Digo, Francisco Guerreiro, o novo herói de um novo partido de reivindicadores da
caridadezinha, naturalmente desestabilizadora, sob a sua capa virtuosa, de
fraternidade universal que nos encaminha, uma vez mais, para lutas grevistas e
outras que tais - não em louvor de Deus, como definiu S. Francisco de Assis no seu “Cantico
delle Creature” (Séc. XIII), de afecto real por tudo o que existe, como
presentes divinos – mas em “furo” oportunista de luta por um lugar ao sol da
realização pessoal.
Uma crónica dos nossos tempos, de Alberto Gonçalves, que é o
máximo em termos de realização satírica, de ler e reler, com riso sim. Com
lágrimas também. Bem sublinhada pelos seus comentadores admiradores.
Como contraste, e descanso aprazível,
releiamos o tal “Cantico delle Creature”, que a “sora Internet” nos fornece – com uma bondade a que seremos sempre
gratos - a limpar-nos um pouco destes ares poluídos dos nossos tempos de multiplicidade
de diversões e escolhas, tantas vezes descontroladas.
A natureza do PAN/premium
OBSERVADOR, 1/6/19
“Dono de dois gatos e um coelho, quer
pôr as alterações climáticas no centro do debate.” Que significa isto? Que se
fosse dono de duas osgas e um periquito o Francisco daria atenção ao Médio
Oriente?
Até Domingo passado, eu nunca
prestara atenção ao PAN, que tomei por um epifenómeno idêntico àquele sr.
Sérgio dos reformados e às pulseiras do António Sala. Pelos vistos, 5,1% dos
eleitores prestaram a atenção suficiente para votar no partido das Pessoas, dos
Animais e da Natureza (na verdade, descontados os votos nulos, os votos em
branco e a abstenção, nem sequer 1,3% das pessoas – dos animais e da natureza
não sei – escolheram o PAN, do mesmo modo que a “grande vitória” do PS se deveu
a 8,2% do eleitorado, a “direita” do costume rondou os 7% e o imparável BE
parou nos 2,4%, mas esse é outro assunto).
Sempre
ávido de participar nas últimas tendências, comprei um pólo verde acinzentado e
li detalhados artigos sobre o eurodeputado do PAN e sobre o PAN. O eurodeputado
chama-se (um momento, que estou a procurar o nome… Andava algures… Cá está!)
Francisco Guerreiro, é vegan e tem dois gatos e um coelho. Aliás, “O
eurodeputado vegan tem dois gatos e um coelho” é exactamente o título do artigo
que o “Expresso” dedica ao rapaz. Não é um título particularmente
informativo, a menos que consideremos informativos os títulos “O vereador
sportinguista tem uma espondilose e quatro sobrinhos”, ou “O anestesista
marreco tem um ‘time-sharing’ e o bacalhau de molho”. Enfim, jornalismo
moderno.
E
a modernidade jornalística prossegue quando se tenta explicar o impacto da
fauna (a
propósito, é coerente que um defensor dos animais e da natureza detenha a
propriedade de bichos – e de arbustos, já agora?) do Francisco nas respectivas convicções: “Dono de dois gatos e um coelho, quer pôr
as alterações climáticas no centro do debate.” O que significa isto?
Que se fosse dono de cinco percevejos e três rinocerontes, as aflições do
Francisco divergiriam para o conflito no Médio Oriente? E que se mantivesse em
cativeiro duas osgas e um periquito o Francisco perderia o sono a pensar no
drama da Huawei?
O retrato do Francisco não termina
aqui. O Francisco é coerente. O Francisco tem um carro que só usa “quando não
tem alternativa”, leia-se para “ir buscar a filha à escola” ou “calcorrear o
país”, leia-se sempre que lhe dá jeito, leia-se à semelhança de toda a gente:
eu também dispenso o carro para atravessar a rua – sou ambientalista e não
sabia. O Francisco, que “tentará pagar um extra para compensar a pegada
ecológica”, viajará de avião de e para Bruxelas “quase todas as semanas”,
leia-se porque deixa cá a família para, cito, não a prejudicar, leia-se agirá
de acordo com as suas conveniências, leia-se à semelhança de toda a gente:
excepto os bandalhos que não “tentam” pagar “um extra” para “compensar” a
“pegada ecológica”. O Francisco procura comprar roupa “apenas quando precisa”,
“e geralmente em segunda mão”. O Francisco “recolhe lixo nos tempos livres”. O
Francisco é uma jóia de moço, ou no mínimo convenceu-se disso. E esse é o problema.
Não
há mal nenhum em que o Francisco se vista com roupa usada, apanhe lixo, coma
relva, acarinhe chinchilas, utilize hipocritamente os transportes poluentes e,
se assim o entender, saia à varanda em cuecas (herdadas do avô) para acumular
água da chuva em tigelinhas recicláveis. O mal é o Francisco julgar que o seu
comportamento é tão espectacular que constitui um exemplo a seguir pela
humanidade em peso. Antes do PAN, o dilúvio. Depois do PAN, um cartaz da
campanha traduz a modéstia do candidato e da candidatura: “Vamos sentar o
planeta no Parlamento Europeu”. Do alto dos inúmeros delírios, o Francisco
imagina mesmo que representa a Terra e não 168 mil alminhas.
E
quem diz o Francisco diz o PAN em geral, cujas crenças, no sentido religioso do
termo, não mereceriam comentário se assumidamente se limitassem aos membros e
simpatizantes da seita. Sucede que não limitam. O PAN é livre de abominar os
transgénicos e os respectivos benefícios. O PAN é livre de presumir que as
“medicinas alternativas” são uma coisa autêntica e não uma impostura do
gabarito da tarologia. O PAN é livre de preferir curar a enxaqueca com camomila
no lugar de Zomig. O PAN é livre de trocar proteínas animais por alcachofras e
tofu. O PAN é livre de não apreciar sacos de plástico e carregar as compras na
cabeça. O PAN é livre de sentir cócegas com os combustíveis fósseis. O PAN é
livre de acreditar nos méritos, e na viabilidade, de providenciar um salário
aos que recusam trabalhar. O PAN é livre de ponderar a saída do euro. O PAN é
livre de sonhar com o indicador da Felicidade Interna Bruta. O PAN é livre de,
sob o verniz “urbano” e fofinho, ser bruto como as casas.
A chatice, e o perigo, é que o PAN
não se satisfaz em passear ignorância sem um remoto vínculo à realidade. O PAN,
que é para a ciência (e para a economia) o que o BE é para a economia (e para a
ciência) quer, e aos poucos tem ajudado a conseguir, que a ignorância, a
crendice e a superstição cheguem à lei. O PAN devia ser livre de tudo, não
devia ser livre de interferir na liberdade alheia através de alucinações. A
última palavra ao Francisco: “O nosso caderno de encargos é muito exigente”. De
facto, exige uma imensa propensão para o atraso de vida.
COMENTÁRIOS
Cipião Numantino: Hoje ao AG
deu-lhe para isto. E palavra de honra que quando desatou a falar no Francisco
eu até pensei estar ao referir-se ao outro. Estão a ver aquele protector de
algumas seitas, comunistas de preferência, falando-lhe do alto da sua sapiência
outorgada pelo divino de que os Papas se julgam mensageiros na Terra? Mas não,
era um outro Chico. Provavelmente ainda mais convencido e místico do que
aquele. Um tenta salvar as almas, o outro, primando ainda mais por uma basófia
alucinada, é mais imodesto e pasmem pretende mesmo salvar o Mundo!
Isto
vai de mal a pior, meus caros. E desconfio que fui teletransportado, sem me dar
conta, para um mundo paralelo onde o ridículo campeia, a alucinação faz
competente escol e algumas gentes que me rodeiam parecem haver sido trepanadas
convolando-as em permanentes émulos psicológicos de um qualquer Frankenstein.
Já
nada me parece fazer sentido. E piamente acredito que a tendência será para
piorar.
Conheço
algumas fundamentalistas (eu ia a dizer maluquinhas) desta tara psicológica que
se dizem protectoras dos animais. Ambas licenciadas (uma delas tem a faculdade
de nos pôr a ver o sol aos quadradinhos), ambas exclusivamente comedoras de
alfaces e afins e, finalmente, ambas certamente urbano-depressivas como
magistralmente catalogou os prosélitos da seita, o controverso Miguel Sousa
Tavares. O seu hobby nos fins de semana é irem limpar canis municipais, num
fetiche mais que mórbido e difícil de entender. Uma não sei, mas a outra é uma
inveterada comuna o que indiciará que muita da proselitagem do PAN beberá
ideologicamente do caldo marxista. Entradotas já na idade, desconfio que ambas
ficarão para tias já que socialmente entenderão que se sentem melhor a lidar
com cães e gatos e terão provavelmente horror a crianças ou mesmo a elementos
da peste grisalha.
Certamente
que nem todas as pessoas que votaram PAN serão como estas. E haverá seguramente
quem vote por compaixão para com o sofrimento real que incide sobre muitos
animais. Mas também não posso esquecer que alguns destes votantes exclamarão
por aí que confiam mais nos animais do que em pessoas, num sentimento
anti-social que além de censurável revelará uma psicopatologia agravada que
tornará estas pessoas mais conformes a estagiarem ad eternum num qualquer
hospício psiquiátrico.
Há
muita gente doente por aí. E maluca, também.
Já
não nos bastava a comunada para virar esta poorra de país de pernas para o ar e
ainda nos toca em sorte gente de tal calibre fundamentalista que ainda aqui há um
par de anos violavam direitos de cidadania, assaltavam propriedades e deitavam
mão a bens alheios no efeito e na forma de roubo e sequestro de animais
domésticos. Refiro-me obviamente aos Rambos encapuçados do acrónimo IRA, dignos
continuadores dos métodos odiosos e asquerosos do Ku-Klux-Klan!
Deus
nos livre de tais maluquinhos. E das suas mais que evidentes taradices e
maluqueiras!...
Tiago Queirós: Ora... um
deleite. A PANdilha exposta para todo o mundo ver.
Liberal Impenitente: Estão na
moda em política, as alucinações. Elas são a norma noutro domínio, o das
religiões, e até podem ser postas por vezes a bom uso. Já um Estado cujo 'élan'
transformador se baseia em alucinações só pode ser visto como um pesadelo.
Pouco importa se são as alucinações de um "querido dirigente" ou de
uma turba de "salvadores do planeta".
Il
Cantico delle Creature o “Cantico di
Frate Sole”
San
Francesco d’Assisi
(Adaptado
ao italiano moderno)
«Altissimo, Onnipotente Buon
Signore, tue sono le lodi, la gloria, l'onore e ogni benedizione.
A te solo, Altissimo, si addicono
e nessun uomo è degno di menzionarti.
Lodato sii, mio Signore, insieme
a tutte le creature, specialmente il fratello sole, il quale è la
luce del giorno, e tu tramite lui ci illumini. E lui è bello e raggiante con un
grande splendore: simboleggia Altissimo la tua importanza.
Lodato sii o mio Signore, per sorella
luna e le stelle: in cielo le hai formate, chiare preziose e belle.
Lodato sii, mio Signore, per fratello
vento, e per l'aria e per il cielo; quello nuvoloso e quello sereno, ogni
tempo tramite il quale alle creature dai sostentamento.
Lodato sii mio Signore, per sorella
acqua, la quale è molto utile e umile, preziosa e pura.
Lodato sii mio Signore, per fratello
fuoco, attraverso il quale illumini la notte. È bello, giocondo, robusto e
forte.
Lodato sii mio Signore, per nostra
sorella madre terra, la quale ci dà nutrimento e ci mantiene: produce diversi
frutti variopinti, con fiori ed erba.
Lodato sii mio Signore, per
quelli che perdonano in nome del tuo amore, e sopportano malattie e sofferenze.
Beati quelli che sopporteranno
ciò serenamente, perché dall'Altissimo saranno premiati.
Lodato sii mio Signore per la nostra
sorella morte corporale, dalla quale nessun essere umano può scappare, guai
a quelli che moriranno mentre sono in situazione di peccato mortale.
Beati quelli che la troveranno
mentre stanno rispettando le tue volontà. La seconda morte, non farà loro alcun
male.
Lodate e benedite il mio Signore,
ringraziatelo e servitelo con grande umiltà.»
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