele sente por quem não tem casa de campo com empregadas, já é
algo diferente.
ana cristina, Lisboa et Orbi: beep beep, não se arme em populaça. :))))
um homem escreve um texto. é o texto que nos interessa neste caso. atribuir-lhe
desprezos que não são chamados para o caso ou imaginar com que é que encheu o
copo ontem à noite é chutar para canto.
Beep Beep, Slough- UK: A história de um cronista faz-se do
compêndio dos seus textos, Ana. No caso do VPV, as coisas estão ligadas. Para
mais, nem consigo ler o texto
Julio: Que
época terrível esta, onde idiotas dirigem cegos" William Shakespeare Ana, denunciei-lhe o comentário. Obviamente não foi
intencional. As minhas desculpas. Na verdade, eu só lhe queria perguntar se o
seu comentário é, qualquer coisa como seja, um acto de contrição. Afinal a ana
não é de esquerda?
ana cristina, Lisboa et Orbi: Julio, o facto de eu ser de esquerda não
me entope os neurónios. :)))) fico triste de ver tanta gente que se acha de
esquerda a, volta e meia, apelar ao respeitinho, quando sentem os seus heróis
postos em causa. alguém que é de esquerda deveria conseguir ler e aplaudir cada
palavra desta crónica. sobre o rio, o costa, o freitas e os dupond e dupont do
padre melícias.
DCM, charneca de Caparica: Apesar de
apreciar os escritos de VPV irrita-me esta sua mania no uso indiscriminado da
palavra "populaça". No caso da crónica de hoje foi totalmente
inadequada dado que quem usa e abusa das "justas reivindicações " é
parte integrante da sociedade da corte, enquanto a populaça de que também faço
parte está no lado oposto da barricada … numa luta inglória contra a p. da
dívida abastardada porque renegada pela raça que a gerou.
Beep Beep, Slough- UK: “VPV é um narcisista arrogante que despreza e odeia os seus
compatriotas. Só não se entende porque é que o Publico o foi ressuscitar. Será
porque a sua reforma não lhe chega para o whisky” - Nem preciso de conseguir
ler o texto para saber que isto é 100% verdade.
Ceratioidei, Oceanos: Isto é o exercício da liberdade de
expressão. De resto nada mais é.
nunos, cotovia: Penso que Marcelo fez uma boa oposição a
Guterres; se não estou em erro, sugeriu os dois referendos sobre a
regionalização e sobre o aborto, que serviram para "irritar" o PS.
Tinha um estilo mais sóbrio. Comparem-no com o estilo essencialmente irracional
e incoerente de A. Cristas ou acossado de Rui Rio; ou com o estilo sonso e
beato de Jerónimo e Catarina.
henrique Mota, Coimbra: Exemplar na
argúcia e na mordacidade; amargo como um manipulado antigo, sintético como um
comprimido, incisivo como um bisturi. Não sei se cura mas alivia.
Imprescindível.
Artur Manuel
Caracol: VPV não respeita ninguém nem as
instituições do Estado ou quem as representa, o povo é a "populaça" e
Marcelo e Guterres "assentam na [...] irresponsabilidade". Crónicas
de escárnio e mal dizer onde vale tudo.
ana cristina, Lisboa et Orbi: Pertinentissimo. cada
palavra desta análise vale ouro. Pincelada perfeita sobre o Rio, o
Costa e os dois brilhantes inúteis.
Manuel Brito, LISBOA: Não há dúvida: para VPV os seus concidadãos são a
"populaça", Rui Rio um "homenzinho" autoritário e colérico,
Freitas do Amaral "o bom homem", Marcelo e Guterres prosperaram em
"posições adventícias e colaterais", os cargos de Presidente da
República e de Secretário Geral das Nações Unidas (principalmente o último)
"assentam na retórica" e na "irresponsabilidade". Se vamos
pela via dos adjectivos, VPV é um narcisista arrogante que despreza e odeia os
seus compatriotas. Só não se entende porque é que o Público o foi ressuscitar.
Será porque a sua reforma não lhe chega para o whisky, do mesmo modo que em
tempos idos a Gonçalves Pereira o vencimento de ministro não lhe chegava para
os charutos?
ana cristina, Lisboa et Orbi : é da "populaça" quem confunde pintar um
retrato com espirrar adjectivos. o seu comentário, Manuel, tem assinatura da
"populaça"
Manuel Brito, LISBOA: Deduziria que os seus têm a assinatura da elite
iluminada a que VPV julga pertencer, se não se desse o caso de essa elite ser
constituída por uma única pessoa: ele próprio.
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