segunda-feira, 10 de junho de 2019

Haja fé!



O País ainda não morreu! Há muita gente que sabe que o problema é esse da aceitação do status por comodidade, António Costa explorando bem a inércia de um povo que escolheu o facilitismo proteccionista com que ele e os seus sequazes vão acobertando e iludindo. Mas o país foi pátria de gente corajosa, tenhamos fé que um dia… Hoje é o Dia de Camões...
À atenção da direita /premium
OBSERVADOR, 5/6/2019
Espantei-me que não se espantasse mais com o estado de saúde das direitas em Portugal: que país normalmente constituído e com um regime democrático sobrevive com metade da democracia a funcionar?
1. Há dias almoçando com um amigo que há muito não via, apercebi-me com surpresa de uma preocupação de que não o julgava capaz (sabendo-o alguém ocupado a tratar de coisas sérias) e que era a “direita do Observador”: podia eu explicar melhor? Espantei-me que ele não se espantasse mais com o deplorável estado de saúde das direitas em Portugal, mas não ia infantilizá-lo lembrando que nenhum país normalmente constituído onde vigore um regime democrático sobrevive só com metade da democracia a funcionar. Não havia assim muito para explicar. À noite – nunca há coincidências – encontro outro um amigo muito próximo que quase se enfurece com a “radicalidade” do Observador. Resolvi levar aquilo a sério e espremi o tema: fiz perguntas, pedi esclarecimentos, revi a matéria, sugeri exemplos muito, muito, concretos: saiu pouco sumo. Era escassa a uva. Mas farta a parra, sob a forma de indignações postiças, exageros intencionais, alguma dosezinha de má fé. Clichés.
Mas isso foi o menos. O mais foi ter percebido, e logo ao almoço e ao jantar do mesmo dia, que gente adulta e séria ainda admite com estranheza — ou deveria dizer com um tédio bem pensante? — que as direitas tenham voz e se exprimam no espaço público e não apenas no reduto partidário, onde são de “centro”. E que ao fim de quase quarenta anos, os mesmos olhem com despropositada “preocupação” um meio comunicacional que representa como pode quem, justamente — muito pouco e muito intermitentemente –. se sentiu representado, durante anos e anos, na comunicação social. Ou seja, falo do óbvio. Tão prosaicamente banal é o que digo que seria até levada a evocar La Palice se os meus interlocutores — o do almoço e o do jantar — tivessem humor mas depois lembrei-me que talvez não pudessem tê-lo: então e o ar do tempo? O ar do tempo nunca os convidaria para a maçada de terem de destoar daquilo que as tais quatro décadas semearam no país: uma espécie de transfiguração das direitas, etiquetadas, desde o alvor da democracia, como “centro” ou quando muito “centro-direita”; e tudo o que levanta a cabeça para fora deste consentido perímetro é expeditamente radical, fascista, suspeito, extremista (e quem sabe, na melhor das hipóteses, serão mesmo estagiários dos Steve Banon deste mundo e, na pior, pagos por ele). Os meus amigos têm boas maneiras — não os ouvi chamarem-me fascista — mas também têm pena: para eles é como se subitamente me tivesse aventurado por duvidosos caminhos, optando por uma inesperada mas fatal má vida (que até ao momento nenhum soube porém definir ou concretizar).
2. Sucede que a constatação que acima sugiro, mesmo que tingida por uma amiga ironia face aos comensais de um mesmo dia, interessa bem menos que as observações que me suscitam as esquerdas à esquerda do PS. Como o (incessantemente) prometido irromper da “extrema direita” em Portugal não tem irrompido, o Observador vai-lhes miseravelmente servindo (?) de pretexto. Coisa pouca ética já se vê e, sobretudo, um tremendo mas muito conveniente abuso de interpretação.
A extrema esquerda radical — muito extremista e nada democrática, mais desconstrutora que construtora, mais hipócrita que séria, mais oportunista que convicta e vejam-se a “Europa”, a dívida, o euro, a Nato e tutti quanti –, primeiro espantou-se (com o Observador), depois desconfiou, agora zangou-se. Agora há só zanga e ódio sob a forma de atoardas patéticas que os vão entretendo mas de todo preparando para um combate cultural e político que veio para ficar e os apanhou na curva da sua própria surpresa. Talvez seja natural: há anos que cultural e civilizacionalmente se embriagaram com uma overdose deles mesmos — achando que “isto” é deles. Ei-los em galope veloz sobre temas preferencialmente fracturantes no parlamento; com mão pesada e presente na Educação (parece estar em curso a substituição da disciplina de História por duvidosas pastilhas de “cidadania”, a deles, naturalmente); exímios praticantes da ditadura do pensamento único e com nojo do pensar alheio; produtores de ambiguidades várias; omnipresentes nos ecrans. Eles sorrirão com desprezo, eu refiro apenas algumas alíneas da grande captura pela esquerda radical da outra metade da democracia.
Diante desta tela feia e mal pintada, tem porém vindo a surgir outra gente. Desinstalada. Vindos uns do mais rotineiro e envelhecido perímetro partidário do PSD e do CDS, outros ainda sem morada política. E sem fantasmas mas definitivamente mais preocupados com as questões prévias do que com a espuma dos dias, que o mesmo é dizer mais interpelados pelo país e menos em fazer cerimónia com os protagonistas do costume: com Marcelo-empresário-de-si-mesmo (uma espécie de Senhor França, do Coliseu, de si próprio); com os políticos do costume, com os algozes do costume. Gente nova, outra gente. Não conheço nenhum (sei um ou outro nome, apenas de os ler), não sei se estão preparados para uma empreitada difícil e longuíssima ou prontos para um combate cultural. Sei o que é preciso: que estão aí.
3. Por motivos profissionais andei mergulhada em textos e papéis sobre Francisco Sá Carneiro. Foi quase brutal lembrar-me que tinha apenas trinta e cinco anos quando em 1969 entrou na então Assembleia Nacional e se sentou nas cadeiras destinadas à Ala Liberal, movimento que previamente lhe exigira vontade política, fôlego e determinação para o fundar, com alguns outros portugueses.
Em 1985 quatro rapazes dotados – José Miguel Júdice, José Manuel Durão Barroso, Pedro Santana Lopes, Marcelo Rebelo de Sousa – eram novíssimos quando inventaram uma tendência no PSD — onde todos militavam — chamada “Nova Esperança”. Uns tinham 27 anos, outros estavam muito longe dos quarenta. Mas o interessante nesta história foi o que não os demoveu da aventura: de cada vez que na altura se contavam espingardas o quarteto contava apenas com 3% de votos. Três por cento em simpatia, ou no aparelho, ou nas intenções de voto, fosse onde fosse. Nenhum se importou, continuaram. E a Nova Esperança foi útil, chegou a ser indispensável nalgumas votações cruciais, e serviu para muito. Não, não estou distraída nem esquecida dos erros onde possam ter tropeçado ao longo dos trinta anos seguintes (e sabe Deus o que sobre eles escrevi). Julgo simplesmente – e racionalmente – que o exemplo da Nova Esperança – pelo que sinalizou de empenho e simbolizou de convicção — tem de ser lembrado. Hoje, mais.
4. Evocar os trinta e cinco anos de Francisco Sá Carneiro — no regime autoritaríssimo de Marcelo Caetano — ou lembrar a velocidade ousada da Nova Esperança amplia-me implacavelmente a pena que sinto neste momento: face à anemia do país, à abulia da sociedade civil, à demisão das elites (?) nacionais, ao deplorável comportamento da CIP e outras modestas cips. À mansa quietude de uma misteriosa entrega à maior ficção portuguesa rodada desde Abril de 74: esta, onde vivemos hoje. Só não se sabe ainda o que pagaremos mais caro, se o argumento, se a produção.
E claro, pena pelo estarrecedor estado das direitas baptizadas e já crescidinhas, PSD e CDS. O país zangou-se com o modus faciendi da recente campanha eleitoral quando a campanha apenas radicalizou o falhanço que vinha de trás, ao torná-lo transparente, contabilizável. Indisfarçável, portanto. E trágico, claro.
Tirando Lázaro não me ocorre muito mais gente que tenha ressuscitado das suas próprias cinzas.
E se daqui a quatro, cinco, seis meses se optar por mais do mesmo – tudo o indica – a opção é suicidária.
Só virão melhores dias se o espaço  à direita do PS se juntar. Todo o espaço. Para crescer, voltar a ser gente, repensar a vida, o país, o futuro, o que andamos aqui a fazer. Que o mesmo é dizer, tratar da política. (E só assim se trava, impede e seca os indesejáveis que podem ter a mesma ideia.)
COMENTÁRIOS
Natália Guerreiro Coinstâncio Fernandes: Boa crónica que espelha bem o país por estes dias tenebrosos, em que a democracia está adiada. Quase toda a comunicação social está refém de um governo com tendências pouco democráticas e pouco transparentes. Essa é a razão por que a direita está amordaçada e não porque haja crise nas direitas. Simplesmente porque não tem voz! Costa tem tudo muito bem arquitectado e a comunicação social no bolso! Se não fosse por isso, o estado lastimoso em que se encontra o país, seria devidamente noticiado e a verdade vinha à tona! Assim, só quando não puderem mesmo esconder, é que este povo anestesiado vai acordar do sono induzido!
maria leonor Bettencourt: Sou assinante do Observador, adoro ler as suas crónicas e de outras pessoas que também as fazem, porque de resto não consigo ler nem ouvir as "chamadas notícias das esquerdas" que por aí andam, que País triste e anestesiado.
chints CHINTS: A direita ainda está complexada e encolhida. O melhor mesmo é o Costa ter uma vitória estrondosa, ele e as bes. Rápidamente todos sentirão pobreza e fome. Precisam de um jejum para aclararem ideias sobre a validade política de qualquer esquerda. 
Manuel Elias: Um artigo de excelência. Vou já renovar a assinatura. Destaco: "deplorável comportamento da CIP e outras modestas cips". As associações empresariais venderam-se por umas migalhas que são distribuídas pelas grandes empresas. Já aqui escrevi várias vezes, o pior legado deste governo vai ser o estado em que vai deixar os pequenos empresários sobretudo do interior. Quem nos defende? quem nos acode?  
Marco Silva: Mas qual direita ? Irra que é preciso viver num mundo à parte, para constantemente chamar a partidos do centro e centro esquerda, de "direita"
NÃO EXISTE DIREITA EM PORTUGAL! Comecem a viver na realidade e deixem o mundo da fantasia criado pela esquerda, que através do controlo que tem dos media, perpetua esta mentira e activamente demoniza a "direita" como se do bicho papão se tratasse. Como já demonstrei várias vezes nestas secções de comentários, a generalidade das pessoas nem sabe o que são politicas de direita, no entanto criticam-nas. Já as politicas de esquerda, que nos trazem bancarrotas, pobreza e miséria, recebem votos. É o que dá 45 anos de doutrinação das esquerdas neste país. Se eu tivesse um cêntimo por cada vez que nos jornais ou na TV, se referem ao centro e centro esquerda, como "direita"....Apenas mostra quão radicais são as esquerdas, pois tudo o que não seja radical como eles/as, é de "direita"... E o mais extraordinário e demonstrativo da loucura das esquerdas neste país, é que sociais democratas de outros paises são de facto centro esquerda...mas os sociais democratas de portugal, devido à demência dos esquerdalhas, são de "direita"
Paulo Silva > Marco Silva: Há uma crise porque o Regime uma vez aqui chegado, após três bancarrotas, não tem mais para oferecer aos portugueses que o espectro real de uma das maiores dívidas públicas do mundo… criada e alimentada ao longo destes 45 anos a “abrir o caminho para uma sociedade socialista”. Passos tentou ‘Mudar’ alguma coisa numa conjuntura aparentemente favorável, mas ao mesmo tempo muito complicada, e a Esquerda instalada quis manter o paradigma do Estado redistribuidor, um Estado que a todos dá o que tem, e o que não tem, ao sabor das campanhas eleitorais (com todos dele a tudo quererem). Daí a espiral de endividamento. E a crise é da Direita para as cabecitas...
A prioridade do Estado, a seguir à Defesa e Segurança dos cidadãos, deveria ser a Criação da Riqueza… em vez da sua redistribuição (justificada pelos dogmas da injustiça social): incentivar quem cria, quem produz. Mas enquanto coisas como o ‘empreendedorismo’ e a ‘iniciativa privada’ forem abastardadas pelas donos do regime, nada feito. Distribuição da riqueza acaba sempre em distribuição da pobreza. O modelo político chinês não é flor que se cheire, mas esse foi o segredo para a 2ª economia mundial. Deng Xiaoping começou por descolectivizar o campo, e assim o empresarialismo rural floresceu...
Paulo Silva: Por mais que os publicitários do pretenso ‘arco da Constituição’ tentem esconder, Rui Rio está certo, a crise é mesmo do Regime como um todo, e veio definitivamente para ficar com a inauguração da geringonça fracturando o ‘Centro’.... Em 2009 e 2011 para o PS era “quem ganha governa!”, mas em 2015 a liderança do partido resolveu mudar de opinião e quebrar a tradição sem dar cavaco... até à noite eleitoral. ‘Foice assim’ um importante pacto de regime...
Daí cresceu a crise ao ‘Centro’, crise do Regime. Porque, como até Adão e Silva já percebeu, as franjas aumentaram e, por ora, uma grande parte estará escondida na abstenção. Há 20 anos PS e PSD tinham juntos 75%; hoje têm 55%, e esses são os partidos do Regime, disse. A ‘vitória’ das Esquerdas (des)unidas num contexto de grande abstenção, em que uma Direita assumida ainda não se chegou à frente, deixa-lhes um sabor agri-doce que não as pode deixar tranquilas. Percebem-se as hipócritas cautelas com que as Esquerdas estão a lidar com as pouco protocolares declarações do sr. Presidente. Não por isso, mas por perigosas de escorregadias…
Cara jornalista Maria João Avillez, pergunto. Alguém de Direita que se preze se revê numa ‘direita’ onda pontuam ditos como, “prefiro pior resultado eleitoral do PSD, a ficar com o rótulo de Direita”, ou “se não fosse por Sá Carneiro estaria no PS”?!… Estaremos de regresso ao PREC, ou quê?… Certamente que para os seus amigos uma ‘direita’ adormecida assim seria melhor… mas com o PS a açambarcar o Centro, com a ajuda da extrema-esquerda...


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